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Artigo
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A importância da preservação do Colégio Stella Maris para a memória de Santos
Maristela Figueiredo Soares de Silvino1
 
Resumo
Escrever sobre uma cidade é descrever cada pedaço que a compõe. Esses pedaços juntos formam a vida e a história do lugar. Este trabalho mostra não só a importância da arquitetura do Colégio Stella Maris para a memória de Santos, mas também que ele reflete, desde a sua fundação, os valores e a formação da sociedade santista.

Abstract
To write about a city is to describe each piece of it. All these parts together build the history and life of the place. This paper shows, not only the importance of Stella Maris school’s architecture for the memory of Santos city, but also it reflects since its foundation, the values and the evolution of Santos society.

Introdução
Quando iniciei o trabalho sobre o Colégio Stella Maris tinha por objetivo pesquisar seu significado para o Boqueirão2,pois é um dos poucos lugares desse bairro de Santos que conseguiu resistir à especulação imobiliária e conserva, ainda hoje, uma extensa área. Sua arquitetura é imponente e o estilo chama a atenção, destacando-se na paisagem, pois lembra um grande castelo.

Pude verificar, com agradável surpresa, que ele contém uma história totalmente envolvida com o crescimento da cidade e que reflete, desde a sua fundação, os valores e as mudanças da sociedade santista. A princípio pensei em tomar cuidado com essa visão, porque o meu envolvimento emocional como ex-aluna poderia interferir na análise crítica. Mas, ao iniciar a pesquisa, confirmei que colocá-lo como patrimônio de Santos extrapola um julgamento pessoal. Resolvi, então, mudar o enfoque do trabalho. Decidi apresentá-lo não só como patrimônio do bairro, como também da cidade. Bastaria apenas a edificação para provar que ele já é um bem arquitetônico local. Porém sua importância é muito maior. Dentro do bairro se agrega ao Casarão Branco da praia, localizado na Av. Bartolomeu de Gusmão, 15, onde hoje funciona a Pinacoteca Benedicto Calixto. Juntos integram o legado cultural da cidade, constituído também por outros monumentos.

O colégio, o Casarão e algumas edificações espalhadas pela cidade formam o passado de Santos, e recordá-lo é falar da sua origem ligada ao porto e ao café. Cada um desses monumentos guarda em si um pedaço dessa história e, poder visualizá-los é uma das maneiras mais agradáveis de materializar o que está na lembrança. Porém, identificar o que realmente é importante conservar em uma cidade é tarefa muitas vezes ingrata. Transita por vaidades pessoais, falta de apoio e ausência de visão do poder administrativo, entre outras coisas. Por que preservar determinado sítio ou monumento? Decidir com imparcialidade o real mérito dele sobre os demais, quando alguns também seriam merecedores de distinção, é difícil.

O que é imprescindível subsistir? Para saber faremos outras perguntas: qual a importância para a população local? Faz parte, ou passou a fazer parte, da história da cidade, da vida de seus habitantes? O que significará para as gerações futuras conhecê-lo? Respondidas essas questões já teremos, ou não, um caminho para conservá-lo. Mas, para que preservar? Tombar algo é conceder-lhe distinção. Significa a importância que ele representa para a identidade do lugar. É a maneira de se visualizar uma história passada. É conhecer a raiz e a cultura de um povo.

O Stella Maris, como veremos a seguir, é uma instituição religiosa, ligada ao desenvolvimento da cidade e à vida da sua população. Minimizar a importância dele é ocultar uma parte da história de Santos. Por isso é um patrimônio local. No entanto, para afirmar isso, é preciso conhecer a opinião de outras pessoas. Fui à busca do parecer de um cientista político, estudioso da cidade e morador do bairro, Alcindo Gonçalves. Conversei com outra respeitada habitante do Boqueirão, a historiadora Wilma Therezinha de Andrade, que, por coincidência, também deu aulas no colégio na década de 50. Dada a sua formação, o registro de seu pensamento sobre o assunto se faz necessário. Mas o ponto de vista do santista que vive o cotidiano da cidade, que não se dedica a estudos sobre ela, mas percebe o que se passa em Santos, também é importante. Assim temos o depoimento de Maria Regina Matos Chaves, residente na Rua Oswaldo Cruz, ao lado do colégio.

A pesquisa levou-me a fatos anteriores a 1924, data em que as Cônegas de Santo Agostinho adquiriram o colégio. A reconstrução dessa época foi feita através das lembranças de três pessoas: a Sra. Gilda Proost Raposo de Almeida, de 87 anos, e dos irmãos Carraresi, Sr. Hugo Henrique Carraresi Neto, de 63 anos, e Lucy Helena Carraresi Schnitzlein, 58 anos. D. Gilda Raposo Schneider (nome de casada) é neta do Coronel Proost de Souza, primeiro proprietário da área onde está situada a escola, e fala de uma Santos de mansões construídas ao longo da Avenida Conselheiro Nébias, e que nos é familiar apenas através de fotografias e antigas casas remanescentes dessa época áurea.


Casarões do começo do século situados em frente ao colégio Stella Maris*

Os Sr. Hugo e Sra. Lucy, bisnetos do construtor da casa da torre, Domingos Citti, e netos de Ugo Enrico Carraresi, dono da mansão, vão nos contar a vida de seus familiares. Já a parte da compra do imóvel da torre e as modificações feitas para adaptar a escola são lembradas por Madre Maria Lúcia, 90 anos, que, até pouco tempo, ainda exercia o papel de Diretora do colégio.

Este estudo não tira a importância do Stella Maris como instituição educacional, mas não analisa os cursos por ele administrados do ponto de vista da pedagogia, mas sim como reflexo social de determinadas épocas. O objetivo do trabalho é o de se conduzir o olhar sobre aquilo que o colégio representa hoje para o bairro do Boqueirão e a comunidade santista: é um dos símbolos da formação e do espírito da cidade e marco de um passado que se quer lembrar e preservar, para se poder explicar o presente. A análise foi feita com base nas Cartas de Atenas e Veneza, importantes documentos disciplinadores da preservação dos patrimônios históricos.

A Reconstituição do passado pelas mãos de um grande pintor

“A história está inscrita no traçado e na arquitetura das cidades. Aquilo que deles subsiste forma o fio condutor que, juntamente com os textos e os documentos gráficos, permite a representação de imagens sucessivas do passado.” Carta de Atenas , 1933


Uma aquarela de Benedicto Calixto, de posse da família Proost de Souza, mostra o que era uma chácara à beira-mar: uma casa ampla e convidativa, situada dentro de um terreno arborizado, onde existiam várias espécies de plantas e flores. O muro com grades e colunas envolvia a área ocupada em uma rua de terra ... Segundo o relato de D. Gilda Raposo Schneider, assim era a casa de seu avô, o Cel. Proost de Souza, a qual Calixto retratou e, por um gesto de amizade, ofereceu o desenho ao proprietário. De acordo com a identificação da pintura, ela estava localizada à Rua Otaviana, n. 145, hoje Av. Conselheiro Nébias, 771. O endereço corresponde ao do atual Colégio Stella Maris. “Quando tinha o nome de Otaviana não passava de um grande charco”. Desta maneira Olao Rodrigues3 faz a distinção do que era a rua antes de ter seu nome mudado para Conselheiro Nébias, o que ocorreu em 1887. A importante avenida atravessa a cidade desde o cais até o bairro do Boqueirão. Ali, assim como em alguns bairros junto à praia, existiam grandes chácaras. Eram lugares reservados ao descanso e a receber amigos. Elas ocupavam terrenos imensos e uma das mais famosas era o Parque Indígena, com uma área de 22 mil metros quadrados, localizada no final da Avenida Conselheiro Nébias.

Quando D. Gilda fala sobre a extensão das propriedades de seu avô, torna-se difícil a localização, pois ela se refere a áreas que hoje vão da Avenida Washington Luís4 à Siqueira Campos5. Os grandes casarões da Conselheiro, imponentes e majestosos, em suas lembranças ganham os nomes das famílias que os habitavam: “próximo ao Stella Maris morava a Gilda Miranda e o Luiz da Cunha Moreira e, ao lado, a Marcionila, casada com o Hermano Backheuser”. Com sua excelente memória, relembra os comentários de sua mãe sobre a existência de um salão de festas, o que comprova o caráter social desse tipo de casa. Em artigo publicado no Jornal A Tribuna6, Costa e Silva Sobrinho reafirma essa tendência e comprova a posse da moradia ao escrever que Proost de Souza ao ser “nomeado para o lugar da ‘Guarda Nacional’ desta comarca , recebeu ele, na sua residência na Barra, uma grande manifestação por aquele ato do governo. (...) Chegados à chácara, onde o homenageado os esperava, foram recebidos com uma mesa alastrada de flores e farta de finos doces.” D. Gilda justifica a perda da casa da família, por ter sido dada, pelo avô, como fiança de uma dívida contraída por um amigo. Segundo ela, a chácara foi a leilão e João Antunes dos Santos a arrematou7, vendendo-a, posteriormente, para uma família de origem italiana, os Carraresi, que a destruíram e, em seu lugar edificaram a residência, cujo traço saliente para a identificação é a torre que imitaria aquela de um castelo.

Provavelmente isso ocorreu no final do século XIX, ou início do século XX, pois a nova moradia data de 1909. Nessa época o centro estava deixando de ser um local atraente para se morar, porque era lugar de grande concentração populacional, além de ser poluído e mal cheiroso. Viver junto à praia significava sossego e uma melhor qualidade de vida. Em conseqüência disso, as pessoas começaram a querer construir próximo à orla marítima e isso levaria a um processo de parcelamento dos terrenos litorâneos, cada vez mais acentuado ao longo dos anos. Nessa fase, onde o solo passou a ser muito valorizado, Santos foi adquirindo um novo perfil. As chácaras foram substituídas por palacetes e estes, mais ou menos na década de 50, deram lugar a grandes edifícios.

Pode-se cotejar essa transformação de Santos com a da cidade da era industrial, onde a paisagem mudava com muita rapidez, em conseqüência da facilidade de demolir e reconstruir, e os bairros demonstravam claramente uma divisão socioeconômica. Santos já se firmava como um dos maiores portos do país e “viu nascer uma cidade contrastada entre o suor, o barulho, a pobreza e as novas construções da Belle Époque como os canais, as avenidas e a separação dos espaços de sociabilidade das camadas abastadas em relação aos bairros e à presença operária”.8

Por ser um bairro praiano, possuir um bom serviço de bondes e ter o Cassino Miramar, considerado excelente centro de divertimento, com cinema, rinque de patinação, salas de jogos e salões de dança, o Boqueirão constituiu-se em um excelente lugar para morar.

Em um dos palacetes do bairro, residia a família Costa Pires, precisamente onde é hoje a Pinacoteca Benedito Calixto. Em seu livro, Edith Pires Gonçalves Dias9 recorda-se do Miramar como lugar de lazer, onde adultos aficionados em jogos gastavam seu tempo e famílias freqüentavam sessões de cinema mudo, com imagens em preto e branco, cujos filmes eram acompanhados pela orquestra do maestro Vetró. Quando a película acabava, dispunham-se as cadeiras em volta do salão, dando início à matinê dançante. Os casarões luxuosos, os hotéis, o novo cais do porto, os canais de drenagem, a campanha sanitária, a diminuição dos cortiços, tudo isso contribuiu para a nova imagem. Santos não era mais a cidade insalubre devido às freqüentes epidemias. Agora, muitos dos imigrantes que vinham para o Brasil aqui ficavam e Santos sofreria a influência de diversas colônias, tanto no modo de morar como no de comer ou viver.

A Casa e a Família Carraresi
Os Carraresi representam os novos habitantes que chegavam através do porto, muitos em busca de trabalho e outros trazidos para exercer aqui as suas funções. A imigração italiana teve seu início por volta de 1882 e até 1891 chegaram à cidade 202.503 italianos10. Segundo Maria Lúcia Gitahy “Os imigrantes representavam 42,5 % do total da população da cidade em 1913“11 e a colônia italiana ocupava o terceiro lugar entre as maiores de Santos, ficando atrás apenas, das portuguesa e espanhola.

O estilo escolhido pelos Carraresi para construir a casa nada tem a ver com a arquitetura brasileira e comprova que os imigrantes sempre trazem consigo os valores de suas próprias culturas. A Carta de Atenas aborda esse ponto ao dizer que “Enfim as raças, com suas religiões ou suas filosofias variadas, multiplicam a diversidade dos empreendimentos e cada uma propõe seu modo de ver e sua razão de viver pessoais”. O prédio lembra uma edificação européia medieval, com muros imitando os castelos daquele continente, com uma grande torre lateral. A anotação, imitando uma placa, feita na parede da entrada, contém os seguintes dizeres: “Domingos Citti Construio Santos 1909”.

O engenheiro. Domingos Citti era sogro de Ugo Enrico Carrarresi, que mais tarde teve seu nome abrasileirado para Hugo Henrique Carraresi. Segundo o seu neto, de mesmo nome, ele seguia para fixar moradia na Argentina, quando desceu no porto de Santos. Um amigo convidou-o para conhecer o construtor Citti, seu conterrâneo, e foi na casa da também família italiana que acabou conhecendo a jovem Amélia da Conceição Citti, na época com 15 anos, por quem se apaixonou. Ela foi a responsável pela mudança dos seus planos. Casou-se e passou a morar no Brasil. Era armador e tinha dois ou três navios. Chegou a cursar a Escola de Comércio Álvares Penteado e fundou uma das primeiras empresas de importação e exportação de Santos. D. Amélia cuidava da casa, dos três filhos e tinha um carinho especial por plantas. Dedicava uma boa parte do seu tempo para olhar os jardins. Valorizava muito o trabalho dos jardineiros, seus auxiliares nessa tarefa. A diversão das crianças era correr e brincar pelo quintal e pela torre. Quando maiores adoravam passear de carro entre as árvores da casa. Segundo Dr. Hugo Neto, seus avós possuíram os primeiros automóveis de Santos. Entre as belas flores do cuidado jardim, destacavam-se as magníficas hortênsias e o gracioso caramanchão, coberto de rosas, que conduzia à entrada principal. Nas recordações de Madre Maria Lúcia, quando as irmãs adquiriram o colégio, havia pássaros e uma imensa área com roseiras. Segundo a crônica de um ex-aluno, Luiz Carlos Sampaio de Mendonça12, “Atrás da casa havia garagem, lavanderia, acomodações para empregados, e um bem sortido galinheiro”.

Para ser adaptada ao colégio, a residência sofreu algumas alterações e acréscimos. Nas salas da casa original está instalada hoje a parte administrativa da escola. Segundo Madre Maria Lúcia, onde atualmente funciona a secretaria, era o quarto do casal Carraresi. Inicialmente a Capela do colégio foi montada nesse lugar. Por falta da planta primária, que ainda não foi localizada na Prefeitura13, a reconstituição fica prejudicada, podendo-se apenas criarem-se hipóteses baseadas no material fotográfico disponível no colégio. Assim, imaginamos que a parte inferior possuía uma área ampla, talvez com sala, quartos, banheiro e cozinha. Há uma comunicação com a torre através de uma escada redonda, interna. Existe, também, a possibilidade de entrar por uma porta lateral externa (no princípio havia mais portas em volta da torre, mas foram retiradas). Esse andar inferior tinha uma escada ao fundo (vista em fotos), cuja posição foi alterada pelas freiras, que fazia a ligação com a possível área social da casa. No primeiro andar, existem diversas portas voltadas para um recinto comum. Talvez essas portas abrigassem os quartos e o banheiro. Há duas pequenas salas laterais. O recinto comum deveria ser a sala principal. Essa dedução é devido ao fato de que o espaço grande (possivelmente a sala) dá para uma varanda que antigamente possuía uma imponente escada externa (foto abaixo).


Por isso, aquele andar superior, deveria ser a área de convívio da família. Na parte lateral esquerda (tomando-se como referência quem está de frente para o imóvel) havia duas outras pequenas varandas (foto abaixo).


No último andar, cujo acesso só se dá pela torre e é o final dela, há um terraço e um quarto, talvez reservado às costuras, às leituras ou a qualquer outro momento de lazer da família, porque dali se avistava o mar. A visão hoje está comprometida devido aos grandes arranha-céus da região.


Como a área é muito grande e ocupa parte do quarteirão, a casa possuía uma entrada pela rua Oswaldo Cruz. Era por ali, em uma construção que até hoje ainda conserva os detalhes de muro de castelo (foto acima), que entravam os cavalos. Nesse lugar ficava a estrebaria ou “cavalariça“, como classificou Madre Maria Lúcia. D. Gilda também comentou isso e acrescentou que sua mãe sempre falava que haviam conservado os mesmos portões do fundo da residência. A conversa com doutor Hugo Neto e a senhora. Lucy Carraresi Schnitzlein (58 anos), sua irmã, não serviu para esclarecer a divisão da casa.

Características do Imóvel
Definir o estilo do imóvel em sua totalidade é um pouco complicado. Ele não se enquadra em uma única característica, mas nitidamente tem o enfoque italiano, onde a influência greco-romana é percebida. A inspiração se concretiza nas citações de elementos antigos. Com referência à torre, pode ser classificada como neo-românica, uma releitura do românico, onde ela é sempre grande, sólida e, na grande maioria, redonda. As paredes espessas com janelas estreitas e, motivos decorativos em arcada também o definem. Como já foi dito, o imóvel, lembra um castelo europeu e sua torre parece ter sido feita para se exercer constante vigilância sobre possíveis ataques inimigos e, conseqüentemente, dar proteção aos moradores. Isso complementa a análise de enquadrar o imóvel na arquitetura românica, onde a expressão estética do feudalismo reflete o medo que dominava as populações. Reafirmando o estilo, nota-se muita semelhança entre a torre do colégio e as da Colegiada del Toro em Zamora, na Espanha, exemplo típico de estilo românico. Ambas são redondas, possuem na base pouquíssimas janelas espaçadas entre si e a quantidade delas vai aumentando, à medida que as torres vão subindo. Assim, teremos várias janelas no terceiro pavimento, com pouca distância entre elas.


Os andares são divididos por um elo externo que envolve a edificação.

As arcadas utilizadas acima das janelas ou das portas, embora tenham a função de ventilar e trazer um pouco de iluminação, diferenciam-se das que são características do neogótico. Porém, em um dos acréscimos feito pelas madres, onde funcionava a biblioteca, a colocação de vitrais nas arcadas e janelas já pertence a essa nova arquitetura. Outra característica do estilo românico identificado na arquitetura do colégio é que as portas davam acesso a sacadas e terraços. As sacadas laterais da casa foram suprimidas. O que se nota é que as colunas usadas nas diversas construções do colégio apresentam três estilos diferentes: umas são jônicas, outras corintias e algumas são dóricas. Em suma, o conjunto é eclético, com características dominantes neo-românicas, dentro das perspectivas dos estilos históricos que foram revividos no século XIX. Os traços dominantes falam das origens dos proprietários e construtores.

Foto 1Foto 2

Segundo o relato de Madre Maria Lúcia, as Cônegas de Santo Agostinho necessitaram fazer algumas modificações no imóvel: tiraram a escada de mármore da frente da casa (foto 1); construíram internamente a escada verde, na sala central do andar térreo, para dar acesso ao piso de cima (talvez ali fosse um único espaço) ; a sala em “L”, localizada no andar de baixo, sofreu pequenas alterações e teve sua escada mudada (foto 2); fizeram acréscimos na construção, como a parte da clausura, salas de aula e biblioteca( 1927/28) , capela e salão de festas (1940 ). Nessas mudanças a harmonia ficou garantida, mas percebe-se, nitidamente, a diferença entre o prédio original e os demais. A Carta de Veneza diz que “As contribuições de todas as épocas para a construção de um monumento devem ser respeitadas, não devendo considerar-se a unidade do estilo como objetivo a alcançar no curso de uma restauração”. Neste caso, não foi feita uma restauração, mas os acréscimos realizados permaneceram como “marca” de outros tempos, e são perfeitamente aceitáveis.

Foto 1Foto 2

A edificação voltada para a Rua Oswaldo Cruz foi a primeira adição feita no terreno, datada de 1926. Era o Externato Santa Teresa, que, segundo Madre Maria Lúcia, tinha quatro grandes salas de aula e foi erguido para “atender gratuitamente às crianças pobres que moravam nos chalés da vizinhança” (fotos 1 e 2). Na verdade, naquela época, nem sempre os chalés de madeira eram residências de pessoas necessitadas como vemos hoje. De estilo simples refletiam, sobretudo a cultura do imigrante português e identificavam a moradia de proletários. Durante um tempo dividiram o espaço com grandes residências. Posteriormente, “os antigos chalés de madeira, assentados sobre pilares, (...), foram sendo substituídos por bangalôs ou residências mais amplas, à medida que os melhoramentos nas respectivas ruas iam também se ampliando e abarcando novas áreas”.14 Hoje o Stella Maris não tem mais o curso diurno para meninas pobres, mas continua com a filosofia de atender aos mais carentes. Mantém um curso noturno, freqüentado por ambos os sexos e destinado à instrução de adultos, que queiram continuar seus estudos. O edifício do Santa Teresa foi modificado e teve sua varanda fechada para abrigar novas salas. No lugar onde funcionava o externato, atualmente é a área de ensino infantil do colégio. Meninos e meninas compartilham o mesmo espaço que outrora pertenceu apenas ao sexo feminino, como era o desejo de Pedro Fourrier, fundador da Congregação de Nossa Senhora.

A Congregação de Santo Agostinho e a sua vinda para o Brasil: um breve resumo

O Padre Fourrier inquietava-se com a ignorância das meninas, pois, na época, não tinham acesso à educação pedagógica, mas não aceitava a escola para ambos os sexos por considerá-la inadequada para a boa formação das crianças. “Por isso, O piedoso sacerdote desejava com ardor o estabelecimento ‘de duas ordens religiosas, uma para a educação dos jovens, outra para as meninas’”. 15 Assim, reformou os Cônegos Regulares de Santo Agostinho, a Congregação de Nosso Salvador, para educação dos meninos, e fundou a Congregação de Nossa Senhora para a formação educacional de meninas. No trabalho de Cida Rollo16 sobre o curso comercial do Stella Maris, encontramos que Lorenzo Luzuriaga, autor de História da Educação e da Pedagogia, considerou que a Congregação de Nossa Senhora, criada em 1598, foi a mais importante obra daquele tempo, para combater a influência calvinista. Para desenvolver seu trabalho, Fourrier contou com a colaboração de Alix Le Clerc, que constituiu com mais três jovens, Gante (Margarida) André, Isabelle de Louvroi e Claude Chauvenel e Barthélemy, uma sociedade religiosa. Iniciaram na cidadezinha de Poussay – então ducado de Lorena, hoje França, em 1598 – uma obra de educação feminina. O Bispo de Nancy deu a denominação ao grupo de “Congregação de Nossa Senhora” e, mais tarde, acrescentou-lhe o nome de “Cônegas de Santo Agostinho”, que, segundo informações de Luiz Carlos S. Mendonça17 quer dizer “religiosas que rezam o Breviário“. Durante muito tempo elas seriam chamadas de “Mère”, mãe em francês, pelas alunas. Novos mosteiros e colégios foram fundados na França, chegando a se espalhar pela Europa, Ásia, África e Américas. Da casa de Tréves, na Alemanha, é que, em 1878, partiu um grupo de religiosas para a Bélgica e fundou, a 1.º de maio, o mosteiro de Nossa Senhora de Jupille. Foi dessa casa que surgiu a intenção de se fundar uma filial no Brasil.

Em dezembro de 1906 as primeiras cinco religiosas chegaram a São Paulo, incumbidas de divulgar o pensamento de Madre Alix: “O zelo da instrução é a minha vocação’’. A sociedade civil intitulada “Associação Instrutora da Juventude Feminina” é legalmente constituída em 9 de fevereiro de 1907 e é registrada nos termos do Decreto (n. 1649), de 12 de janeiro de 1894. Em 19 de março de 1907, fundaram o Mosteiro São Paulo que deu origem ao Colégio das Cônegas de Santo Agostinho, mais conhecido por “Des Oiseaux”, na época uma escola de prestígio, reconhecida pela qualidade do ensino e pela formação moral de suas alunas, o que orgulhava o arcebispo metropolitano de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva. Dom Duarte, por possuir uma casa de veraneio na praia de Itararé18, com pequena capela anexa, conhecia bem a região de Santos e concluiu que aqui seria um excelente lugar para se montar um colégio de madres. Pediu então às Cônegas que fundassem uma instituição de ensino nos mesmos moldes do colégio de São Paulo.

À procura de uma casa para o colégio
É com um sorriso de felicidade que Madre Maria Lúcia nos conta a saga de suas companheiras para achar uma casa que pudesse abrigar o colégio, conforme havia pedido o arcebispo. Em 1923, a Superiora de São Paulo, Madre Marie Elisabeth, veio especialmente a Santos, para tratar do assunto. Acompanhada de duas outras irmãs, Madre Patrícia e Madre Saint Victor, fretaram um carro de aluguel e percorreram diversas residências que estavam à venda, sem, no entanto, se agradarem de nenhuma. Chegaram a ir até Guarujá, mas não obtiveram sucesso. Desanimadas retornaram a Santos e o automóvel pegou o caminho da Conselheiro Nébias para levá-las até a Estrada de Ferro (importante lembrar que, nessa época, o trem era o melhor transporte entre Santos e São Paulo, e vice-versa, possuindo carros de luxo e restaurantes). Logo após entrarem na avenida, chamou a atenção de Madre Patrícia a linda casa com sua graciosa torre: “Esta casa nos conviria. Les oiseaux savent toujours où faire leur nid” (os passarinhos sempre sabem onde fazer seus ninhos). Na opinião de Madre Maria Lúcia, provavelmente ela deve ter gostado do palacete porque lembrava a casa mãe da Congregação, em Jupille, Bélgica, que também tinha uma torre. Pediram ao motorista que parasse e decidiram conversar com os proprietários. Foram recebidas pela dona da casa, Amélia Carraresi, que as acolheu muito bem. A senhora havia perdido sua mãe há pouco tempo e tudo ali lhe lembrava ela. Por isso queria se desfazer da moradia e ficou muito espantada com a coincidência. Faz parte da história desse encontro, a revelação de Dona Amélia às madres: dias antes de elas chegarem, um de seus filhos teria tido um sonho onde Nossa Senhora lhe comunicara que aquela casa seria DELA. O negócio foi feito e Ugo Carraresi concedeu uma boa redução no preço, em vista da finalidade que iria ser dada à mansão. Por esse gesto ganhou a honraria de Benfeitor. Do ato da escritura participou o Sr. Dráusio Nogueira, escolhido como mediador, e, entre outros, os Srs. Belmiro Ribeiro e Dr. Moyses Marx, amigos das religiosas. A compra foi realizada no dia 8 de setembro (festa da Natividade de Nossa Senhora), na sala de visitas do Colégio de São Paulo.

Recebendo as alunas
Iniciar um novo colégio era tão importante para a Congregação, que exigia a presença da Madre Geral Marie de Jésus que desembarcou em Santos, vinda de Jupille, a 8 de dezembro de 1923. Seguiu para São Paulo e logo em seguida, no dia 11, cumpriu a missão de nomear as irmãs que fariam parte da nova comunidade: Madre Marie Thérèze, Superiora, junto com as outras “méres” Teresa, Ildephonse, Johanna, Dosithée e Regina. Como a idéia era dedicar o recente estabelecimento à Mãe de Jesus, elas acataram a sugestão de dar o nome de Stella Maris, feita por Madre Patrícia, como uma homenagem a Nossa Senhora, a Estrela do Mar. A Madre Geral quis conhecer o futuro colégio e foi recebida, em 13 de dezembro, pelos Carraresi, que ainda não haviam se mudado. Gostou de tudo que viu, desde a localização do imóvel até as amplas salas e logo tratou de cuidar do mobiliário. Uma das primeiras providências foi encomendar um altar de madeira a uns marceneiros portugueses, do bairro de Santana, para que pudesse improvisar a Capela em uma das salas voltadas para o hall. Ocuparam definitivamente o imóvel em 14 de janeiro e o elevaram à condição de Mosteiro. Realizaram, no dia 17 de janeiro de 1924, a primeira missa em um dos quartos da casa, transformado em capela.

As aulas foram iniciadas a 25 de fevereiro de 1924, segundo a crônica de Luiz Carlos S. de Mendonça, mas, a bênção de inauguração feita pelo arcebispo, de acordo com o mesmo autor, se deu em 1.º de março19. Já para Francisco Martins dos Santos20 o colégio foi inaugurado em 28 de março do mesmo ano. Dom Duarte presidiu a cerimônia porque Santos ainda estava no território da Diocese de São Paulo. Segundo Mendonça, embora já estivessem matriculadas 30 alunas, somente compareceram ao primeiro dia de aula 19 meninas, as quais estavam uniformizadas, trajando blusa “com duas pregas paralelas correndo sobre o peito, uma pala imensa caindo sobre os ombros e mangas largas descendo até os cotovelos; a saia sem cintura alongava-se um palmo abaixo dos joelhos; meias brancas e sapatos pretos, rasos de pulseira. Essa ‘ elegância ‘ toda se completava com a faixa colorida, amarrada à altura dos quadrís, e o vistoso chapéu, de grandes abas, enterrado até as orelhas. “ Esse uniforme, posteriormente, foi trocado por outro de saia cinza ou branca e faixa colorida, correspondente ao ano que a aluna estava cursando. Essas faixas seriam, por muito tempo, a marca de identificação do colégio (foto abaixo). Diz Madre Maria Lúcia que caíram em desuso pela dificuldade de serem confeccionadas, pois eram feitas na Europa, com um material especial que não amassava. A similar feita no Brasil não tinha a mesma qualidade.


Como a língua usada pelas madres era o francês, as quatro classes formadas receberam as seguintes denominações: “amarante” (4.º ano); “violette” ( 3.º ano); “rose-liserée” ( 2.º ano) e “rose” (1.º ano). Pesquisando o Livro de Matrículas de 1924, conclui-se que o ano terminou com 47 alunas inscritas, vindas de diversos lugares: São Paulo (7), Patagônia (1); Cravinhos (1); Ribeirão Preto (1); Campinas (1); Hamburgo (1); Paris (1); Pará (1); Itatiba (1); Rio Claro (1) e sem identificação (6). As de Santos somavam 25. Cotejando as origens das alunas matriculadas, nota-se que Santos já apresentava um caráter cosmopolita, atraindo para cá pessoas de outras nacionalidades e de diferentes partes do Brasil. As ligações com o porto, o café e o desenvolvimento da cidade, ficam evidentes quando fazemos a relação entre a naturalidade das meninas e a profissão dos seus pais. Assim vamos encontrar algumas nascidas em locais como Inglaterra, Buenos Aires, Paris, Hamburgo ou mesmo Pará e Bahia, cujos progenitores são inspetores da Alfândega, corretores de câmbio, cônsules, gerentes dos Armazéns Gerais ou de empresas estrangeiras, profissões suscetíveis a remanejamentos, além de comissários, corretores, classificadores e exportadores de café. O Livro de Matrículas é um comprovante de que Santos era, e continua sendo, uma cidade com uma população dedicada à prestação de serviços, e que o Stella Maris era um dos colégios preferidos para a educação das filhas de uma elite portuária e cafeeira.

A rotina da escola
Durante alguns anos o colégio manteve os regimes de internato, para atender as moças que vinham do interior, e semi-internato, destinado às residentes em Santos, que foi suprimido, depois da 2a. Guerra, para não encarecer a escola, segundo observou Madre Maria Lúcia. Mantinham, ainda, um Externato Misto freqüentado por crianças no Jardim da Infância e pré-primário. O horário, conforme o Regimento Interno era “das 8 horas menos um quarto, retirando-se ás 17 horas, e aos sabados ás 11 h. e 40”. No Externato entravam às 12 h 30 e saíam às 17 h e aos sábados da 8 às 11:40 h. Às internas era permitida visita somente aos domingos e feriados, entre 13 e 15 h 30 , exceção feita aos pais residentes fora de Santos, que poderiam ver suas filhas em qualquer dia da semana, entre 16 h 30 e 18 h . Se outra pessoa alheia à família quisesse visitá-las, teria que ter o consentimento escrito dos pais. A saída aos domingos e feriados estava condicionada ao bom comportamento. Até 1938, os cursos oferecidos eram o primário, admissão, secundário e comercial, quando este último foi extinto. No Regimento consta que era dado um ensino “recomendado pela experiência “ e pelos princípios pedagógicos.

Aluna matriculada no ano de 1928, com o número 70, Edith Pires Gonçalves Dias21, descreve a rotina escolar em seu livro: “Ia às 7 horas, assistindo primeiramente a Santa Missa; logo depois, era servido o café. Depois eram iniciadas as aulas, que ocupavam toda a manhã. Após o almoço e recreio, íamos para a sala de estudos. As menores sentavam-se sempre com alguma de classe mais adiantada. Eram carteiras duplas. Lembro-me de sentar alternadamente com Maria Amélia Tourinho ou Zilda Negrão, que já estavam no 5º ano. No almoço, sentava-me sempre ao lado de Merita Santos Dias, e só nos era permitido falar em francês. Com isso cheguei a falar esse idioma corretamente. (... ). Fazia parte do regulamento do Stella Maris a realização de sabatinas mensais. No último sábado do mês eram proferidas as notas e conferidas medalhas a quem tirasse nota dez. Eu voltava para casa sempre com medalhas. Havia também os cordões de honra. Constava de uma faixa terminada em franjas douradas, que passava por um ombro e as pontas se uniam ao lado da cintura. Quando consegui conquistar um deles, senti-me a mais feliz das alunas”.

Os “Cordões de Honra” a que se refere Edith foram instituídos pela escola desde o primeiro ano de sua fundação e eram dados às estudantes que mais se destacavam pelo bom comportamento e aplicação. Era conferido pelo sufrágio das alunas e ratificado pelos professores. As ganhadoras tinham seus nomes inscritos no Livro de Prêmios, onde o registro era feito com letras bem desenhadas, imprimindo um caráter solene à concessão. Inicialmente, em 1924, a honraria foi descrita em francês, como era o hábito da escola, “Distribution solenelle des Prix et nomination aux Cordons d’honneur”, mas, quando D. Edith recebeu, em 1931 (visualize clicando aqui) , o documento já constava em português. Existia um outro prêmio, também de honra e registrado no mesmo livro, que era dado somente pelas professoras e se referiam aos destaques das alunas às matérias administradas: “Classe Violette-liserée – 2º ano Ier. Prix de catéchisme, portugais, lecture, phraseologie, histoire du Brésil et arithmétique.IIer. Prix d’histoire sainte, français, geógraphie et leçons de choses.” Na ocasião da entrega desses prêmios, ou mesmo em outras datas religiosas como Páscoa, as madres aproveitavam para estreitar o seu relacionamento com as famílias das alunas. Preparavam uma grande festa com a presença das Superioras de Santos e São Paulo, e convidavam os pais. Causavam muito boa impressão as maneiras das meninas, a limpeza e a organização do colégio.

A comparação com a vida familiar era inevitável. Realmente a escola era uma extensão desse valor. No prospecto do Collegio – annexo n. 3 – há o seguinte comentário: “Não é possível realizar um plano de educação integral sem unidade de direção. É pois imprescindível a colaboração da família e do Colégio nessa grande obra. “ Também se fala em “relações cordiais e freqüentes, que lhes permitam agir sob orientação comum e harmonia de vistas.” Toda essa transferência do ambiente familiar é uma constante preocupação no relacionamento das madres com suas alunas, começando pela forma como são chamadas, “Ma Mère“, minha mãe. Era dessa maneira que gostariam de ser vistas por elas, como se fossem verdadeiras mães. Por isso realçavam tanto a necessidade do relacionamento fundamentado na “verdadeira e recíproca cordialidade”, compartilhando os problemas da vida em comum, pois acreditavam estar formando jovens para serem mais tarde “em seus lares, elementos de paz e alegria” (Prospecto do Collegio – annexo n. 3). Ao ler o prospecto citado acima, é interessante verificar o pensamento que dominava o colégio. Como não poderia deixar de ser, o ensino religioso era fundamental e, para as madres, auxiliava na formação da vontade, do caráter e da iniciativa pessoal. Estendiam às suas educandas os valores intrínsecos ao catolicismo, quando falam que simplicidade e distinção deveriam caracterizar as alunas, ou mesmo ao dizer que as jovens deveriam se voltar ao bem e, habituadas ao sacrifício, desempenharem o papel importantíssimo que lhes compete na sociedade, ou seja, aquele identificado com a figura da mãe, que, se preciso for, irá abdicar de sua vida pessoal, de seus desejos, em nome da união e felicidade da família.

Ao ler o Livro de Prêmios e o currículo da escola, uma matéria especialmente chama a atenção: é a da “Lição de Coisas” O que seria? Essa matéria está diretamente ligada ao método intuitivo, e se aplicava perfeitamente ao espírito de inovação e progresso, que tanto queria o período republicano. Esse método se estruturou e foi divulgado pelo país, após a reforma da instrução pública realizada em 1892, embora tivesse seu início nos últimos anos da monarquia. Consistia em captar o conhecimento usando todos os sentidos, o que levava as crianças a observar o mundo a sua volta. Para Ângela de Castro Gomes22. “Essa nova pedagogia preconizava que o ensino se organizasse a partir de ‘centros de interesse ’ que mobilizassem os alunos e pudessem integrar as matérias.” A “Lição de Coisas” extrapolava a sala de aula, exigindo espaços para o exercício de outras atividades e estimulando o desenvolvimento das aptidões e percepções. Nota-se que o Stella Maris incorporou essa forma de ensino porque ao fazer a ampliação do imóvel, priorizou o salão de festas, construiu o pátio de recreação e biblioteca, além de destinar salas para os laboratórios de ciências físicas e naturais.

Na apresentação que o colégio fazia de si, justificava o estudo das Belas Artes como sendo um de seus princípios: ensinar através do belo; já a necessidade de se aprender trabalhos de agulha derivava da utilidade “prática e de fantasia, cujos conhecimentos são indispensáveis a toda dona de casa “; para o físico ministravam os exercícios da ginástica sueca, “por melhor corresponderem ao desenvolvimento da criança .” (fotos 1 e 2 abaixo)

Foto 1Foto 2

Como complemento da formação, o Stella Maris ainda oferecia campo para os diversos desportos e jogos de tennis, deck-tennis, basket-ball, volley-ball, net-ball, ping-pong, croquet e cricket23 e as próprias alunas organizaram um clube, aprovado pelas religiosas por ter um resultado educativo e, também, por desenvolver a sociabilidade entre elas. Se levarmos em conta a época, temos que admitir a visão avançada das freiras, pois em um tempo em que o esporte era quase restrito ao mundo masculino e, seus benefícios eram pouco reconhecidos, as madres, já valorizavam a necessidade da boa formação do corpo para uma mente sadia.

Mas o que se deduz de toda essa maneira de aprendizado é que havia uma preocupação com a educação integral das alunas, a intenção de se formar moças preparadas tanto para a vida familiar, como social e profissional. Prova disso é que em 1928 o colégio inicia o seu Curso Comercial, “com o objetivo de atender a juventude feminina, preparando-a profissionalmente, para um mercado de trabalho que se abria e se mostrava promissor, na Santos dos anos 30, ligada ao porto e às várias atividades comerciais...” .24

Ao longo dos anos, o Stella Maris vai adaptando e abrindo seus cursos conforme a necessidade do momento. Desde 1924, eles vão evoluindo na seguinte seqüência: primário (1924); Ginásio (não oficialmente, mas desde 1925 já existia o acréscimo de dois anos ao primário); Comercial (1928/1938); Admissão (1932-1966); Ginasial (1933-1972); Pré-Primário (a partir de 1940); Colegial, Clássico e Científico (1943-1946); Aperfeiçoamento (1944); Normal (1949-1964); Colegial (1965-1975); 1º Grau – 1ª a 8ª séries (1972); Jardim I e II (1975); Maternal II (1979); Maternal I (1990 em diante)25; Ensino Médio (1999).

Alguns comentários sobre a Educação em Santos
O ensino educacional em Santos começou pelas mãos dos jesuítas, de forma semelhantes às áreas mais antigas colonizadas. O primeiro estabelecimento de ensino na cidade de que se tem notícia, foi o Colégio dos Jesuítas, iniciado pelo Padre José de Anchieta. Após a expulsão deles, a educação das crianças ficou a cargo dos próprios pais. No final dos séculos XVIII e parte do XIX, eram dadas aulas particulares ou, em alguns casos, coletivas, recebendo os alunos instrução em grupos formados na casa de professores, o que seriam as “escolas” da época. A figura do “preceptor” não era exclusiva da cidade de Santos. Ela refletia o que se passava no país. Essa função geralmente era exercida por mulheres em maioria estrangeiras, solteiras ou viúvas, ou mesmo por alguns homens cuja projeção intelectual os credenciava para o cargo. As meninas de família mais rica estavam sujeitas a esse tipo de ensino, porque os meninos, após um pequeno preparo, seguiam para colégios internos e católicos. A elas era ensinada uma língua estrangeira, geralmente o francês, considerada a língua culta por excelência, canto, piano, desenho e trabalhos manuais. Cálculo, geografia, história e português eram matérias secundárias.

Até quase o final do século XIX, a situação educacional em Santos vai continuar precária, preferindo os jovens abandonar a cidade para continuar seus estudos nas capitais mais avançadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, ou mesmo fora do país, mas se registravam alguns colégios de ensino primário e secundário na cidade. A preocupação com a educação infantil já era sentida e alguns prédios destinados a grupos escolares são erguidos em Santos. O próprio edifício materializava o valor que estava querendo se dar à educação. Mesmo entidades particulares já construíam seus colégios. Segundo Francisco Martins dos Santos, possivelmente a primeira escola juridicamente construída em Santos foi a Sociedade União Operária, instalada a 25 de maio de 1890, mas vários Grupos Escolares, como o Olavo Bilac, surgiram na cidade.

Dos colégios religiosos, o Coração de Maria e a Ordem dos Irmãos Maristas, que fundou o Colégio Santista, são os mais antigos, de 1904, seguidos do Colégio do Carmo, dos frades da Província Carmelita de Santo Elias (1917). O São José e o Stella Maris foram abertos no mesmo ano, 1924.
A proliferação de colégios religiosos na cidade, onde se concentravam os filhos da elite santista, deve-se ao fato de que a escola passou a ser vista como uma instituição mais adequada para o oferecimento da educação, tirando dos pais a responsabilidade de ensinar. As famílias mais abastadas preferiram entregar seus filhos à educação de religiosos, por ser esta a mais parecida com seus valores tradicionais.

Ao compararmos a figura das antigas preceptoras, nós encontramos semelhanças entre as madres e elas, mulheres solteiras, geralmente vindas de outro país, com uma excelente formação pedagógica, valorizando e preparando a mulher como eixo de uma sociedade.

Considerações Finais
A história de Santos envolve porto, café, expansão urbana, migrantes e imigrantes, “barões” e operários, construções antigas e atuais, vários elementos de antigas gerações contrastando com coisas modernas. Tudo se mistura para formar o Patrimônio Cultural da cidade. Propor que o Stella Maris faça parte desse legado é bobagem. Ele já faz parte, tanto pela sua parte tangível, como a arquitetura de seus prédios e o meio em que se insere, como por aspectos culturais intangíveis, manifestos pela memória coletiva. A comunidade se relaciona com ele e é referência de tradição local, misturando-se com o bairro.

Compartilhando do pensamento de que as obras dos lugares são testemunho vivo de suas tradições seculares e portadoras de mensagem espiritual do passado26, o santista Alcindo Gonçalves27, 51 anos, diz que os colégios constituem um marco na memória das pessoas, lugar onde estabelecem suas primeiras amizades e descobrem o mundo. Ganham uma importância no imaginário porque são referências histórica e afetiva. Como parte integrante da vida dos moradores da cidade, cita “velhas escolas” que contribuem par a construção da memória e identidade locais: o Santista, o antigo Canadá, São José, Liceu Feminino, Coração de Maria e Stella Maris. Para ele, este último simboliza, particularmente, um espaço dentro do bairro do Boqueirão, onde lembranças de uma época misturam-se à beleza arquitetônica. “Na minha memória vem logo as meninas bonitas com suas fitas multicoloridas. O espaço onde está o prédio, embora com muros altos, é característico do bairro, envolve prédios, jardins, quadras, mas principalmente gente – são as meninas que lá estudavam e sonhavam com o futuro. Preservar aquele espaço? Sem dúvida. Ele é parte da vida de cada um de nós, e assim será, sempre“. Quando fala em muros altos, Alcindo refere-se às grades dos muros tampadas com chapas metálicas, impedindo, da rua, a visualização dos pátios internos. Devido à violência dos novos tempos, isso foi feito para dar mais privacidade aos alunos.

Concordando com a visão de Gonçalves sobre o colégio, a também santista e moradora do bairro, a pedagoga Maria Regina Mattos Chaves, 53 anos, assim se expressa: “o Boqueirão é o Stella Maris. Ele enfeita e dá vida ao bairro, traz boa freqüência e valoriza os imóveis ao redor. É um colégio de estilo que impõe respeito. Sua arquitetura é diferente, semelhante aos castelos europeus. Jamais pensaria em perdê-lo. Ficaria muito triste“. Faz, ainda, referência à importância de ele ter subsistido à especulação imobiliária , porque imprime uma qualidade de vida ao bairro, perdida com a construção de tantos prédios. “Hoje seria uma aglomeração humana, com uma paisagem muito árida”.

O crescimento da cidade não respeitou as condições naturais, prescritas na Carta de Atenas, os elementos indispensáveis aos seres vivos: sol, espaço e vegetação, o que, com certeza, contribuiu para o sucesso do colégio ao longo dos anos. As mães, preocupadas com o desenvolvimento e a sensibilidade de seus filhos, viram no local a oportunidade de poder proporcionar um pouco de contato com a natureza, além de encontrar um lugar amplo para deixá-los correr livremente. O conjunto dessas coisas dá um destaque especial ao colégio. Uma das ameaças hoje se constata é a conservação da ornamentação vegetal existente na edificação. Devido às constantes necessidades de adaptar o colégio às mudanças do ensino, foram sacrificadas algumas áreas em que havia jardins. Uma das primeiras visões que, ao longe, temos do colégio são seus coqueiros. Um deles, por suas dimensões destacando-se dos demais, porque personaliza o terreno desde a época em que a casa foi retratada por Benedito Calixto. Em antigas fotos da Conselheiro Nébias, os coqueiros se espalham por toda a Avenida. Atualmente, nos poucos lugares em que ainda conseguiram sobreviver, são marcos da presença de antigas chácaras como a do Parque Indígena, lembrado apenas por meio do nome de um prédio, e a dos Thaumaturgos, cuja existência faz parte somente da recordação de poucos.

Outro elemento que o torna uma preciosidade é que no contexto urbano no qual se insere, forma, junto com pouquíssimos casarões da Av. Conselheiro Nébias, um testemunho histórico do passado. Ligado ao Casarão Branco da praia, dá um caráter e uma fisionomia diferencial à cidade. Conforme a Carta de Atenas, o monumento é inseparável do meio onde se encontra, com a sua área envoltória e contexto sócio-econômico. Wilma Therezinha de Andrade nos fala sobre isso. Diz que vê no prédio o vestígio de uma arquitetura que há muito tempo desapareceu. Considera que o espaço ocupado no bairro é privilegiado, devido à sua localização no final da Av. Conselheiro Nébias, próximo à praia, e mesmo pela fusão entre as áreas adjacentes e a instituição. “A grande influência social e educacional que teve e tem o Stella Maris, forma um conjunto valioso, significativo não só para o bairro, mas também para a cidade. Trata-se de um espaço construído muito bonito, e interessante para a história e educação“.

A importância da localização já era percebida e usada pelas religiosas. Nos relatórios às entidades educacionais, descreviam que o colégio estava situado numa das mais belas avenidas de Santos, próximo ao mar e tinha vizinhança excelente, constituída de casas de moradia. Esse e outros detalhes encontrados em documentos da escola vão envolver o Stella Maris em um tempo a que não temos mais acesso e só através desses registros é que poderemos chegar a ele. A preocupação com a tradição familiar é encontrada em descrições como “Usam-se pequenas mesas para 10 alumnas, arranjadas pela maneira tradicional das nossas famílias” e nas exigências constantes do enxoval de uma interna: “6 camisas de dormir com manga”, “10 calças com pernas”, “1 talher de prata ou cristofle” , “1 argola para guardanapo”, “1 descansa talher” e “1 caixinha para trabalhos manuais, contendo: dedal, tesoura (e etc) e linha para serzir meias.” Em uma época, como a nossa, do descartável , isso é impensável.

A documentação do colégio, no que diz respeito à parte pedagógica, é totalmente registrada pelas freiras, como seria o esperado. Mas elas também têm fotos da época em que compraram o colégio, o que permite a reconstituição de como encontraram o edifício em 1924, constituindo-se um importante acervo.

A conservação do colégio se deve unicamente ao respeito e interesse da Congregação que transmite esses valores importantes à sua comunidade educacional. Com isso, não se percebe nenhum sinal de depredação e o prédio parece estar sempre, envolvido numa carinhosa capa de proteção. Em face dos agentes atmosféricos, algumas pequenas intervenções foram feitas no sentido de se evitar infiltrações. Assim, no andar superior onde é o final da torre, foram colocados ladrilhos para melhor escoamento das águas pluviais, o que, segundo a recomendação de técnicas de conservação, constantes da Carta de Atenas, é perfeitamente reconhecível, dado ao seu aspecto moderno (porém simples) e totalmente diferente do piso que encontramos na área da sala do 1.º andar. A alteração feita na frente do edifício, que retirou a escada, não prejudicou a aparência do prédio, porque foi respeitado o estilo da obra.

Muito se tem falado da valorização das tradições locais como meio de desenvolvimento do turismo, o que desperta o interesse e atenção das pessoas, e o patrimônio está intrinsecamente ligado ao turismo. Se o Colégio Stella Maris for considerado, oficialmente, patrimônio da cidade, deve a escola abrir suas portas para a visitação pública. Por tratar-se de entidade educacional e particular, isso criará dificuldades e constrangimentos. Uma solução que conciliaria esse problema é inserir o colégio no roteiro turístico de Santos, que é feito de ônibus, e, nos fins-de-semana, ou uma vez por mês, as freiras abririam os portões para que a população pudesse subir à torre do colégio ou para que passeasse pelas áreas externas.

No caso de um tombamento, poder-se-ia conciliar o direito público com o particular, pois, como a comunidade se apropriou afetivamente desse bem e tem por ele carinho, respeito e orgulho, ela tem o direito de aspirar sua permanência, mas conservá-lo é um dever do proprietário. Temos aí um “sacrifício” particular em benefício do interesse geral. Nesse caso, o poder local, ou seja, a Prefeitura, deveria manter esse equilíbrio propondo medidas (através até de legislação) de incentivo à conservação. Poderia montar-se uma exposição, por exemplo, com todo o acervo documental do colégio. Se a opção fosse no final de semana, o horário de abertura poderia coincidir com o da realização da missa. No espaço térreo, seria feita uma pequena feira para a venda de suvenires, ou outras objetos, cuja renda reverteria para as três obras de caridade mantidas pela ex-alunas do colégio.

O Stella Maris é um bem para o qual não se precisa designar um uso para preservá-lo, nem é preciso reabilita-lo, porque como centro educacional ele se mantém por si próprio. Porém, abrir suas portas para visitação pública seria uma maneira de retribuir o carinho que a população tem por ele.
 
1Bacharel em Relações Públicas, formada pela Faculdade de Comunicação de Santos, da UNISANTOS, e Pós-Graduada, lato-sensu, em Cidade , História: Meio Ambiente, Lazer e Turismo.
2Bairro da cidade de Santos, localizado entre os canais 3 e 4.
3Veja Santos! (p. 456/7) Prefeitura Municipal de Santos – Administração Clóvis Bandeira Brasil -
4Nome da Avenida do canal 3
5 Nome da Avenida do canal 4
6Jornal A Tribuna Domingo , 19-11-1950, pág. 19
7O comprovante da transação foi solicitado ao 1º Cartório de Notas.
8SILVA, F. T. da in GONÇALVES, Alcindo Lutas e Sonhos (1995, p. 38)
9Memórias do Casarão Branco (p. 56)
10Informação obtida no site novomilenio
11Ventos do Mar Trabalhadores do porto, Movimento Operário e Cultura Urbana em Santos, 1889-1914 ( 1992, p. 42)
12Nos primeiros anos, o colégio tinha um curso misto de Jardim da infância. Luiz Carlos foi então um dos alunos (de 1936 a 1938)
13Existe um projeto da casa, em bico de pena, de posse do Eng. Hugo Carraresi Neto, que até a elaboração deste trabalho ainda não tinha sido localizada. Posteriormente, será acrescentada a este material.
14ARAÚJO FILHO, J. R. in Lutas e Sonhos GONÇALVES, Alcindo (1995, p. 71)
15Pe. H. Pires, in O CURSO COMERCIAL DO COLÉGIO STELLA MARIS DE SANTOS (1928/1938): uma reconstrução histórica Del Rio, Maria Aparecida Martins Rollo Monteiro – (1998 p..20)
16DEL RIO, Ma. Aparecida M.R. M. – (1998, p. 21)
17in “Stella Maris”- Ano I (Breve Crônica de sua fundação)
18Localizada no município de São Vicente, SP
19 As informações de Luiz Carlos Sampaio de Mendonça baseiam-se nos seguintes documentos do colégio: Livro de matrículas (1924); “Quelques souvenirs de la fondation de Stella Maris “, de Madre Marie Elisbeth e Crônica relativa ao ano de 1924, de Madre Marie Thérèse
20In História de Santos - Poliantéia Santista LICHTI, Fernando Martins – 1ª edição 1996
21In Memórias do Casarão Branco
22A República no Brasil (p. 399)
23 Grafia constante nos folhetos do Colégio
24DEL RIO, Ma. A M. R. M. – O Curso Comercial do Colégio Stella Maris de Santos (1928/1938) 1998
25Fonte: DEL RIO, Ma. A M. R. M. – O Curso Comercial do Colégio Stella Maris de Santos (1928/1938) 1998
26Carta de Veneza, maio de 1964
27Engenheiro, Cientista político, professor universitário e morador do bairro do Boqueirão. Autor do livro Lutas e Sonhos Cultura política e Hegemonia Progressista em Santos.

* As fotos deste trabalho são do acervo do Colégio Stella Maris e foram gentilmente cedidas pela Diretoria, não sendo permitida a sua reprodução para outros fins, sem autorização.