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A Baixada Santista nos depoimentos de viajantes do século XIX
Olga Tulik1
 
RESUMO: O objetivo dessa pesquisa é contribuir para o conhecimento histórico da geografia regional. Ele discute sobre o passado da Baixada Santista, registrado nos relatos dos viajantes do século XIX.

ABSTRACT: The objective of this research is giving any contribution about historical knowledge of regional geography. It deals about the past of Baixada Santista registered on works of travellers in nineteen century.

A Baixada Santista: porta de entrada para o planalto

No século XIX, o Brasil recebeu a visita de inúmeros viajantes estrangeiros, entre os quais estavam naturalistas, militares, religiosos, engenheiros e outros, de formação e interesses variados, que deixaram registradas suas impressões sobre aspectos diversificados da terra brasileira e de sua gente.

Alguns destes visitantes alcançaram o território paulista e, como não poderia deixar de acontecer, a Baixada Santista, em virtude da existência de seu porto e da posição que ocupa como porta de entrada para o planalto, mereceu a atenção de algumas observações.

O relato desses viajantes2, que chegaram por via marítima vindos do Sul e do Rio de Janeiro, ou por via terrestre, alcançando São Paulo pelo Vale do Paraíba, envolve um período de progresso no domínio ambiental, como reflexo de mudanças ocorridas na antiga Capitania de São Paulo. É que o território paulista, que ainda em fins do século XVIII iniciara seu reerguimento econômico graças à cultura da cana e ao comércio do açúcar, passaria a contar, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, com um novo elemento – o café, capaz de introduzir consideráveis transformações na organização de todo o seu espaço atingindo, inclusive, a Baixada Santista.

Localizada na porção central do litoral do Estado de São Paulo, a Baixada Santista3 deve sua importância atual a dois fatores principais: às condições vantajosas de seu sítio que abriga o porto de Santos e à privilegiada situação de que desfruta em relação à cidade de São Paulo, ponto de entroncamento das comunicações interioranas que faz convergir para a região toda a produção de sua vasta hinterlândia.

No passado, assim como no presente, o espaço da Baixada Santista organizou-se em função das relações entre o porto e o planalto. Delas não se desvincularam sequer as recentes funções industrial e de veraneio, ambas alicerçadas na matéria-prima e no capital proveniente do planalto, e no elevado número de paulistanos que buscam a orla marítima.

Todavia, se tais fatos concorrem para explicar a importância econômica e demográfica da Baixada Santista dos dias atuais, convém frisar que a sua posição como porta de entrada para o planalto definiu-se desde o início da colonização portuguesa. Deve ser lembrado, ainda, que, no passado, o peso das condições ambientais, ainda não vencidas pela técnica, além de ser maior, representou constantes problemas para a comunicação com o interior e, portanto, para o escoamento das riquezas dali provenientes, assim como para o próprio ordenamento do espaço santista.

Condições naturais

Área complexa do ponto de vista fisiográfico4, a Baixada Santista compreende uma parte continental e outra insular representada pelas ilhas de São Vicente, de Santo Amaro e outras menores; nesse conjunto de terras, o caráter dominante, e que lhe confere uma certa unidade, é a extensa planície sedimentar quaternária, interrompida por afloramentos do embasamento pré-cambriano e perfeitamente delimitada por sucessivas escarpas da Serra do Mar.

Processados pela ação contínua da deposição fluvio-marinha, os sedimentos carreados das escarpas, dos maciços e dos morros isolados, além de materiais de origem marinha e de matéria orgânica fornecida pela decomposição dos detritos da cobertura vegetal têm contribuído para a colmatagem das áreas adjacentes concorrendo, também, para o estrangulamento dos canais e para o entulhamento do estuário santista. Acrescente-se, a isso, a ação antrópica que, contribuindo para a instabilidade ecológica, tem ocasionado, através dos tempos, transformações ambientais.

A drenagem anastomosada que predomina na Baixada Santista, adaptada à estrutura e à natureza das rochas, confere à paisagem um aspecto encharcado e labiríntico que é acentuado em razão da pequena declividade da planície e da elevada descarga pluviométrica que aí se verifica.

Com efeito, esta área apresenta aqueles característicos próprios das baixadas litorâneas quentes e úmidas do mundo tropical5. O fato de estar situada sob o Trópico de Capricórnio, além de ser banhada pelo Oceano Atlântico, contribui para explicar as elevadas médias térmicas anuais superiores à 20º C. Por outro lado, "a disposição do relevo e a orientação da costa em relação à circulação atmosférica regional”6 constituem fatores importantes que explicam a pluviosidade, cujas médias anuais estão compreendidas entre as isoietas de 2000 a 2500 mm.

A vegetação de mangue, favorecida pelas condições ambientais, aparece extremamente desenvolvida na região. E, se no presente, consideráveis porções foram conquistadas pelo homem, no passado, os manguezais recobriam vastas extensões das ilhas de São Vicente e de Santo Amaro, alcançando a base de ramificações da Serra do Mar, no continente. Ainda hoje esse aspecto pode ser observado nas áreas de rarefação demográfica como ocorre no sopé do Morro das Neves e das Serras do Mourão e do Quilombo.

A natureza na perspectiva dos viajantes

A obra dos viajantes que, entre 1807 e 1861, passaram pela Baixada Santista contém várias informações significativas para a reconstrução do passado geográfico dessa área.

Notícias sobre as condições climáticas são freqüentes: Florence registra, em setembro, 20 dias de chuva em Santos, afirmando não ser este fato estranho, visto ser a localidade de clima úmido e chuvoso quase todo o ano e que raramente tem-se um dia de sol7; Kidder8 e Florence9 encontraram neblina na serra; e Mawe, tendo chegado no mês de dezembro, assinalou as chuvas torrenciais da estação10, sendo que, ao voltar de São Paulo, ficou detido no Cubatão pelas mesmas razões.11

Florence, referindo-se a Cubatão, considerada uma das mais poluídas cidades do mundo em nossos dias, considera que a "atmosfera não é ali, nem será nunca, perfeitamente salubre", pois está "situada na mesma planície, ou para melhor dizer, entre os mesmos pântanos que Santos e não há quase dia em que deixe de chover". Continuando, explica que as "altas montanhas que encerram a várzea ao sul e as florestas que lhe revestem o dorso atraem as nuvens e as prendem, produzindo continuadas chuvas..."12

Alincourt observa que o clima de Santos "é muito cálido, principalmente quando, no estio, venta o Noroeste, que se torna insuportável"13, enquanto Zaluar nota o aspecto sombrio e pesado de Santos para o qual muito concorrem a natureza do clima e o ar que aí se respira.14

Alincourt chama a atenção para o perigo que os furacões de sudoeste representam para as embarcações à embocadura da barra. Assinala ainda que "a extensão da barra, desde a sua entrada até que muda de rumo a Lés-nordeste, é inteiramente fustigada pelo Sudoeste, Sul e Sueste; mas dobrando-se a ponta da Fortaleza, na Ilha de Santo Amaro, entra-se em um ancoradouro, ao abrigo de todos os ventos..."15 Inicialmente, a organização do território da Baixada Santista ocorreu em função do primitivo porto de Santos e da produção do planalto. Desses dois fatores fundamentais decorreram, em épocas diversas e em ritmos diferentes, interferências no espaço que contribuíram para a transformação da paisagem local.

O sítio portuário

A escolha do sítio onde se instalou o primitivo porto definiu-se, desde cedo, em função da tendência corrente na época, que elegia locais abrigados e seguros, não distantes dos modestos centros consumidores. As mercadorias trazidas do exterior eram levadas através do largo do Caneú e do rio Cubatão até o sopé da Serra do Mar e dali alcançavam o planalto. Da mesma forma, a produção do interior era trazida serra abaixo e transportada por águas interiores até o porto.

Mawe, que passou por Santos em 1807, registra essas qualidades essenciais de segurança e abrigo às quais acrescenta um "bom ancoradouro” de regular profundidade.16

Algumas das condições do sítio portuário, como o acesso e a profundidade, foram analisadas por Alincourt. Referindo-se à barra, ele a descreve com tendo "fundo sobejo para navegarem as maiores naus; pois não desce de sete, e oito braças, na baixa-mar". Considerou ele que o porto é protegido e dotado de bom ancoradouro, ao abrigo de todos os ventos, e com bom fundo, "entre 19 e 13 braças por um não pequeno espaço". Acrescenta Alincourt que o "ancoradouro de Santos é muito bom; os navios estão próximos à terra e chegam mesmo aos trapiches para carregar". Segundo ele, o porto de Santos "é um dos melhores e mais abrigados deste Império"17

Posteriormente, com o avanço da técnica superando as deficiências das condições físicas, abrigo e ancoradouro natural tornaram-se componentes dispensáveis; além disso, com o aumento do calado das embarcações, a profundidade da bacia portuária santista mostrou-se inadequada e, até hoje, o porto paga pesado tributo à sua instalação num estuário constantemente assoreado, que deve ser permanentemente dragado para poder cumprir suas funções”.18

No decorrer do período em que Santos foi visitada pelos viajantes (1807--1861) seu porto sempre foi reconhecido pela importância que desempenhava no sistema de relações com o planalto e com todo o exterior. É o que se depreende das observações feitas sobre ele: "porto de embarque de São Paulo", "considerável empório comercial, serve de armazém à grande Capitania de São Paulo"; "primeiro porto da interessantíssima Província de São Paulo"19 e de um comércio considerável;20 "um porto de grande comércio ... ", "porto mais importante de toda a Província e entreposto exclusivo do comércio de importação e exportação que busca a parte setentrional de São Paulo ";21 "Santos é o porto principal da Província de São Paulo",22 "primeiro porto marítimo de São Paulo".23

Além disso, o porto de Santos tinha a sua importância assegurada pelo fato de estar localizado no rumo Sul, destacando-se como ponto obrigatório de escala para os navios que comerciavam com o rio da Prata.24

Na Baixada Santista, a presença das barras de São Vicente, da Bertioga e de Santos garantia acesso e saída por via aquática, rumo ao planalto ou ao exterior. O percurso prolongava-se até o sopé da serra por meio da rede de drenagem e, desta, ao planalto através da transposição de escarpas aproveitando os vales dos rios Mogi e Cubatão. Tais condições físicas favoreceram a instalação de um sistema de circulação, cujas vantagens foram amplamente exploradas até meados do século XIX, quando o caminho aquático foi preterido em favor do terrestre representado pelos aterrados e pela ferrovia. No século XX, com o advento do automóvel e com o avanço na técnica de construção de estradas, a Baixada Santista passou a contar com modernas rodovias asfaltadas que demandam diferentes pontos do litoral paulista.

O sistema de circulação

A circulação entre o porto de Santos e o sopé da Serra do Mar, desde o início da colonização, foi favorecida pela relativa facilidade de aproveitamento de suas águas interiores. Ao necessário acesso assegurado pela existência das barras, aliava-se o lagamar, representando possibilidade de deslocamento, nem sempre rápido e seguro, porém sem necessidade de grandes adaptações.

Em meados do século XIX, as viagens pelo litoral entre o Rio de Janeiro e Santos eram feitas em vapor, navios ou sumacas25, desprovidas do mínimo de higiene e conforto, sem leito ou cabine.26 Carne e toucinho mal preparados, além de feijão e farinha constituíam a base das refeições27; outras vezes, o passageiro devia levar o seu farnel.28 O mesmo percurso podia ser feito em canoas a remo, que seguiam margeando a costa29, aportando a cada noite. Desses fatos decorria que tais viagens eram consideradas perigosas "por causa de roubos dos caboclos e pelo perigo de encontrar tempestades".30

Normalmente as embarcações maiores tinham acesso pela Barra de Santos, a chamada Barra do Meio, enquanto as canoas entravam pela Barra da Bertioga seguindo por águas interiores até o porto. A duração do trajeto entre Rio de Janeiro e Santos variava muito em função do tipo de embarcação, das escalas em pontos intermediários e do estado do tempo, podendo levar dois dias31, 13 dias32 e até mais de três semanas.33

A inexistência de um caminho terrestre ligando o porto à Serra do Mar contribuiu para que, nesse trecho, até a primeira metade do século XIX, a circulação se realizasse do modo mais primitivo possível. Pirogas e saveiros navegavam por águas interiores, desde o porto até o sopé da serra, passando pelo largo do Caneú e pelo rio Cubatão. O ponto de ruptura, representado pelo término do transporte aquático, obrigava a uma mudança do meio de locomoção: trocava-se a canoa pela mula.

O percurso de Santos a Cubatão, seguido por Mawe em 1807, por Beyer em 1813, e por Florence em 1825, era feito em cerca de 24 horas; podia, entretanto, chegar a 48 horas ou mais, pois os remadores procuravam aproveitar unicamente a preamar, fundeando na maré vazante.34

A circulação e a exportação do açúcar

A circulação estava, então, subordinada às condições ambientais dominantes nesses estreitos como a pequena profundidade dos canais, a vegetação emaranhada dos mangues que "formam dosséis à passagem do viajante"35, inundações, especialmente nas marés de sizígia e a necessidade constante de aproveitar a preamar. Além disso, os ventos viravam as embarcações, ocasionando naufrágios e mortes.

Por outro lado, novas necessidades de circulação se manifestaram em face do aumento da movimentação das tropas em razão do transporte do açúcar. Convém lembrar que o movimento de produtos era razoável, considerando a época. Em princípios do século XIX já vinham do interior para Santos "muitas mulas carregadas de mercadorias, voltando com sal, ferro, cobre, louça de barro e manufaturas européias”.36 De Santos, seguiam para os territórios espanhóis e para o Sul do Brasil (Rio Grande) grandes quantidades de açúcar, café, aguardente, arroz, mandioca etc... e, em troca, o porto recebia peles e banha, geralmente exportados para a Europa"37. Em meados da segunda década do século XIX as embarcações transportavam continuamente mercadorias de Santos para o Cubatão e voltavam carregadas de produtos do país.38 As tropas de mulas que desciam de São Paulo vinham carregadas de açúcar bruto,39 toicinho, aguardente de cana e voltavam levando vinhos portugueses, fardos de mercadorias, ferragens...40 Kidder, em 1839, assinala carregamentos de açúcar e de outros produtos agrícolas que vinham do interior (café, algodão); no retorno levavam sal, farinha e toda espécie de artigos importados.41

Nesse sistema de circulação, que se estabeleceu entre o sopé da serra e o porto, os aterrados constituem a primeira tentativa feita no sentido de um domínio ambiental com vistas a um percurso terrestre.

Durante o governo de José Raimundo Chichorro (1786-1788) foi feito o aterrado da raiz da serra até à margem do rio Cubatão, onde era processado o transbordo de mercadorias. O trecho maior, entretanto, entre Cubatão e Santos, há muito desejado pelos moradores e comerciantes, fazia-se urgente por todas as razões expostas. O Capitão General Manoel de Mello Castro e Mendonça (1792-1802) chegou a iniciar as obras do aterrado até Santos, que só foi concluído em 1826, e inaugurado em 1827, no governo de Lucas Antonio Monteiro de Barros – o primeiro presidente da Província de São Paulo. Em 1831, o aterrado aparece assinalado num documento cartográfico, que hoje pertence ao acervo do Museu Paulista.42

Kidder, que em 1839 percorreu o aterrado a caminho de São Paulo, observou, no retorno, "grandes grupos de imigrantes alemães trabalhando na sua manutenção".43 Zaluar, em 1861, nota o "imenso aterrado que prende os últimos limites do grande chapeirão da cordilheira do Mar aos terrenos baixos do litoral atravessando um caminho desabrigado e ingrato, exposto aos rigores do sol e onde se observam apenas dignas de atenção as pontes do Cubatão e do Casqueiro"44 . O trajeto cumpria-se ao fim de duas horas.45

Manutenção das estradas: problema permanente

Dois aspectos chamam a atenção: a manutenção do aterrado, atividade corriqueira nas vias de circulação da Baixada Santista, em virtude das já mencionadas condições físicas, e a existência de novos pontos de ruptura no esquema de circulação terrestre, agora dominados pela técnica com a construção de pontes.

Em fins do século XVIII, a subida da serra se fazia pela chamada Calçada do Lorena,46 "estrada boa e bem pavimentada, mas estreita e devido às subidas íngremes, foi talhada em zigue-zagues, com voltas freqüentes e abruptas na ascensão", e protegida por parapeitos.47

Causa admiração aos viajantes do começo do século XIX a realização de uma obra tão cara, difícil e bem feita que pode ser comparada a poucas dessa natureza na Europa, numa região quase desabitada.48

A "estrada boa" e bem pavimentada existente em 1807, "ladrilhada" e ainda protegida por parapeitos em 1813,49 já não é a mesma em 1825. Constitui, no dizer de Florence, "péssimo caminho calçado de grandes lages, a maior parte deslocadas, o que torna a subida sobremaneira fatigosa", tangenciando precipícios de 200 a 300 pés de profundidade.50

A construção e a manutenção das vias de circulação, tanto na serra como na baixada, representaram, durante alguns séculos, permanentes problemas para os governantes. O domínio do meio exigia o controlo de técnicas que ainda não estavam ao alcance da sociedade da época. Assumiram importância maior as dificuldades decorrentes das condições próprias de baixadas litorâneas tropicais: chuvas excessivas e constantes, temperaturas elevadas, fraca declividade na baixada concorrendo para o difícil escoamento das águas, presença marcante de mangues, justamente no trecho entre a cidade de Santos e o sopé da serra, além da queda de barreiras na serra. Por outro lado, a existência de pontos de ruptura no sistema de circulação51 exigia a procura de soluções, como a construção de pontes; todavia, seja por falta do necessário apoio, seja por terem sido corroídas pelo gusano, as estruturas das pontes eram freqüentemente carregadas pelas enchentes. Deste modo, tornava-se oneroso, para uma província que atravessava dificuldades financeiras, a sua manutenção e reconstrução.52

Ao findar a terceira década do século XIX, a situação pouco mudara, pois a estrada, "uma das mais caras do Brasil", a despeito da perfeição original de sua pavimentação e de ser conservada e reparada constantemente, estava com diversas valetas causadas pela erosão e barreiras que só não eram colossais se consideradas em relação à altura das montanhas e aos enormes precipícios.

O parapeito observado por Beyer, em 1813, deixara de existir, pelo menos em alguns trechos, pois junto aos precipícios, "um único passo em falso precipitaria no vácuo a montaria e o cavaleiro, sem a menor probabilidade de salvação".53

Até o início de 1860 o problema da circulação na serra ainda não fora resolvido, pois Zaluar se refere a um declive bastante rápido, onde os caminhos mal conservados dificultam a jornada; chega mesmo a afirmar ser ele constituído de "trilhos medonhos" e que, apesar de tantas vezes melhorado, ainda faz lembrar os caminhos primitivos do início da colonização.54

Considerações finais

Na organização do território da Baixada Santista, do início ao fim do século XIX, a técnica, com a construção de aterrados, pontes e o traçado em zigue-zagues na serra, sobrepôs-se à organização natural representada, em parte, pelo sistema de drenagem. Por outro lado, novas necessidades econômicas, aliadas a múltiplos fatores, impuseram formas hierarquizadas e estruturadas em função do porto de Santos e do planalto, mas, interessando também aos pequenos aglomerados representados por Cubatão, São Vicente e Bertioga.

A análise dos fatores e elementos responsáveis pela organização do espaço da Baixada Santista no período considerado expressa, acima de tudo, relações entre o homem e o meio que mostram os diferentes graus de adaptação frente às influências da organização natural. A esse respeito, muito ainda poderia ser colhido no relato dos viajantes do século XIX.

Percebe-se que não escaparam à perspicácia desses viajantes esses fatores e elementos da organização do espaço, tal como se apresentavam na época, que interagindo-se e justapondo-se às condições conjunturais anteriores e posteriores ao mesmo período, respondem pelo passado geográfico da região. Por isso mesmo, resguardadas as falhas próprias destes relatos, tais informações prestam-se, perfeitamente, a uma análise de Geografia Histórica.
 
1Mestre, Doutora e Livre-docente pela Universidade de São Paulo. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação da ECA/USP. Bacharel e Licenciada em Geografia pela Unisantos. Professora do Curso de Especialização “Cidade e História: Patrimônio, Lazer e Turismo, da Universidade Católica de Santos-Unisantos. Coordenadora do Curso de Turismo da Faculdade Cásper Líbero - Fundação Cásper Líbero.

2John Mawe (1807), Gustavo Beyer (1813-1814), Luiz d’Alincourt (1818), Hercules Florence (1825), Daniel P. Kidder (1839) e Augusto Emílio Zaluar (1861).

3 Estudo completo sobre essa área foi efetuado por uma equipe de professores do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo sob a coordenação de Aroldo de Azevedo. Trata-se da obra "A Baixada Santista – aspectos geográficos", em 4 volumes, publicada pela Editora da Universidade de São Paulo, em 1965.

4 PENTEADO, Antonio Rocha - "A Ilha de São Vicente", em A Baixada Santista, volume 3, pp. 11-19.

5 SILVEIRA, João Dias da - "Baixadas litorâneas quentes e úmidas", em Boletim n.º 152 da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Geografia n.º 8, São Paulo, 1952.

6 MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo - "A dinâmica climática e as chuvas no Estado de São Paulo", Instituto de Geografia da USP, São Paulo, 1973, p. 122.

7 FLORENCE, Hercules - "Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas", São Paulo, CULTRIX-EDUSP, 1977, pp. 1-2.

8 KIDDER, Daniel P. - "Reminiscências de viagens e permanência no Brasil", Livraria Martins – Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p. 174.

9 FLORENCE, Hercules - obra citada, p.8.

10 MAWE, John - "Viagens ao interior do Brasil", Coleção Reconquista do Brasil, vol. 33, Editora Itatiaia – Editora da Universidade de São Paulo, 1978, p 62.

11 MAWE, John - obra citada, p. 75.

12 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 6.

13 ALlNCOURT, Luiz d’ - "Memória sobre a viagem do porto de Santos à cidade de Cuiabá", em Anais do Museu Paulista, volume XIV, São Paulo, 1950, p. 269.

14 ZALUAR, Augusto-Emílio - "Peregrinação pela Província de São Paulo (1860-1861", Biblioteca Histórica Paulista, Livraria Martins Editora, São Paulo, 1963, p. 192.

15 ALINCOURT, Luiz d’ - obra citada, p. 264.

16 MAWE, John - obra citada, p 59.

17 ALINCOURT, Luiz d’ - Obra citada, pp. 8-9.

18 A propósito de sítios portuários antigos, consultar: PENTEADO, Antonio Rocha - " A Geografia - fonte da História Portuária", em Memória da IV Semana da História, pp. 245-250, UNESP, Campus de Franca, 1982.

19 MAWE, John - obra citada, p. 59.

20 ALINCOURT, Luiz d’ - obra citada, p. 9.

21 FLORENCE, Hercules - obra citada, pp. 1-2.

22 KIDDER, Daniel P - obra citada, p. 161.

23 ZALUAR, Augusto-Emílio - obra citada, p. 195.

24 MAWE, John, obra citada - p. 59.

25 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 1.

26 BEYER, Gustavo - "Ligeiras notas de viagem do Rio de Janeiro à Capitania de São Paulo, no Verão de 1813, com algumas notícias sobre a cidade da Bahia e a ilha Tristão da Cunha entre o Cabo e o Brasil e que há pouco foi ocupada", em Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XII (1907), São Paulo, 1908, p. 282.

27 BEYER, Gustavo - obra citada, p. 282.

28 KIDDER, Daniel P - obra citada, p. 170.

29 MAWE, em 1807, seguiu desta forma para o Rio de Janeiro por não ter conseguido encontrar acomodações em Santos.

30 BEYER, Gustavo - obra citada, p. 282.

31 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 1 e KIDDER, Daniel P., obra citada, p. 167.

32 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 1.

33 BEYER, Gustavo - obra citada, p. 283.

34 ALINCOURT, Luiz d’ - obra citada, p. 270.

35 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 3.

36 MAWE, John - obra citada, p. 59.

37 Idem.Ibidem.

38 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 2.

39 Em 1825 Hercules Florence avaliou em 500 a 550 000 arrobas anuais a quantidade de açúcar que transitava pelo Cubatão.

40 FLORENCE, Hercules - obra citada, p. 2.

41 KIDDER, Daniel P. - obra citada, p. 168.

42 TULIK, Olga - "Documento de interesse para a Geografia Histórica de São Paulo", em Anais do Museu Paulista, volume XXIII, pp. 111-121.

43 KIDDER, Daniel P - obra citada, p. 254.

44 ZALUAR, Augusto-Emílio - obra citada, p 192

45 Idem. Ibidem.

46 Executada no governo de Bernardo José de Lorena (1788-1797).

47 BEYER, Gustavo - obra citada, p. 284.

48 MAWE, John - obra citada, p. 61 e BEYER, Gustavo, obra citada, p. 284.

49 MAWE, John - obra citada, p. 60 e BEYER, Gustavo, obra citada p. 284

50 FLORENCE, Hercules - obra citada, pp. 6-8.

51 PETRONE, Pasquale - "O povoamento antigo e a circulação ", em A Baixada Santista, volume 3, pp. 11-19.

52 TULIK, Olga - obra citada.

53 KIDDER, Daniel P - obra citada, pp 173-174.

54 ZALUAR, Augusto-Emílio - obra citada, p. 191.