Outros artigos
Armazéns Santistas: uma história de todos
NOVEMBRO/2005: Turismo Arqueológico no Estado de São Paulo?
Propostas de Reformulação da Visita Monitorada e Criação de Material de Apoio Trilíngue ao Turista para o Theatro Municipal de São Paulo - PANORAMA GERAL
Núcleo Museológico dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça, Portugal
Hotéis da cidade de São Paulo de 1889 a 1971 no Centro Velho: O Grande Hotel e o Hotel São Bento
Artigo
Artigo

 
AGOSTO/2006: Turismo e Museus: pela valorização do patrimônio e da museologia
Clézio Santos1
 
RESUMO: O presente artigo procura tecer uma análise entre o patrimônio entendido de forma ampla que incluem questões culturais, sociais, históricas e econômicas; que denominamos de patrimônio integral e o papel dos museus e da museologia em nossa sociedade atual. Palavras-chave: patrimônio integral, museus, turismo urbano, lazer.


ABSTRACT: The present article looks for to weave an analysis enters the understood patrimony of ample form that includes cultural, social, historical and economic questions; that we call of integral patrimony and the paper of the museums and the museology in our current society. Key words: integral patrimony, museums, urban tourism, leisure.










Introdução

Muitos ainda sorriem quando se defrontam com um trabalho que pretende refletir o Lazer e o Turismo. Não acham que sejam temas sérios – pois sério mesmo, só o Trabalho. Esse espanto aumenta quando caminhamos para a inserção dos Museus como espaços de cultura, propícios a atividade turística e recreacional.

Embora em meados de 70 começasse a nascer um interesse pelos efeitos do Turismo sobre o meio ambiente, descobrimos hoje, os efeitos sobre o ambiente e a necessidade do Lazer na sociedade atual, com toda a sua dimensão humana e suas problemáticas socioculturais. Os museus e a procura da edificação do patrimônio integral estão inclusos na dimensão humana e nas problemáticas socioculturais.





Revendo alguns conceitos relevantes



O Espaço

Quando DUMAZIDIER (1980:55) comenta a questão da cidade com espaços de lazer, o autor está se referindo a um espaço diferente dos outros – os da família, da escola, do trabalho, da igreja, etc. É um espaço vivencial, onde o objeto precípuo é o viver, é o Ter oportunidade de ocupar o tempo livre para exprimir as necessidades individuais, físicas, sociais, artísticas, etc.

Esses espaços só existem em núcleos urbanos centrados no lazer. Essa cidade de que DUMAZIDIER (op.cit.) fala, é a cidade do bom-senso, está muito longe de ser uma realidade. Parece que a norma são as cidades sufocantes, abafadas pelos mesmos agravos que caracterizam as cidades cujo apelo é ainda o econômico e produtivista.


“Na teoria de nossos urbanistas, os espaços de lazer se desenvolvem no todo e nas partes do tecido urbano, é em cada escala da tessitura da cidade – centro, bairros, periferia, cinturão exterior -, que a relação do espaço de lazer se realiza com outros espaços. É a tendência do urbanismo atual: dividir as grandes cidades em pequenas”
(DUMAZIDIER,op.cit:55-56).



Essa divisão idealizada pelos urbanistas que Joffre Dumazidier comenta, nos faz pensar em espaços de lazer também divididos, não basta apenas um grande espaço de lazer para uma grande cidade. A grande cidade necessita de inúmeros pequenos e médios espaços de lazer. Haveria a edificação, não de espaços para fins utilitários, mas de espaços de vida, adequados para viver fora do horário de trabalho, para passeios, para o esporte, ou noitadas no fim de semana, ou no período de férias. Os museus seriam um desses espaços alternativos para viver.





O lazer

Segundo DUMAZIDIER (1980:13)


“não se pode mais aceitar a idéia do lazer como uma compensação do trabalho. Há toda uma espécie de reivindicação, de contestação humana que está sob o lazer. Há toda uma promoção de valores novos, paralela a uma contestação de certas formas de trabalho e de obrigações sociais”.


No estudo das relações entre o Trabalho e o Lazer, é preciso focalizar o fenômeno na sua dualidade: o Lazer como produto da situação de Trabalho, e também, como ação direta ou indireta sobre o Trabalho. As duas colocações são necessárias frente a uma sociedade que podemos classificá-la como “Sociedade do Trabalho” ou “Sociedade do Consumo”, onde o Ter é mais importante que o Ser.

KRIPPENDORF (1989:151) comenta que a nova atitude frente ao lazer poderia, inclusive, tornar-se positiva para a perspectiva da redução do tempo de trabalho. Trabalhar menos abriria o caminho para mais humanidade no trabalho, no lazer, na vida inteira. Tudo leva a crer que a revolução silenciosa que vai transformar o sistema de valores de nossa sociedade industrial e, assim, a nossa vida cotidiana esteja de fato em marcha e que se propagará rapidamente.

Mas é Jost Krippendorf (op.cit.:151) mesmo que nos alerta: “sejamos realistas: estamos apenas no início de uma longa corrida, repleta de obstáculos, que não sabemos onde terminará nem onde nos conduzirá”.





O Turismo

Dentre os três enfoques do Turismo comentados por GÓMES (1988:61): A abordagem centrada na análise filológica (Turismo e Turista), o enfoque preso à perspectiva econômica e a abordagem sociológica; optamos pela última. Cientes da particular forma de relações humanas que o Turismo envolve.





O museu

Segundo o Conselho Internacional de Museus (ICOM:1987:3) “o museu é uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, voltada à pesquisa dos testemunhos materiais do homem e de seu entorno, que os adquire, conserva, comunica e, notoriamente, expõe, visando estudos, educação e lazer”.

Os museus nasceram, em geral, de uma profunda paixão, que alguém materializa ao reunir formas e superfícies ligadas ao mundo natural ou à cultura material criada pelo homem. Constitui-se, assim, a base indispensável, o acervo, para então ser implementado um processo permanente de trabalho museológico, que abarca distintos campos, como o patrimonial, o investigatório, o educacional, o comunicacional, o preservacional e o dos estudos específicos da tipologia do museu (LOURENÇO, 1997:7).

Ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, os museus desenvolveram e vem aperfeiçoando toda uma metodologia de trabalho, definindo os diferentes momentos do trato curatorial dos objetos, coleta, conservação, documentação, exposição e ação educativa. Numa visão interdisciplinar, organizacional e processual. Esse aprimoramento nos leva a uma relação maior com a atividade do Turismo e do Lazer que podem contar cada vez mais com os Museus como atrativos turísticos e locais de recreação.





Espaço e museus: por um patrimônio integral

Devemos ressaltar sobretudo que, em uma sociedade de consumo como aquela em que vivemos, os museus constituem-se em um segmento de mercado importante, seja enquanto consumidores de uma imensa série de produtos, equipamentos e serviços, sejam enquanto criadores de estímulos para o turismo cultura. Os museus fixam-se como espaços da cultura e como tal um espaço consumível.

Apesar de todos os problemas e descaminhos, os processos museais brasileiros não podem ser desprezados por aqueles que falam em preservação, desenvolvimento sustentável, globalização cultural e exclusão social. Para cada uma destas esferas, comuns aos dilemas contemporâneos, os museus têm implicações e responsabilidades muito definidas. Equilibrando-se, muitas vezes, entre os compromissos com a salvaguarda e comunicação das referências patrimoniais, as instituições museológicas podem colaborar com a difícil tarefa de explicar o Brasil e, ao explicar como somos, nos ajuda a entender e respeitar os que são diferentes de nós.


“Essa historicidade do homem, de que ele se faz cada vez mais consciente ao mesmo tempo em que conhece sua finitude, leva-o a aspirar a sua transcendência. Essa transcendência que ele só irá encontrar no sonho que arquitetou, na Ciência que produziu, no artefato que logrou construir, na compreensão que deu aos objetos do mundo ao seu redor, naturais ou modificados pelo seu trabalho; este registro e este trabalho que irão se agasalhar nos museus, sob a forma de objetos e artefatos, marcando a perenidade da ação e da inteligência compreensiva e modificadora do homem, aquilo que marca a sua transcendência e redime a sua finitude”
(RÚSSIO, 1979).



Analisando as palavras de RÚSSIO, poderíamos dizer que é uma boa definição de patrimônio integral, situando os museus como espaço de cultura dos homens onde seus pertences, sua cultura materializada pode ser revistada constantemente. Os museus assumem o papel de poderosos meios educativos ao alcance da atividade turística e recreacional..





Considerando alguns pontos

Concordamos com BRUNO (1996:12)


“Os museus brasileiros tem contribuído para melhor compreensão deste universo caleidoscópio que envolve o ‘meio’ e a ‘raça’ deste território e desta nação, serviram em alguns momentos como expressão de um projeto nacional, e tem demonstrado a multiplicidade de formas e cores que na base dos distintos processos criativos que aproximam e misturam as influências nativas, africanas e européias. Cabe destacar, ainda, que os Museus desse país nos têm ajudado a compreender o que somos, a conhecer a Ciência que produzimos e a arte que elaboramos da mesma forma, estas instituições registram nossas fronteiras geográficas, sinalizam em direção à contribuição dos imigrantes e nos permitam conhecer a longevidade dos nossos povos”.



Entretanto temos uma formação em Museologia deficitária, poucos cursos nos níveis de extensão, graduação e pós-graduação. A disciplina Museologia também não é muito comum nas grades de outros cursos. Os cursos de Turismo, dada a relação e a necessidade de trabalhar com os Museus e o Patrimônio - atrelado ao crescimento desse setor universitário - poderiam colocar em sua grade esta disciplina. Inicialmente teríamos a falta de profissionais, isso poderia forçar o desenvolvimento da Museologia no Brasil.

Portanto atuar em relação à formação teórica, nos dias de hoje da Museologia, significa preparar os indivíduos para o trabalho ‘sobre o outro’, ‘com o outro’ e ‘para o outro’, a partir do conceito de patrimônio integral, sem esquecer o peso e a importância das coleções e das instituições museológicas tradicionais.
 
1 Geógrafo, Professor do Colegiado de Geografia do Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), coordenador do Grupo de Estudos de Cartografia (GECART) da mesma instituição, mestre em Geografia pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutorando em Geociências na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Autor de inúmeros trabalhos na área de Geografia, Turismo e Cartografia.