Outros artigos
Porque a metodologia científica é importante nos cursos de pós-graduação
Arqueologia e Turismo: duas ferramentas para a construção, gestão e manutenção do patrimônio cultural
Turistas de negócios na cidade de São Paulo: teoria versus a realidade
JUNHO/2006: A insustentável leveza do patrimônio cultural: memória e marketing
O Pulo do Lápis: do guarda-roupa para a pesquisa acadêmica
Artigo
Artigo

 
Museus, Turismo e Lazer: uma realidade possível
Camilo de Mello Vasconcellos1
 
O Patrimônio Cultural, que pode estar representado em diversos locais, encontra nos museus um cenário ideal para ser exibido. Particularmente na América Latina, onde os índices de analfabetismo ainda são consideráveis, a cultura visual teve e ainda tem um peso enorme em toda a história do continente.

Nesta região, inclusive, o número de museus vem crescendo vertiginosamente especialmente nos últimos quarenta anos. O impacto trazido pela construção e inauguração do Museu Nacional de Antropologia da Cidade do México em 1964, não só pela sua monumentalidade, mas especialmente pela participação de culturas indígenas na sua concepção museográfica, acabou trazendo um grande número de inquietações e questionamentos a respeito da função social e educacional desta instituição.

Ao lado disso, outro desafio para os museus latino-americanos, foi o de tornar acessíveis as coleções museológicas para um espectro maior de públicos que não apenas uma elite econômica. O reconhecimento da importância do papel educativo dos museus acabou trazendo inúmeras discussões que estão ampliando a importância da atuação destas instituições não só junto ao público escolar, mas também para outros segmentos de visitantes.

Apesar de todo este processo de discussões ainda persiste junto ao senso comum, especialmente no Brasil, uma visão que identifica os museus como “locais de coisas velhas”, onde ainda encontram-se exposições herméticas que não contribuem para o entendimento de suas mensagens.

Ao mesmo tempo, fruto da sociedade globalizada em que vivemos surgem os “novos mecenas culturais” e as chamadas “mega-exposições”, que utilizam os museus tradicionais como simples “entrepostos de objetos”.

Nesse contexto, qual deve ser o papel dos museus como preservadores e comunicadores de um patrimônio que pertence a todos? Como ampliar e dar acesso a novos públicos (e não apenas o escolar) que ainda hoje estão fora do universo museológico? Como aproximar e estabelecer uma relação profícua entre referências patrimoniais, museus e o segmento do turismo, já que este público também vem se apropriando do universo museológico de maneira tão significativa?

Ao contrário de países como França, Estados Unidos, Espanha e outros que já reconheceram há bastante tempo o atrativo turístico exercido pelos museus, na América Latina esta discussão é muito mais recente. Mesmo assim, considero que em nosso continente temos um papel relevante para desempenhar junto às políticas culturais contemporâneas na sua possível relação com o segmento do turismo. Para isso é necessária uma série de ações conjuntas que promovam uma eficaz parceria entre estas duas áreas de atuação.

Em primeiro lugar devemos reconhecer que o museu pode converter-se em instrumento para fortalecer as identidades e a integração das comunidades e dos povos, promovendo a tolerância, o respeito mútuo e a aceitação da diversidade cultural.

A partir desta premissa o museu deve participar, junto às suas comunidades e operadoras de turismo, no planejamento e definição de objetivos, conteúdos, gestão e formas de promoção, buscando-se integrar aos circuitos do turismo cultural. Obviamente esta aproximação deve sempre levar em conta o saudável aproveitamento do potencial destas instituições na perspectiva de uma atuação que venha de encontro ao principal papel já referido do museu: a questão da preservação de suas referências patrimoniais.

É necessário que para isso os profissionais dos museus estejam abertos a um diálogo profícuo com os profissionais do turismo, para definir conjuntamente soluções que respeitem tanto o patrimônio como às comunidades e que satisfaçam ao mesmo tempo aos turistas. É um grande desafio, mas que deve ser enfrentado tendo em vista algumas experiências já desenvolvidas com sucesso não só em alguns países europeus e dos Estados Unidos, mas também no México e na Costa Rica.

Sabemos que isto não ocorre num “estalar de dedos” e o melhor caminho para iniciarmos esta relação deva ser a criação e a implementação de cursos e programas de formação e treinamento de pessoal em todos os níveis de ensino. Isto possibilitaria formar profissionais multidisciplinares, capacitados para trabalhar na coordenação e no desenvolvimento de planos, programas e projetos turísticos e patrimoniais.

Isto já vem ocorrendo no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, onde o setor educativo existente nesta instituição abre também aos profissionais do turismo, a possibilidade de que estes participem do programa de treinamento dirigido ao aproveitamento de suas exposições museológicas.

Existem também outras iniciativas de sucesso no país tais como a Fundação Museu do Homem Americano em São Raimundo Nonato, Piauí. Neste local há uma associação entre a pesquisa arqueológica, museu de sítio, museu ao ar livre e produção de peças artesanais de cerâmica. Além disso, é colocado à disposição do público o conhecimento existente sobre os mais de 400 sítios encontrados na área permitindo a visita in loco das jazidas arqueológicas. O projeto foi concebido também como um pólo de atração turística, visando não só divulgar o patrimônio existente, mas também desenvolver uma economia auto-sustentável numa área onde são poucas as possibilidades de trabalho.

Neste contexto, caberia uma questão: quais são as instituições museológicas ou “museus a céu aberto” em que poderíamos realizar experiências e reflexões bem sucedidas como as descritas acima, se nos debruçarmos sobre a realidade patrimonial do município de Santos?

Obviamente, com toda a importância histórica deste município não só para o Estado de São Paulo, mas também para o nosso país, poderíamos pensar numa plataforma de atuação riquíssima.

Eis um desafio que apresento para reflexão e discussão no âmbito do curso.Cidade e História: Meio Ambiente Lazer e Turismo.
 
1Doutor em História Social pela USP. Atua há 17 anos como Educador do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP onde também foi Chefe do Setor Educativo e do Serviço Técnico de Musealização (1995-2001). Exerce também a atividade de Professor do Curso de Turismo das Faculdades Integradas Rio Branco.