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MEMÓRIAS DO COMÉRCIO SANTISTA: VOCÊ SABE POR QUE ADÃO NÃO SE VESTIA?
Maristela Silvino
 
Qualquer santista com mais de quarenta anos saberá dar a resposta. Ela está ligada a uma antiga propaganda divulgada na cidade, nos anos 60.

Apesar de Santos ter várias agências de publicidade e ver seu mercado expandir mais quando foram inauguradas as afiliadas de grandes redes televisivas, como a Globo e o SBT, poucas foram as propagandas que tiveram tanto sucesso e permaneceram na memória do santista, como a das Lojas Mahfuz.

Essa loja de “Roupas para cavalheiros e crianças” surgiu, assim como tantas outras, no centro , exatamente na Rua João Pessoa, 59, para atender a demanda causada pelo aumento de população. Era a década de 50 e o pólo industrial de Cubatão tinha-se iniciado com a instalação da Refinaria Presidente Bernardes. O turismo também estava no auge com a recente inauguração da via Anchieta.

A loja teve tanto sucesso, que logo abriu duas filiais: uma na Praça José Bonifácio, 35, e outra na Rua General Câmara, 98. Ao todo eram cinco endereços diferentes. Era necessário, então, que se fizesse propaganda. Quem faria a criação do anúncio?

Nessa época a sociedade de consumo no país tinha-se consolidado e, conseqüentemente, o mercado publicitário já havia crescido. Santos contava com agências como a Hugo Paiva, a JB, do Jornalista Juarez Bahia, e a Clã, de Marco Antônio Batan, mas ainda havia uma certa resistência de se recorrer a profissionais especializados. Acreditava-se que “o reclame”, como era chamada a propaganda, poderia ficar por conta de algum amigo inspirado.

No caso da Mahfuz, a solução foi familiar e atendia pelo nome de Manoel Moreira. O Sr. Moreira, como era conhecido por todos, era tio de uma das sócias da loja. Poeta e escritor, ocupou uma cadeira na Academia Santista de Letras. Gostava de criar quadras alusivas à empresa de acordo com a época do ano.

Verão?
Não receie o tempo quente/por fortes raios de luz/ para o calor inclemente/ camisa esporte Mahfuz.

Carnaval?
Rei Momo já vem chegando/ e entre o povo se introduz/ entre no cordão brincando/ com artigos da Mahfuz.

Fim de ano?
Ano Novo, vida nova/ Nova esperança reluz/ também o aspecto renova/ quem compra só na Mahfuz .

Liquidação?
Lojas Mahfuz anunciam/ um fato sensacional/ um grande acontecimento/ a liquidação anual.1


De todas a que mais se popularizou e continua lembrada até os dias de hoje foi “Adão não se vestia porque Mahfuz não existia”. Foi veiculada nos bondes, jornais e nos programas esportivos diários de Ernani Franco , na Rádio Atlântica. Um sucesso!

Pode-se dizer que as Lojas Mahfuz eram uma das mais importantes representantes do agitado comércio da cidade, aquele comércio de rua que aproxima e envolve o cidadão que está passando e o que está no ponto do ônibus. Elas foram do tempo em que o dono do estabelecimento recebia seus fregueses na porta e, sorrindo, levava-os até o balcão.

Permaneceram em atividade por mais de meio século e testemunharam o comércio morrer no centro e renascer na praia, em tempo de turismo intenso. Viram seus clientes trocarem o espaço aberto da rua pela segurança fechada dos shoppings, imunes às intempéries.

Fecharam suas portas no começo deste século, mas uma certeza ficou: Eva não seria seduzida por cobra ou qualquer vilão, se a Mahfuz vestisse Adão.


Se bons artigos deseja
Pra brincar no carnaval
Visite a Mahfuz e veja
Que sortimento sensacional


Carnaval é festa do povo
A folia vai reinar
Mahfuz tem estoque
Pra quem quiser brincar.


Mahfuz “ta” fabricando a jato
Só vende diretamente
Vende mais e mais barato
Agradando à toda gente


Como o alvinegro glorioso
Que caminha sempre à frente
Também Mahfuz é famoso
E não teme concorrente


Acreditem meus amigos
E guardem isso de cor
Fabricando bons artigos
Mahfuz de fato é o maior


Para o rico ou operário
Mahfuz tem o artigo exato
Não tendo intermediário
Vende tudo mais barato


Se os maiores elogios
Você quiser fazer jus
Compre somente os artigos
Que se vendem na Mahfuz


Um freguês inteligente
Compra na Mahfuz somente


Mahfuz liquida de verdade
É o próprio povo quem diz
Artigos de qualidade
Na filial ou na matriz


Seja um rapaz de truz
Comprando na Mahfuz



FONTE: Jornal A Tribuna. N. 30. Ano LXIX. 2o Caderno. Santos, 1 Mai. 1962, p.7.
 
1 Essas rimas só puderam ser reproduzidas porque o Sr. Alberto Mahfuz mantinha-as entre seus pertences.