Os penteados eram exóticos e complicados, cabeleireiros viviam às voltas com os penteados das madames.
Até por volta de 1912 Corumbá
2 não possuía luz elétrica nem água encanada. Lampiões a querosene tinham a tarefa de iluminar as ruas e aguadeiros distribuíam a água em carroças puxadas por um par de burros. A água era retirada de um reservatório que ficava onde hoje está o Grêmio dos Subtenentes e Sargentos e cada pipa custava $200 réis para quem não tinha o privilégio de ter um aljibe
3 em casa. Aliás, possuir aljibe num dos pátios da casa era sinal de “status”, determinava a posição sócio-econômica da família. Aljibes arredondados, coroados de armações de ferro sofisticadíssimas, que coletavam a água da chuva e livravam a família de ter que comprar as aborrecidas pipas d’água para suprir as necessidades do dia-a-dia. Só as residências mais abastadas se davam a esse luxo. A população em geral virava-se como bem podia, como foi o caso da já empobrecida Baronesa de Vila Maria.
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Acompanhada de suas ex-escravas, inexplicavelmente, conseguia descer a íngreme barranca que separa a cidade alta do porto e ir tomar banho no rio Paraguai, num banheiro mandado fazer por ela mesma e que ficou conhecido como o banheiro da Baronesa, singelo quadrado de madeira, coberto de telhas, onde a nobre senhora costumava purificar-se, não sabemos se diariamente, mas com certeza saudosa dos límpidos córregos que cortavam as terras da sua fazenda, que ficava ali pelas imediações da antiga Estação Maria Coelho, perdida durante a Guerra do Paraguai.
Contam as más línguas, que esse hábito nostálgico da baronesa durou até o dia em que ela descobriu que a garotada andava fabricando buraquinhos nas tábuas para espiá-la nesses banhos costumeiros, que já estavam dando o que falar nas rodas dos comentários da Farmácia Central.
As mulheres pouco saíam de casa, quando saíam estavam sempre acompanhadas dos maridos para cumprir com as obrigações sociais e religiosas. Aí, então, empetecavam-se todas, armavam-se com aquelas saias e sub-saias rodadas e ainda por baixo vestiam calças compridas
5, de babadinho de renda, porque era o “chic” da época.
Os penteados eram exóticos e complicados. Cabeleireiras viviam às voltas com os penteados das madames. Mandavam buscar de Buenos Aires ou Montevidéo os mais modernos enchimentos para os cabelos, que ficavam bem armados, que nem um bolo de noiva.
No rosto, costumavam usar o tradicional pó de arroz e um ligeiro toque de papel vermelho, molhado na água, que não avermelhava muito a pele aveludada. Ruge e batom eram coisas de gente à toa, daquelas “zinhas” que moravam lá pelos arredores da Rua Sete de Setembro e que tanto desfalque causavam nos bolsos dos maridos.
Como complemento da “toilete” ainda usavam as luvas, os chapéus, as mantilhas brilhosas, os leques de plumas ou de rendas ou de papel com gravuras japonesas, espanholas, francesas, com os quais se abanavam, hirtas e sorridentes, apertadas nos espartilhos que eram verdadeiros “instrumentos de suplício”.
Quando chegavam em casa e retiravam os infelizes espartilhos e se aliviavam: Arre! Até que enfim, estou com as vísceras em pandarecos!
Os homens, vestiam-se com “apuro”, para usar o termo da época. Diariamente e incompreensivelmente andavam de ternos pretos e tristes, uma indumentária incompatível com nosso clima tropical. Alguns usavam camiseta de lã, por baixo de tudo, porque acreditavam que dessa maneira o suor não esfriaria e impediria a chegada dos incômodos resfriados e das terríveis pneumonias. Não dispensavam os coletes, as gravatas enlaçando o colarinho duro, os chapéus, as bengalas, as polainas. E, ainda como se não bastasse, para as grandes solenidades como batizado, casamento, missa de sétimo dia, usavam a sobrecasaca, um casacão até os joelhos, com gola de seda. Andavam pelas ruas ostentando fartos bigodes, sempre com charutos mordiscados e babados no canto da boca.
As crianças vestiam-se como os adultos. Cedo perdiam a jovialidade. As meninas casavam-se aos treze anos, por aí... pois o casamento era uma obsessão! Ficar solteira nem pensar- credo!- E em casa de “moça casadoira” não faltava um oratório de madeira com a imagem de Santo Antônio de costas e de Santo Onofre para proteger o dote da família, sempre preocupante.
O noivo era escolhido a dedo. Escolhiam sempre um filho da terra, moço rico, o bom partido, que era vigiado constantemente na sala ou na varanda da casa da noiva, e coitada daquela que avançasse o sinal: ficava mal falada para o resto da vida e caía na boca do povo por ter pisado na bola com o tal escândalo imperdoável.
– A filha de fulano, diz-que...
– Ê-ah!... não me fala!...
O corumbaense sempre foi um ser musical. Grandes compositores, grandes tocadores de violão e cantores destacaram-se na sociedade e marcaram suas passagens pela vida boêmia da cidade.
Naquele iniciozinho do século XX, como ainda não existia rádio, as músicas da moda chegavam pelo vapor do “Loyde Brasileiro”. Eram valsas, polcas, mazurcas, que seriam tocadas em “gramophones”, cujas agulhas primitivas (não havia discos) feriam uns cilindros fazendo o som sair um tanto fanhoso, é verdade.
Os músicos da terra formavam orquestras para tocar nos bailes dos clubes e nos saraus em casa de família. Orquestras melodiosas alegravam os salões, esquentando o ânimo da rapaziada, aliás, dos “cavalheiros”, como se dizia. Eles tiravam as “damas” oferecendo-lhes o braço, valsavam, valsavam aos rodopios, perdidamente, e quando a música cessava, ainda de braço dado, conduziam as “donzelas” até à mesa de onde as haviam tirado, cumprindo este trajeto aos pingos, batendo o lenço branco na testa suada. Mas felizes da vida.