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Efeitos de ações públicas na imagem turística de São Vicente
Irene Tulik M. Roque1
 
RESUMO: Este artigo trata da transformação da imagem de São Vicente, estância balneária da Baixada Santista. Destaca as estratégias utilizadas pelo Poder Público para incrementar a atratividade com base na herança histórica local.

ABSTRACT: This article deals about transformation of São Vicente image. It gives emphasis on Public Force strategy to increase the activity using local heritage.

Introdução

São Vicente, conhecida como a Célula Mater da Nacionalidade, por ter abrigado o primeiro núcleo regular de povoação portuguesa no Brasil, há muito tempo consagrou-se como estância balneária.2

Momentos de apogeu e de declínio marcaram o desenvolvimento turístico desse município que, através dos anos, teve a sua imagem associada ao turismo de sol e mar, que é, ainda, o maior atrativo.

Ao contrário de Santos, sua vizinha irmã, que, desde os primórdios da ocupação portuguesa se desenvolvia graças ao maior porto exportador da América do Sul, São Vicente estagnou.

No decorrer dos anos, a multiplicação de problemas concorreu para deteriorar a imagem local. A falta de oportunidades de emprego, a proliferação de favelas, o descaso do Poder Público, a inoperância política e as agressões ambientais, contribuíram para transformar São Vicente em cidade-dormitório de Santos e Cubatão. Tal situação pode explicar a renda per capita entre dois e três salários mínimos que, num passado recente, colocou a cidade numa posição inferiorizada no Estado de São Paulo. Nem mesmo a orla litorânea vicentina, apesar de sua atratividade natural garantir algumas oportunidades de emprego, escapou dessa crítica situação e, durante muitos anos, a imagem dessa estância balneária esteve ligada à poluição das praias e à degradação ambiental, à falta de segurança e à pobreza.

Numa fase recente, novas idéias político-administrativas vêm impulsionando o progresso do município que passa por um momento de reorganização nos planos territorial, social e econômico e que tem por objetivo maior criar oportunidades de emprego, reerguer-se com o turismo e oferecer opções de lazer capazes de satisfazer moradores e de atrair turistas.


Estratégias Adotadas pelo poder Público
Entre as estratégias para propiciar o pretendido desenvolvimento econômico, atraindo turistas e melhorando a qualidade de vida da população, destacam-se: novas opções de lazer para turistas e moradores, como feiras náutico-esportivas e de produtos de outras regiões; exposições (São Vicente ontem e hoje); concursos de fotografia, como o Clicando São Vicente; instalação de pesque-pague; valorização da herança cultural com a ambientação de base histórica, apoiada na chegada de Martim Afonso a São Vicente, em 1532; criação de espaços temáticos, como a Réplica da Primeira Vila do Brasil; aproveitamento de praças e sítios já existentes, como a Praça 22 de janeiro, onde foi instalado o Parque Hipupiara; e o Horto Municipal onde existe o Museu dos Escravos. Com o objetivo de divulgar fatos e notícias oficiais locais, foram criados painéis eletrônicos de informações turísticas colocados em pontos estratégicos, como praças e avenidas e, principalmente, um canal de TV a cabo, denominado TV - Primeira. Essa emissora veicula notícias sobre a cidade, informa os trabalhos realizados na Câmara Legislativa Municipal, divulga os diversos eventos programados e fornece detalhes sobre os atrativos turísticos locais.

Estas iniciativas do Poder Público não demoraram a surtir efeito. São Vicente passou a ocupar mais espaço nos meios de comunicação graças aos novos atrativos decorrentes do fato de São Vicente ter sido a Primeira Vila do Brasil e, principalmente, em virtude da nova imagem favorecida pela atuação da municipalidade.

A Busca por Alternativas: incrementos dos fatores de atratividade
A imagem local passou por transformações decorrentes de seu próprio dinamismo, da variação de seus componentes e de interferências internas e externas que contribuem para a sua formação, estagnação, consolidação, declínio ou renovação. São Vicente enfrentou, em vários momentos, mudanças na imagem local e, conseqüentemente, na imagem turística, sendo necessárias ações públicas para implementar mudanças.

Por se tratar de uma localidade turística, foi imprescindível a adoção de estratégias de Marketing para torná-la competitiva no mercado e incentivar os fatores de atratividade. Para destacar São Vicente na região, as ações públicas voltaram-se para o aproveitamento de determinados recursos esquecidos, valendo-se dos descuidos dos concorrentes. Um segmento, por exemplo, que vem se destacando, na Baixada Santista, é o turismo apoiado em atividades culturais e no patrimônio histórico. O reconhecimento da herança histórica pelo Poder Público de São Vicente levou à recuperação do pouco que restou do patrimônio, em virtude dos incêndios que acometeram a então pequena vila no período colonial3, da ação da intempérie e do descuido com o patrimônio durante a maior parte do tempo. As ações foram direcionadas para a remodelação, restauração e, até mesmo, para a criação de atrativos, seja apoiada em sítios reconhecidamente históricos, em lendas ou fatos reais.

Essas ações desenvolvidas denotam um esforço de marketing para assegurar o posicionamento num mercado competitivo.

A Procura por um Diferencial

Na Baixada Santista, todas as estâncias balneárias apresentam semelhanças de atrativos naturais e comungam da mesma herança histórico-cultural. Em todas elas predominam o turismo de sol e mar e todas exibem vestígios ou lembranças de acontecimentos do período colonial. Além disso, a figura do caiçara está presente, também, em todas. Qualquer estratégia visando ao posicionamento deve buscar um diferencial. São Vicente aproveitou-se de um fato histórico singular (a expedição de Martim Afonso, em 1532, e a fundação de primeira Vila do Brasil) para posicionar-se diante dos concorrentes e competir no mercado, apresentando um produto diferenciado e único.

Algumas situações identificadas, na análise das estratégias adotadas para promover localidades, podem ser retomadas para aplicação ao caso de São Vicente: a criação de slogans ou frases e de símbolos e o incremento e a criação de eventos, visando oferecer opções de entretenimento e lazer para turistas e moradores.

A criação de slogans ou frases e de símbolos é uma estratégia comum para firmar o nome e as características de localidades turísticas. Desde 1965, São Vicente já era denominada Célula Mater da Nacionalidade - Cidade Monumento da História Pátria4, slogan timbrado nos papéis oficiais. Embora de importância histórica, essa frase passou desapercebida dos turistas e de muitos moradores. O slogan, obrigatório no âmbito oficial, era, também, divulgado nas escolas, sem que lhe fosse atribuído o devido valor. Faltava a conscientização popular sobre a herança histórica. Nos últimos cinco anos, a preocupação com o resgate da história local levou à criação de outras frases:

• A Primeira Cidade do Brasil.
• São Vicente - a primeira sempre.
• A Primeira Câmara das Américas.
• Aqui nasceu o Brasil (aproveitando as comemorações dos 500 anos ).

Esses slogans mais recentes, embora não sejam de uso obrigatório no âmbito oficial, foram assimilados pelos moradores à custa de exaustiva exposição nos meios de comunicação. A divulgação persiste nas entrevistas com o Prefeito e Secretários Municipais, tendo sido mais intensas no período destinado à divulgação das comemorações do aniversário da cidade. O reforço ao slogan pode ser observado, por exemplo, nas vans, que fazem o transporte alternativo, que trazem impressa a frase : A Primeira Sempre.

Para reforçar o componente histórico da imagem da cidade, foi criado um símbolo visual – a caravela - que se associou aos slogans para garantir o posicionamento pelo diferencial apresentado. Esse símbolo, uma caravela estilizada formada pelas letras “S V” sobre ondas, vem sendo confeccionado em adesivos que são estampados nos veículos oficiais, nas camisetas dos garis, em painéis afixados nos espaços destinados à realização de eventos e nos cestos de lixo distribuídos ao longo das praias.

Outro reforço de Marketing para essa idéia pode ser encontrado nas placas de orientação dos locais de interesse para a população e para os turistas. Trata-se, também, de uma caravela confeccionada em metal dourado, que ponteia as duas extremidades das diversas placas de orientação espalhadas pela cidade.

A criação e a divulgação de slogans, frases ou símbolos, no caso de São Vicente, contribuíram para formar uma nova imagem, associada a uma característica histórica própria, promovendo-a e fixando-a, contribuindo, assim, para resgatar a identidade local.

A Encenação da Chegada de Martim Afonso de Souza a São Vicente
O mais expressivo dos eventos vinha sendo feito há algum tempo, sem contar com qualquer patrocínio. Era um espetáculo restrito a poucos participantes e de pequena projeção local. A partir de 1996, em busca de alternativas para incrementar os fatores de atratividade de São Vicente, foram desenvolvidas ações públicas para torná-lo um espetáculo grandioso. O evento foi inteiramente reformulado e passou a ser objeto de parcerias com o setor privado, verificando-se envolvimento maior da comunidade, chegando a contar com mais de 500 participantes. A contratação de atores de projeção nacional, representando as personagens históricas, contribuiu para atrair um público que aumenta a cada ano. Para atender a essa demanda, o evento, antes realizado em um dia, passou a ocupar três e, atualmente, a representação se repete por uma semana para um público diário que chega a atingir dez mil pessoas.

Realizada há mais de 15 anos, a Encenação acontece na semana do aniversário da cidade (22 de janeiro) numa arena especialmente montada para o espetáculo, na Praia do Gonzaguinha. Nesse local, o ambiente é recriado tal como se supõe que fosse em 1532. No decorrer do espetáculo, após o desembarque de Martim Afonso e sua comitiva, participantes, devidamente caracterizados, constroem uma réplica da Primeira Vila, instalando o pelourinho, a câmara e a igreja - condições necessárias para a instalação de vilas no período colonial.

As ações do Poder Público foram amplas: envolveram a busca de parcerias, a organização do evento e a participação de moradores e turistas. Além de se transformar numa atração, o evento contribuiu para o resgate da história e reforçou a identidade vicentina. A participação da comunidade promoveu o conhecimento de fatos históricos e alimentou a auto-estima pelo fato de se sentir parte de um acontecimento marcante.

Outras Iniciativas para Resgatar a Herança Histórica

Ações públicas diversas relacionadas a pesquisas, inclusive arqueológicas, foram direcionadas para sítios históricos. É o caso das prospecções efetuadas na denominada Casa de Martim Afonso, edificação que ocupa o lugar onde se instalou, nos primórdios da ocupação, essa personagem da história vicentina. Esse espaço, além de abrigar o arquivo histórico, apresenta facilidades como fornecimento de aparelho para audição individual com informações sobre o acervo ali presente. A ambientação é garantida pelo recepcionista vestido a caráter.

Outras pesquisas continuam sendo desenvolvidas no Morro do Xixová, o ponto mais alto da cidade, e na Fazenda Santana no Acaraú onde, no século XVIII, nasceu (1715) e viveu Frei Gaspar da Madre de Deus.

Existe um interesse constante por evidências relacionadas ao patrimônio histórico, as quais possam ser transformadas em projetos, cuja finalidade maior é incrementar a atratividade com base na herança cultural.

Uma iniciativa de destaque, para compor a imagem local, associada ao aspecto histórico, foi a Réplica da Primeira Vila construída na Praça João Pessoa, onde estão a Igreja Matriz (1765) e o antigo Mercado Municipal. Trata-se de um conjunto arquitetônico, formado por réplicas de pelourinho e moradias, baseadas nas pinturas de Benedito Calixto. As pequenas construções abrigam museu, pequeno teatro, restaurante típico português, lanchonete e artesanato para venda (como reproduções de armaduras e de louças portuguesas). O atendimento é feito por pessoas com vestimentas adequadas à época, sendo seu uso obrigatório. Nos fins-de-semana, principalmente, quando o movimento é maior, pessoas também vestidas a caráter se misturam ao público e, inesperadamente, simulam situações de época, tal como ataques de piratas. Shows com artistas e conjuntos, principalmente portugueses, completam a atratividade do ambiente.

Todas as alternativas mencionadas se inserem nas estratégias, visando à diferenciação do produto. Em São Vicente, na falta de patrimônio edificado, buscou-se o diferencial nas evidências históricas que vêm se materializando nos novos atrativos. Mais uma vez, percebe-se a preocupação com a busca pela identidade local.5

São Vicente: cidade histórica?

Segundo Pires, São Vicente está longe de ser uma cidade histórica, mas tem sabido utilizar-se de seu privilegiado passado, fazendo uso de uma outra dimensão de aproveitamento turístico ligado ao passado.6

Ao fazer essas afirmações, Pires refere-se, em primeiro lugar, ao fato de a cidade possuir poucos bens históricos, “disseminados por boa parte do núcleo, impedindo-a de ser uma cidade histórica”. Por outro lado, refere-se ao aproveitamento de seu passado histórico o que se evidencia no espetáculo de ambientação de base histórica, com a encenação da chegada de Martim Afonso a São Vicente, em 1532, a qual se processa, periodicamente, no aniversário da cidade. "Essa ambientação de base histórica não deve ser vista apenas como mais um atrativo turístico, mas como um elemento que pode ser decisivo na estratégia mercadológica da destinação".

"A ambientação de base histórica faz com que os bens arquitetônicos deixem de ser meros cenários da destinação turística para torná-los parte integrante desse sonho, trabalhando um dos estereótipos mais difundidos na cultura ocidental: a idéia de entrar no túnel do tempo". O sonho a que o autor se refere diz respeito a "um sonho, uma ilusão", aquele algo diferente e prazeroso que o turista quer viver e que atende as suas necessidades.7

Considerações Finais

Vários autores vêm se preocupando com a importância das ações do Poder Público para a formação e transformação da imagem de localidades turísticas.

Concluiu-se que o marketing estratégico aplicado aos produtos pode ser transferido para as localidades turísticas e que o marketing estratégico empresarial pode ser aplicado ao marketing público. Verificou-se, também, que as estratégias do Poder Público, na prática, refletem-se nos programas e ações, visando formar, consolidar ou revitalizar a imagem de uma localidade turística.
 
1 Mestre em Ciências da Comunicação/ Turismo e Lazer pela ECA/USP, Professora do Curso de Turismo da Faculdade do Guarujá (SP). Contato: Rua Azuil Loureiro,689-11430-110-Guarujá-SP; e-mail: tulikroque@uol.com.br

2 ROQUE, Irene Tulik Mariano.2002. Efeitos de ações públicas na imagem turística de uma localidade - São Vicente revelada nos clippings. São Paulo: ECA-USP,dissertação de Mestrado, 2002.

3 Restam vestígios do Parque das Naus, do início do século XVI; e estão, relativamente, preservados a Biquinha de Anchieta, a igreja matriz ( 1765) e a ponte Pênsil (1914).

4 nforme a Lei 4603 sancionada pelo Presidente da República em 20/03/1965.

5 Sobre a questão da autenticidade consultar: GETZ, Donald O evento turístico e o dilema da autenticidade, em Theobald, William F. (org.), Turismo Global. São Paulo: SENAC.2001 p. 423-440.
6 Pires, Mário Jorge. Lazer e turismo cultural. Barueri/SP: Manole, 2001: 16-17.

7 Idem, p. 60.
 
 
ROQUE, Irene Tulik Mariano.2002. Efeitos de ações públicas na imagem turística de uma localidade - São Vicente revelada nos clippings. São Paulo: ECA-USP,dissertação de Mestrado, 2002.
GETZ, Donald O evento turístico e o dilema da autenticidade, em Theobald, William F. (org.), Turismo Global. São Paulo: SENAC.2001 p. 423-440.
PIRES, Mário Jorge. Lazer e turismo cultural. Barueri/SP: Manole, 2001: 16-17.