RESUMO: O artigo faz um histórico sobre os clubes sociais e esportivos em Santos, relacionando a história e desenvolvimento da cidade à evolução dessas agremiações. Após um período de apogeu e glória, os clubes perdem força e associados no final do século XX, fato explicado pelas profundas mudanças no comportamento social da população.
ABSTRACT: The article makes a historical report about social and sporting clubs in Santos, looking for connections between city history (and its development) and associations growing. After a period of apogee and glory, the clubs lose strenght and associates by the end of 20th Century. This fact can be explained by deep changes in population social behaviour.
Santos é uma das mais antigas cidades brasileiras. Sua data de fundação é incerta, mas está situada entre 1545 e 1547, e ligada a dois fatos históricos, ambos de iniciativa de Braz Cubas, o fundador da vila: a localização do porto regional em 1541 na enseada de Enguaguaçu, ao lado de onde hoje está situado o centro da cidade, e a criação de um hospital, o primeiro do Brasil: a Santa Casa de Misericórdia, em 1543.
Toda a história de Santos está ligada ao desenvolvimento de seu porto.2 Até meados do século XIX, existe apenas um pequeno povoado (Santos foi elevada à categoria de cidade em 1839), sendo que sua expansão foi acelerada com o crescimento das cargas exportadas pelo porto. Nas primeiras décadas do século XIX o principal produto de exportação é o açúcar, produzido no interior paulista. Mas é o café, na segunda metade do século, que vai marcar o crescimento vertiginoso da cidade de Santos.
Em 1867 é inaugurada a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, construída pela empresa São Paulo Railway Company, que venceu as escarpas da Serra do Mar e criou uma ligação física segura e permanente entre o Planalto paulista e o porto de Santos. Através dessa estrada foi escoada a crescente produção de café do interior do Estado de São Paulo. Em 1888, após longo e conturbado período de concorrências, finalmente é concedida à empresa Gafrée & Guinle a concessão para a exploração do porto de Santos, e iniciada a construção do porto moderno. Em 1892 foi inaugurado o primeiro trecho de cais, com 260 metros de extensão, sendo que em 1909 o porto possuía 4.720 metros, com armazéns, instalações e equipamentos modernos.
Nesse período, o desenvolvimento da cidade é notável. Se em 1872 a população de Santos era de 9.151 habitantes, em 1913 (quarenta e um anos após) passaria a 88.967 pessoas, quase dez vezes mais. Houve um grande fluxo de imigrantes para a cidade, sendo registrado que, em 1913, 42,5% da população era composta por estrangeiros. O crescimento econômico veio fixado em dois pilares fundamentais: a construção e expansão do porto, e a implantação de uma rede comercial - a dos negócios do café - caracterizada por empresas comissárias e exportadoras, firmas corretoras, armazéns gerais, bancos, muitos deles com sede no exterior.
Acontece, também, em paralelo ao crescimento do porto, uma das mais importantes obras de engenharia urbana empreendidas no Brasil. O Plano de Saneamento da cidade, realizado no início do século XX, que consistiu na construção de canais de drenagem e rede de esgotos, propiciou a eliminação das doenças endêmicas que assolavam a cidade (como febre amarela, tifo, varíola, tuberculose), além de permitir a ocupação e definir seu desenho urbano, indicando a expansão para a área leste, onde estão situadas as praias de Santos.
No início do século XX Santos passa a significar uma das mais importantes cidades brasileiras, referência nacional, não só pela existência do moderno porto, mas pela atividade social e política que nela acontece. O porto permite a formação de numerosa classe operária (que logo começa a se organizar); o comércio desenvolve uma sólida classe média; os Sindicatos e Associações começam a proliferar, num ambiente efervescente e agitado. Vale destacar as muitas greves ocorridas na cidade (e em especial no porto); a primeira comemoração do 1º de Maio no Brasil registrada em Santos, em 1895; a grande quantidade de jornais lançados (entre 1880 e 1913 foram 136!); a intensa atividade cultural e política que era registrada.
Um traço marcante da cidade é, portanto, o associativismo. Grupos sociais diversos formam entidades próprias com várias finalidades. A elite comercial local forma a Associação Comercial de Santos em 1870, uma das primeiras do país. Os sindicatos vão se constituindo: em 1904 operários da construção civil formam a Sociedade Primeiro de Maio, e dois meses após surge a Sociedade Internacional União dos Operários, criada por um grupo formado majoritariamente por trabalhadores em café, que se propunha a agrupar todos os trabalhadores de Santos. Em 1907 é fundada a Federação Operária Local de Santos (FOLS), ligada ao anarco-sindicalismo, e composta por sindicatos de operários da construção como pedreiros, pintores, carpinteiros e funileiros, além de carregadores de café e tecelões.
Outro conjunto de entidades é o formado pelos imigrantes, com características iniciais de ajuda mútua. Foram criadas Associações e Centros Mutualistas, organizados por nacionalidades: portugueses, espanhóis e italianos em destaque. A classe média, formada essencialmente por empregados do comércio, tem uma destacada Associação, também com características mutualistas-beneficentes: a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, fundada em 1879. Os operários também constroem a sua entidade de ajuda mútua: a Sociedade Mutualista União Operária, em 1890. A atividade político-partidária também está presente em Santos: a luta republicana foi tão forte na cidade (ao contrário da maioria dos municípios brasileiros, indiferentes ao tema) que chegou, antes da Proclamação da República em 1889, a dividir seus partidários em duas facções, o Centro Republicano e o Clube Nacional.
Nesse ambiente de crescimento econômico, com profundas transformações sociais e culturais acontecendo na cidade, desenvolvem-se, portanto, um sem-número de entidades. Ao lado de associações profissionais, sindicatos, sociedades mutualistas, organizações partidárias, acontece a formação de clubes, com o objetivo de promover atividades sociais, recreativas e esportivas. Há registro da criação de clubes recreativos em Santos nas primeiras décadas do século XIX.3 O primeiro parece ser a Sociedade Recreativa Harmonia, de 1833, com a finalidade de promover saraus dançantes e musicais. Em 1857, surge a Sociedade Carnavalesca Santista (dissolvida em 1879), com o objetivo de organizar os festejos e comemorações do Carnaval. Em 1869 é fundado o Clube XV, existente até hoje, e que se proclama o mais antigo clube social brasileiro em atividade permanente desde então. Há ainda o Grêmio Las Bavards, de 1870, a Sociedade dos Democráticos, e o Clube Éden Santista, rival do Clube XV, surgido em 1895 e que sobreviveu até os anos 30.
A característica marcante desses clubes é seu caráter recreativo-social, marcado por atividades carnavalescas e de saraus dançantes e musicais. Pode-se, portanto, construir uma tipologia dos clubes santistas da seguinte forma:
1 – Clubes Recreativos e Sociais;
2 - Clubes Esportivos;
3 – Clubes de Servir.
Os primeiros clubes foram os recreativos e sociais. Eles surgem já no século XIX, e reúnem uma elite da cidade (chegando talvez a setores de classe média) e representam a alternativa de divertimento numa sociedade ainda fechada e fortemente reprimida. Em paralelo, vão sendo constituídos os clubes ligados a imigrantes, muitos deles nascidos sob a inspiração da ajuda mútua que, se não chegam a congregar amplamente os setores populares, abrem-se mais aos setores médios. Em 1895 surgem o Centro Espanhol (originalmente Cassino Espanhol) e o Centro Português; em 1897 a Sociedade Italiana de Beneficência (em 1865 há registro da fundação do Clube Germânia). Os ingleses (uma elite social e econômica na cidade) formam seu clube, o Santos Athletic Club, em 1889, que adquire personalidade jurídica em 1898. Mais tarde, em 1925, surge a Sociedade União Antioquina, reunindo os membros da colônia síria e libanesa.
No final do século XIX e início do XX o esporte começa a ser praticado de forma ampla pelos homens. Vão então aparecendo os clubes esportivos. O primeiro importante conjunto desses clubes é formado por aqueles que realizam atividades náuticas, especialmente de remo. O Clube de Regatas Santista é o pioneiro (fundado em 1893), seguido pelo Clube Internacional de Regatas (de 1898), do Clube de Regatas Saldanha da Gama (de 1903) e do Clube de Regatas Vasco da Gama (de 1911). A difusão da prática do futebol no Brasil atinge logo a cidade de Santos. Em 1902 surge o primeiro clube de futebol local: o Clube Atlético Internacional. A ele seguem-se o Santos Futebol Clube (em 1912), o Clube Atlético Santista e o Brasil Futebol Clube (ambos de 1913), o Clube Espanha (de 1914), mais tarde transformado no Jabaquara Atlético Clube e a Associação Atlética Portuguesa (de 1917). Mais tarde, em 1926, há a constituição do Tênis Clube de Santos, que irá possuir a primeira piscina para práticas esportivas da cidade em 1936. Há ainda os clubes que surgem ligados às grandes empresas locais: a Associação Atlética dos Portuários (reunindo operários da Companhia Docas de Santos) e a Companhia City Atlético Clube (operários da Cia. City, a concessionária de serviços urbanos e transportes da cidade), ambas fundadas em 1926. O primeiro campo com iluminação elétrica para prática de futebol no Estado de São Paulo pertenceu à Companhia City Atlético Clube, inaugurado em 1929.
Na metade do século XX há o apogeu dos clubes em Santos. A maioria deles reúne atividades sociais e esportivas. Os clubes náuticos e de regatas constroem grandes sedes no bairro da Ponta da Praia, com complexos esportivos (ginásios, piscinas, salões para bailes e festas) a partir dos anos 30 (em 1932, Saldanha da Gama; em 1943, Regatas Santista; em 1945, Clube Internacional de Regatas). O mesmo acontece com o Clube Atlético Santista (que deixara a sua característica original de clube futebolístico), inaugurando sua moderna sede em 1949. Alguns clubes mantêm-se mais com atividades sociais, como o tradicional Clube XV. Mas há espaço ainda para dissidências dele: em 1958 é fundado o Caiçara Clube, que terá atividades sociais e um complexo de lazer e esportes localizado no bairro do José Menino, ao lado da divisa com o município de São Vicente.
A cidade de Santos atingia um estágio de desenvolvimento socioeconômico que afirmava a presença de uma numerosa e forte classe média, que se associava aos clubes e tinha sua vida cotidiana desenvolvida em suas sedes. Os clubes eram o eixo da sociedade local: o espaço de encontro e convívio diário, o local de divertimento e de realização de festas, o território onde eram praticados esportes por todos. Os clubes não são mais apenas os pontos de encontro masculinos, como no início do século XX: são agora essencialmente espaços familiares, com a participação de crianças, jovens e mulheres. Vale, por exemplo, registrar o comentário feito pelo poeta Martins Fontes sobre o Clube XV: “Foi no Clube XV que me fiz poeta, porque, precisamente, num de seus bailes fidalgos, fiz a minha primeira declaração enamorada”. Ou o comentário sobre a sede do Clube XV, onde:
eram tradicionais: o hábito de tomar cafezinho no clube, após o jantar, a leitura de jornais na Biblioteca, onde grupos se formavam para discutir as notícias do dia: política nacional e internacional, as cotações na Bolsa do Café, a situação do Comércio Cafeeiro e outros; o almoço familiar aos domingos; à noite, as domingueiras, concorridos bailes animados por Alfredo Simoney (pai do ator Ney Latorraca), que no Clube XV iniciou sua carreira como crooner ; o Salão de Bilhar com suas mesas inglesas de madeira e as bolas de marfim. Um luxo! O Clube XV era a Sala de Visitas da Sociedade Santista.4
Finalmente, cabe registrar os chamados Clubes de Servir, formado pelos Rotarys Clubes, Lions Clubes e Clube de Soroptimistas. O Rotary Clube de Santos foi fundado em fevereiro de 1927, sendo o terceiro do Brasil (Rio de Janeiro em 1922; São Paulo em 1924). Embora os Rotarys e Lions sejam clubes de elite, e essencialmente masculinos até praticamente o fim do século XX, o surgimento do Clube das Soroptimistas, em 1961, vem afirmar a presença feminina neste segmento.5
Por volta dos anos 70 o número de associados dos clubes santistas é elevadíssimo. Deixando de lado os clubes de futebol (Santos FC, Jabaquara AC e AA Portuguesa), que têm também atividades sociais e recreativas, e fixando-se apenas em doze tradicionais clubes sociais e esportivos: Clube Atlético Santista, Clube XV, Tênis Clube, Caiçara Clube, Associação dos Portuários, Clube Internacional de Regatas, Clube de Regatas Santista, Saldanha da Gama, Vasco da Gama, Clube Sírio Libanês (criado em 1952), Clube dos Ingleses (Santos Atlético Clube) e Clube de Pesca (criado em 1934), pode-se tentar estimar o número total de sócios dessas entidades. Embora não existam dados precisos, vários deles afirmam ter possuído 6.000 titulares (Atlético Santista), 24.000 no total (Portuários, incluídos os dependentes), 5.000 titulares (Caiçara e Internacional, cada um com esse número de sócios), 4.000 titulares (Regatas Santista). Não constitui nenhum exagero, portanto, estimar que esses doze clubes tinham, em média de 4.000 sócios titulares, que, somados a seus dependentes (mulheres e filhos), representavam um corpo associativo de cerca de 15.000 a 20.000 pessoas cada um. Estamos, portanto, diante de um contingente total de cerca de 200.000 sócios nos doze principais clubes santistas, embora se possa admitir que nesse total havia a presença de moradores de outras cidades da região, e mesmo da capital do Estado, que freqüentavam regularmente a cidade e suas associações.6 Em 1970 a população da cidade de Santos, de acordo com o Censo Nacional do IBGE, era de 343.417 pessoas.
Esse apogeu desaparece rapidamente, entretanto. O que teria acontecido no final do século XX, especialmente nas décadas de 80 e 90? Por que o número de sócios é drasticamente reduzido, levando a maioria dos clubes a crises profundas, com dívidas gigantescas, e o esvaziamento de suas sedes? Por que a sobrevivência desses clubes, muitos deles centenários, parece irremediavelmente ameaçada?
Há explicações simplistas, que remetem, por exemplo, à figura da remissão dos sócios (após 30 anos de associação, em média), que fez com que, em clubes antigos e tradicionais, a maioria deixasse de contribuir mensalmente.7 A realidade, porém, é mais complexa e profunda. O que de fato aconteceu foi uma radical transformação no modo de vida da população. O clube deixou de ser o eixo integrador das famílias, e sua crise pode ser percebida em várias situações:
a) O avanço da sociedade de consumo. Há cada vez mais o sentido de consumir através do ato de compra dos serviços e não mais o usufruto coletivo através da associação. Isso é marcante, por exemplo, nas Academias de Ginástica, com suas modernas e sofisticadas instalações (inclusive piscinas e quadras esportivas), ou nas grandes discotecas e danceterias privadas;
b) O reforço do individualismo. Nas sociedades pós-modernas, o indivíduo é exaltado e valorizado a partir de sua existência e atuação autônoma. A informação é individual (não há espaço nem sentido na discussão e no convívio, exceto quando instrumentalizados pelo interesse econômico imediato), enquanto o lazer é particularizado;
c) A tecnologia do entretenimento. Ela reforça os aspectos individualistas e de consumo, fazendo com que o entretenimento esteja no computador, na Internet, na Lan House, no vídeo-cassete e no DVD, nos home-theaters.
É evidente que algum espaço resta para os clubes. Alguns deles têm conseguido sobreviver à crise e manter-se em atividade. Mas não há dúvida que as transformações sociais e econômicas, no modo de viver das pessoas, atingiram duramente a razão de ser e de existir dos clubes sociais e esportivos. Seu futuro é, portanto, incerto e complicado. |