Outros artigos
Efeitos de ações públicas na imagem turística de São Vicente
Propostas de Reformulação da Visita Monitorada e Criação de Material de Apoio Trilíngue ao Turista para o Theatro Municipal de São Paulo - A VISITA REFORMULADA
Rumo ao Paraíso: faça sua reserva já!
Orquidário Municipal de Santos: patrimônio santista
NOVEMBRO/2005: Resenha Crítica "Patrimônio Histórico Cultural"
Artigo
Artigo

 
Propostas de Reformulação da Visita Monitorada e Criação de Material de Apoio Trilíngue ao Turista para o Theatro Municipal de São Paulo - TURISMO CULTURAL EM SÃO PAULO
Mariana Cuencas Santos1
 
Turismo Cultural na Cidade de São Paulo

1. Atrativos
São Paulo, sendo uma cidade que recebeu (e recebe até hoje) uma infinidade de influências culturais do Brasil e do mundo todo, concentra em si atrativos na mesma proporção: é repleta de museus dedicados aos mais diferentes assuntos, tem algumas das casas de espetáculos mais tradicionais e respeitadas do país e é considerada a capital latino-americana da gastronomia. Não somente isso, mas o calendário de eventos – técnicos, culturais e religiosos – é extenso, e proporciona um movimento constante de turistas na cidade.

A vocação de “capital cultural” de São Paulo é antiga. Quando a cidade começou a prosperar, com o sucesso do Ciclo do Café – cujo auge se deu entre 1880 e 1930 – e a chegada de uma massa de imigrantes para as lavouras, a alta sociedade paulistana passou a ter a ânsia de torná-la um ponto de referência mundial, espelhando e equiparando sua vida cultural a dos grandes centros europeus da época, como Paris, Londres e Milão. Com esse intuito, os jovens aristocratas viajavam para a Europa para estudar e, ao retornar, traziam consigo todas as novidades e tendências de estilo, arte e comportamento do Velho Continente, para que estas passassem a fazer parte do cotidiano dos paulistanos abastados.

Decorrente disso surgiram os primeiros teatros de São Paulo. Dessa época, somente permanecem operantes o Theatro Municipal (de 1911) e o Theatro São Pedro (de 1917), construídos para a apresentação de concertos, principalmente. Porém, a cultura da música ainda é forte na cidade, e para atender aos paulistanos foi inaugurada mais recentemente (em 1999) a Sala São Paulo, aproveitando o espaço do prédio da Estação Júlio Prestes. Ela possui a melhor acústica para esse fim da América Latina e é a “casa” da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a OSESP.

No entanto, estas casas fazem parte de uma lista de cento e vinte espaços que existem atualmente (de acordo com o levantamento feito este ano pela SP Turis), e que possuem, em sua maioria, mais de uma sala de espetáculos. Dentre estes, algumas das casas mais importantes da cidade – cujos palcos são voltados para a arte dramática, principalmente – são o Teatro Oficina, o Sérgio Cardoso, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o TUCA, o TUSP, o Bibi Ferreira; são inúmeros.

Além dos teatros, o cenário cultural de São Paulo é também representado por sua enorme quantidade de museus, cujos temas vão desde a história da imigração na cidade e zoologia até arte sacra e tecnologia. Parte dos acervos de muitos destes museus são provenientes de doações particulares de grandes famílias da aristocracia paulistana, que desde o auge do Ciclo do Café vinham acumulando aquisições feitas na Europa ou aqui mesmo no Brasil. Pode-se destacar entre eles, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) – o maior acervo de arte de todas as épocas e nacionalidades do Brasil –, a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arte Sacra, o Museu Paulista e o Memorial do Imigrante.

A gastronomia não tem papel menos importante no que diz respeito à composição dos atrativos culturais de São Paulo. Na cidade podem ser encontrados restaurantes representantes de cinqüenta e dois tipos diferentes de cozinha, de regiões do país e do mundo, que servem desde a comida mais simples até a chamada “alta gastronomia”. Alguns dos melhores restaurantes do país, de acordo com a classificação do Guia 4 Rodas, estão aqui: é o caso dos restaurantes D.O.M. de cozinha contemporânea e do Fasano, clássico da alta gastronomia italiana. Alguns restaurantes e bares de São Paulo são considerados o próprio atrativo turístico, como os que se encontram no mezanino do Mercado Municipal, inaugurados em 2004: estes já são, muitas vezes, o principal motivo que leva um turista a visitar o espaço.

Em relação aos eventos, São Paulo tem neles uma das bases do turismo praticado na cidade. De acordo com a SP Turis, ocorrem cerca de noventa mil eventos – de todos os portes e segmentações – a cada doze meses, que contam com aproximadamente quinze milhões de participantes, entre paulistanos, visitantes e turistas. Estes eventos são de extrema importância, porque não somente movimentam a hotelaria paulistana, como também aumentam o público de todos os outros atrativos da cidade.

Muitos desses eventos são de caráter cultural: a maior mostra de arte do país, a Bienal Internacional de Arte, é um dos eventos de maior público na cidade nos anos em que ocorre. Pode-se mencionar também, por sua relevância, a São Paulo Fashion Week – que já é considerada parte da cultura paulistana, e não somente um evento de cunho comercial –, a Mostra Internacional de Cinema, a Bienal Internacional do Livro, e até mesmo o Salão do Turismo, que proporciona uma visão ampla da cultura do país todo e que atrai tanto profissionais da área quanto visitantes que não atuam no ramo.

Portanto, ao analisar as inúmeras possibilidades de turismo cultural que São Paulo oferece, fica claro que os esforços que começaram com a sociedade paulistana no século XIX frutificaram, e consolidaram a vocação da cidade para ser uma “capital de mil culturas”. Uma imensa mescla, sim, porém tão harmoniosa que caracteriza uma identidade própria.

2. Teatros em São Paulo
O cenário cultural de São Paulo, como mencionado anteriormente, é muito vasto, porém, é necessário mencionar a grande representatividade que o teatro paulistano tem entre tantos atrativos.

Pode-se dizer que a cultura do teatro em São Paulo teve início no século XVII, quando a cidade tinha apenas quatro mil habitantes e foi cogitada pela primeira vez a criação de uma casa de ópera. A primeira chegou a funcionar em um prédio alugado onde atualmente é a rua São Bento, mas logo fechou, de acordo com Raimundo de Menezes (1954) por “beatice” dos membros da Câmara Municipal. Sete anos depois um outro teatro – que apesar do nome “Casa da Ópera” apresentava peças não-musicais também – foi instalado nos baixos do Pátio do Colégio, dessa vez com o aval da prefeitura, em uma sala para trezentas e cinqüenta pessoas adaptada de forma extremamente simples.

Esse teatro improvisado fez história na cidade, funcionando até o século XIX. Nesta época, as apresentações eram amadoras: os atores eram pessoas humildes, do povo. “Geralmente, eram caixeirinhos de lojas ou vendas, e barbeiros, na sua maioria mulatos e, o pior, prostitutas, porque, naquele tempo, mulher séria não se prestava de maneira alguma a tal mister...”9.

Eram os estudantes da faculdade de direito do Largo São Francisco os responsáveis por trazer as montagens teatrais, assim como eram o seu público efetivo. As apresentações eram feitas às quartas-feiras, sábados e vésperas de feriados, quando eles tinham tempo livre no dia seguinte: normalmente as encenações terminavam de madrugada, e não era incomum ocorrerem incidentes – muitas vezes controlados por intervenções da polícia – nesses términos de espetáculo: os estudantes, tidos como “irrequietos”, faziam sempre brincadeiras que causavam confusão com os atores ou algum membro da platéia.

Nessa época já se falava que a Casa da Ópera era um espaço pequeno e muito modesto para as apresentações, que tinham um público cada vez maior. Por fim, o prédio que funcionou por dois séculos foi demolido no final da década de 1870 para dar lugar a uma nova construção: a Tesouraria da Fazenda.

Em 1864 havia sido inaugurado o Teatro São José. Já era famoso quando a Casa da Ópera foi demolida, e após esse evento passou a receber os espetáculos que lá eram encenados. Foi o principal teatro da cidade durante trinta e quatro anos, tendo recebido companhias importantes – como a que trouxe a atriz francesa Sarah Bernhardt ao país – quando a população paulista começou a novamente pedir por um espaço maior, dessa vez que pudesse ser palco para companhias estrangeiras de ópera e figurar no roteiro das grandes casas do mundo: entre elas, os já consagrados Teatro alla Scala de Milão, o La Fenice de Veneza, o L’Opéra de Paris, a Royal Opera House de Londres, e até mesmo o Teatro Colón de Buenos Aires.

O São José teve suas atividades encerradas devido a um incêndio, fato que marcou muito a sociedade da época, como conta Raimundo de Menezes:

Uma madrugada fatal aquela! – 15 de fevereiro de 1898 – São Paulo inteira dormia a bom dormir quando foi despertada pelo bimbalhar desesperado dos sinos das igrejas tocando a rebate. Foi um alvorôço medonho! Todos correram para a rua sem saber o que estava acontecendo e surpreenderam-se com a notícia pavorosa: o teatro São José pegara fogo e ardia, irremediavelmente perdido.[...] A catástrofe foi bem pior do que se pensava.10.

A essa época, São Paulo já contava com alguns espaços famosos de teatro dramático, que na maioria das vezes eram palco para companhias amadoras (como as do movimento chamado filodrammatici ou “filodramático” de famílias imigrantes italianas, de onde saiu a atriz Itália Fausta, considerada a maior atriz do teatro brasileiro do período pré-TBC 11). Destes espaços para amadores, destacaram-se os teatros Politeama (ou Braz Politeama), o São Paulo, o Bijou Théâtre, o Moulin Bleu (estes três últimos, especializados no chamado Teatro de Revista que já era popular na época). No entanto, nenhum deles tinha a estrutura ou, principalmente, a “boa fama” necessária para tomar o lugar pertencente ao teatro São José, visto que eram espaços destinados a espetáculos “demasiado populares”.

O episódio do incêndio do São José foi a “deixa” para que os paulistanos pressionassem ainda mais a prefeitura para a construção de um grande teatro de ópera. Somente em 1903 o primeiro passo para tanto seria dado, com a desapropriação de um terreno no Morro do Chá para que fosse construído o Theatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911. “Nessa ocasião, lavrou uma verdadeira febre teatral em São Paulo. [...] Uma nova fase surgia, auspiciosa, na vida do teatro de Piratininga. A inauguração do Municipal assinalaria essa época”12. Um segundo teatro São José foi construído no local onde hoje é o edifício do Shopping Light, em frente ao Theatro Municipal, mas logo foi desativado e demolido.

No decorrer de um século, a cidade tornou-se o maior pólo teatral do país, atualmente contando com cento e vinte espaços para apresentações teatrais e musicais, sendo que alguns deles são patrimônio histórico-cultural da cidade, tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT). Além do Theatro Municipal, de acordo com o órgão mencionado (1998), outras três casas passaram pelo processo de tombamento: o Teatro São Pedro, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e o Teatro Oficina.

O Teatro São Pedro foi inaugurado em 1917, construído pelo português Manoel Fernando Lopes. A arquitetura, assim como o Municipal, tem estilo eclético de inspiração neoclássica e art nouveau 13. Com capacidade para mais de novecentas pessoas, alternava sua programação entre espetáculos teatrais e óperas, quando em 1940 o prédio foi desativado e passou a ser um cinema. Decadente, na década de 1960 chegou a ser utilizado como depósito e estacionamento. Foi tombado em 1984, e ficou por muitos anos fechado, antes e depois do tombamento, até que o processo de restauração começou em 1992. Reabriu seis anos depois.

O TBC foi inaugurado em 1948 na garagem de um edifício comercial do bairro da Bela Vista, e contava com trezentos e cinqüenta lugares. Teve seu maior prestígio na década de 1950, apresentando peças de grandes dramaturgos internacionais, e dez anos depois tornou-se a casa da companhia Teatro de Arena. Foi neste teatro que grandes nomes surgiram, como Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Paulo Autran. Foi tombado em 1979.

O Teatro Oficina recebeu esse nome por abrigar a companhia de teatro Oficina, formada por estudantes da faculdade de direito do Largo São Francisco em 1958. Um de seus fundadores é o diretor, autor e ator José Celso Martinez Corrêa. O espaço foi palco para grupos teatrais experimentais, inovadores da linguagem cênica e da relação ator-platéia. Oito anos depois da inauguração, após um incêndio, o prédio foi remodelado, e em 1986 a arquiteta Lina Bo Bardi – responsável pelo projeto do MASP – projetou a renovação do espaço, que havia sido tombado três anos antes.

Sem dúvida, a trajetória do teatro em São Paulo reflete a ânsia de sua sociedade de tornar a cidade uma referência em produção artística no Brasil e no mundo. Essa evolução iniciada há mais de três séculos, como foi visto, foi desencadeada com a inauguração do Theatro Municipal, objeto de estudo deste trabalho, descrito a seguir.

Para continuar a leitura, .
 
1 Bacharel em turismo pela Universidade Cidade de São Paulo – UNICID. mariana.cuencas@yahoo.com.br

2 MINISTÉRIO DO TURISMO. Segmentação do turismo: marcos conceituais. [s. l.]: [s. n.], [entre 2003 e 2006].

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
[19--], p. 409.

4 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2001, p. 11.

5 ANDRADE, A. L. D. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2006.

6 ANDRADE, A. L. D. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2006.

7 FUNARI, Pedro Paulo; PINSKY, Jaime (Org.). Turismo e patrimônio cultural. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Contexto, 2003, p. 17. (Turismo Contexto).

8 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2001, p. 90.

9 MENEZES, R. Como nasceu o teatro em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2006.

10 MENEZES, R. Como nasceu o teatro em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2006.

11 O surgimento do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) em 1948 é considerado por críticos de arte e historiadores como um divisor de águas do teatro brasileiro, pois estabeleceu um novo conceito de profissionalismo na atividade, diferente e mais moderno do que aquele que vinha sendo feito no teatro dos filodramáticos.

12 MENEZES, R. Como nasceu o teatro em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2006.

13 Art nouveau: estilo estético do final do século XIX que teve início na Bélgica, mas que se espalhou por toda a Europa e, posteriormente, no mundo todo. Pode ser visto essencialmente no design e na arquitetura da época, com a exploração de materiais como o ferro e o vidro, e é caracterizado pelas formas orgânicas e rebuscadas e o escapismo para a natureza.

14 SÃO PAULO 450 ANOS. Teatro Municipal (1911). Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2006.

15 BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Teatro Municipal de São Paulo: grandes momentos. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 1993, p. 27.

16 THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. La Gioconda, de A. Ponchielli. São Paulo: [s.n.], 2006. Programa.

17 DRUMMOND, Siobhan; YEOMAN, Ian (Org.). Questões de qualidade nas atrações de visitação a patrimônio. Tradução de Helio Hintze e Ana Cristina Freitas. São Paulo: Roca, 2004, p. 121-122.

18 DRUMMOND, Siobhan; YEOMAN, Ian (Org.). Questões de qualidade nas atrações de visitação a patrimônio. Tradução de Helio Hintze e Ana Cristina Freitas. São Paulo: Roca, 2004, p. 126.

19 DRUMMOND, Siobhan; YEOMAN, Ian (Org.). Questões de qualidade nas atrações de visitação a patrimônio. Tradução de Helio Hintze e Ana Cristina Freitas. São Paulo: Roca, 2004, p. 130.