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Artigo
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NOVEMBRO/2005: Centros de Memória Corporativos e a democratização da informação
Daniele Juaçaba 1
 
RESUMO: O artigo objetiva apresentar resumidamente como surgem os Centros de Memória e Documentação Corporativos, o que são e quais as possibilidades de ações que podem ser desenvolvidas tanto na vertente estratégica quanto na social. Mais do que reunir documentos históricos de uma empresa, um Centro de Memória é responsável pela disponibilização do acervo, o que contribui para a reconstrução da história / identidade de uma comunidade, bairro, região e país, mas principalmente do ser humano, o cidadão.

ABSTRACT: The objective of the article is to present a summary of the Memory & Corporate Document Centers: how they were created, what they are and what actions could be developed, as regards both strategy and social responsibility. A Memory Center does not just collect historical corporate documents, it is also responsible for that collection,
contributing to the reconstruction of the history/identity of a community, neighborhood, region or country, but mostly the history/identity of the human being, the citizen.





Anúncio do Óleo Salada.
19323
Autor desconhecido.
Fundo Comunicação Sanbra.




Na década de 80, as empresas brasileiras começaram os primeiros movimentos de reestruturação administrativa para acompanhar as transformações dos mercados mundias, que nos anos seguintes levariam rumo à globalização.

Com tantas mudanças, muitas empresas perceberam que o desafio era não perder a sua identidade institucional, que estava diretamente ligada à memória da organização.

Assim, nasceram vários tipos de projetos de resgate da memória empresarial, sendo os Centros de Documentação e Memória Corporativos os modelos mais completos. Mas o que são Centros de Memória Corporativos? Por que criá-los?

Os arquivos têm como objetivo comprovar; as bibliotecas instruir e informar. Já os centros de memória, que se parecem com museus, além de informar e instruir, em alguns casos tem como objetivo provar.

Um Centro de Memória Corporativo pode trabalhar em duas áreas, a estratégica e a social. Na estratégica, a empresa se beneficia de sua história como um instrumento de gestão, para o aumento da eficiência nas tomadas de decisão e planejamento, pois, muitas vezes, conhecer o passado evita a perda de tempo com retrabalhos e redundâncias.

Já na área social, os centros seguem o conceito de que a história de uma empresa é também a história das pessoas que participam de sua trajetória, das comunidades com as quais interage, além de ser parte da história do País e, por isso, deve ser usada na construção do conhecimento da sociedade.

Os centros têm a importante função de acolher a comunidade, sendo responsável pelo contato da mesma com o vasto material de seu acervo, contribuindo, desta forma, para o processo de aprendizagem, a inclusão social e a consolidação da cidadania e da identidade nacional.

Nestes locais são desenvolvidas diversas ações educacionais e de difusão cultural, como exposições, atendimento a pesquisas e projetos de educação patrimonial e os profissionais que atuam neste segmento têm, hoje, o importante desafio de transformar, cada vez mais, os centros de memória em espaços de incentivo à cultura preservacionista e de despertar na comunidade o interesse e a demanda por outros locais onde possam ter acesso às informações.




Visita de Getúlio Vargas à Fábrica de Tecidos Tatuapé. São Paulo/SP
1940
Autor desconhecido.
Coleção S.A. Moinho Santista e Empresas Associadas.




A Bunge é um exemplo de empresa que possui um centro de memória voltado à preservação de seu patrimônio histórico. Mais do que isso, ela é um exemplo de democratização de toda esta informação, por meio de ações educativas e projetos de difusão cultural.

Localizado no Centro Empresarial de São Paulo, o Centro de Memória Bunge, criado em 1994, possui mais de 600 mil imagens, 130 mil metros lineares de documentos, mais de 3 mil peças audiovisuais, cerca de 1.200 documentos, além de 100 horas de depoimentos de funcionários que contribuíram para o desenvolvimento das empresas Bunge no Brasil. Todo esse material pode ser consultado gratuitamente pela população.




Linha de produção da Margarina Delícia. São Paulo/SP.
1959
Autor desconhecido.
Fundo Comunicação Sanbra




O Centro de Memória Bunge recebe ainda visitas de alunos de escolas públicas de São Paulo, nas quais são sensibilizados para a importância da memória e da preservação por meio do contato com peças do acervo histórico, produção de desenhos e leitura. Além disso, oferece mensalmente as Jornadas Culturais, palestras e oficinas gratuitas ministradas por renomados profissionais especializados em história e arquivística e presta consultoria a empresas interessadas em organizar instituições voltadas ao resgate e preservação da memória e também na assessoria a processos de prestação documental e noções básicas para organização de acervo.



Centro de Memória Bunge

A Bunge, gigante do agronegócio, completa um século de operações no Brasil este ano. A empresa foi participante ativa, em diversas áreas da indústria, do agronegócio, da moda, entre outras, das transformações ocorridas ao longo do tempo. Foi ainda criadora de ícones como o óleo Salada e a margarina Delícia. Nada mais natural que buscasse preservar, parcelas importantes dessa história, com a criação, em 1994, do Centro de Memória Bunge.



Cais do Porto. Santos/SP.
Sem data.
Autor desconhecido.
Coleção Moinho Santos.




Naquele ano, a Bunge acabara de iniciar um processo de fusões, aquisições e vendas que culminou na sua estrutura atual, formada pelas empresas Bunge Fertilizantes, Bunge Alimentos e Fertimport, além da Fundação Bunge. A impressionante massa documental descoberta nessas empresas foi reunida, pela Fundação Bunge, entre os anos de 1995 e 1997, e resultou na formação do acervo do Centro de Memória, que se comprometeu a preservar essa história e disponibilizá-la à comunidade. O resgate, que demandou visitas de técnicos a 44 unidades industriais da Bunge, foi centrado nos departamentos de comunicação (jornais, informativos), marketing (campanhas, pesquisas) e recursos humanos. Arquivos inativos e doações de funcionários e ex-funcionários completaram o trabalho.

O Centro de Memória tem como objetivo resgatar, tratar e disponibilizar a história da Bunge. Seu acervo é formado por mais de 600 mil documentos : imagens de personalidades da memória nacional, como Getúlio Vargas e Gaspar Dutra em visita às unidades fabris da Bunge, e Hebe Camargo, “rainha da tv brasileira”; peças de campanhas publicitárias, como a da margarina Flor, lançada em 1975 simultaneamente com o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos; obras de renomados artistas como Victor Brecheret e Bruno Giorgi; mais de 100 horas gravadas de depoimentos de funcionários e ex-funcionários sobre o cotidiano de trabalho e as transformações da organização. Um dos documentos mais expressivos do acervo é um alvará de 1887, época do Império, concedido pela princesa Isabel, autorizando o funcionamento do Moinho Fluminense.

Tudo isso é mantido por uma equipe de especialistas das áreas de história, ciências sociais e arquivística. O Centro de Memória ocupa um espaço de 220m² de grande visibilidade para o público, localizado no shopping do Centro Empresarial de São Paulo, na região de Santo Amaro (capital).

O Centro de Memória Bunge atua em três áreas distintas: Gerenciamento da Informação, Prestação de Serviços e Difusão Cultural/Ação Educativa. Esta última é bastante focada na difusão da cultura preservacionista, com ações como Educação Patrimonial, Jornadas Culturais e Exposições Temáticas.

Recebe visitas de alunos de escolas públicas do ensino fundamental (da 1ª à 4ª série), no projeto Educação Patrimonial. Nele, os alunos são conduzidos a um processo de sensibilização para a importância da memória e da preservação. Eles passam duas horas no Centro de Memória e recebem, ali, conceitos sobre memória e preservação, entendem a importância de se ter espaços como museus e bibliotecas, têm contato com objetos antigos do acervo histórico, como graphotype e máquina de escrever, que servem para explicar os processos evolutivos até chegarmos ao computador; realizam a leitura do livro “Guilherme Augusto Araújo Fernandes”, de Mem Fox, onde a questão da memória é tratada de forma simples e carinhosa através da visão de uma criança e produzem desenhos. Assim, eles se vêem como agentes da história, auxiliando na percepção e na prática preservacionista no ambiente escolar, – na preservação da carteira escolar, do livro, do edifício escolar, da quadra de esportes etc - constituindo-se também em lições de cidadania.

No espaço também são realizadas exposições temáticas, que além de ampliarem a divulgação do acervo, levam conhecimento ao público e, assim, mais uma vez, reforçam o papel do Centro de Memória no âmbito da responsabilidade histórica e na difusão do conhecimento.

Além disso, ainda são realizadas as Jornadas Culturais, com o objetivo de abrir espaço para a comunidade e fazer dele um local de estímulo à preservação e reflexão sobre a memória. São palestras e oficinas oferecidas gratuitamente à comunidade, com renomados profissionais das áreas relacionadas à História, Preservação e Informação. A grande virtude desses eventos é reunir um público amplo e eclético, que vai desde o pesquisador especializado ao historiador, até à dona de casa interessada nos temas em discussão – como formar e organizar museus de bairro, o papel da fotografia na sociedade, a informação na era do conhecimento e outros.




Vista do Porto da Unidade Industrial Moinho Santos. Santos/SP.
Anos 1930.
Autor desconhecido.
Coleção Moinho Santos




A área de Gerenciamento da Informação é reponsável pela manutenção do acervo, organizado em coleções e fundos de arquivos que são identificados e colocados à disposição de pesquisadores por meio do Guia Eletrônico do Centro de Memória, instrumento de pesquisa baseado na Norma Internacional de Descrição Arquivística-ISAD(G), que estabelece uma linguagem universal. O guia é o elo entre o acervo e o pesquisador e está disponível, desde 2004, para pesquisa pelo público interno e externo por meio do site da Fundação Bunge (). Em tempo: essa é a primeira vez que um centro de memória empresarial disponibiliza um guia eletrônico baseado na norma da ISAD(G).

A área de Prestação de Serviços está voltada para o atendimento às pesquisas. As demandas são atendidas desde 1995 e se intensificaram desde então, atingindo o total de 8.000 pesquisas em 2005. A área também é responsável pela integração de novos funcionários, transmitindo a eles a história, a cultura, a identidade e os valores da Bunge. Em 2004, houve um aumento de 100% no envio de documentos para esse espaço, atestando o compromisso dos funcionários Bunge com a prática da cultura preservacionista.

A difusão do conhecimento adquirido no tratamento da informação e na preservação da memória é parte integrante da filosofia do Centro de Memória Bunge, que transmite esse importante conhecimento, de forma gratuita, às empresas e entidades que têm interesse na implantação de centros de memória ou projetos de preservação do patrimônio histórico. Já visitaram o espaço, com essa finalidade, empresas e entidades como Fundação Abrinq, Nestlé, Bosch, Agroceres e Boticário.

Enfim, o Centro de Memória Bunge é um organismo vivo e dinâmico, pronto para acompanhar a história do desenvolvimento cultural e econômico do país e garantir o direito à informação na construção da cidadania.
 
1 Bacharel e licenciada em História pela PUC/SP, participou do curso de extensão sobre arquivologia pela PUC/COGEAE. Desde 1997 atua na área de Gerenciamento de Informações, coordenou projetos de implantação de
Centros de Memória e Informação de empresas como Multibrás, Corn Products, Milenia e Bovespa e consultorias na implantação de Projetos de GED por meio do RIM (Recorder Information Management). É coordenadora do Centro de Memória Bunge.