Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a relação entre literatura, artesanato e fluxos turísticos em Itabuna (BA), identificando o uso do imaginário da literatura regional em obras de artesãos como estratégia para atrair o interesse do turista pela cultura local. Assinala as dificuldades em sair de uma economia cacaueira para adotar uma economia criativa. Por fim, relaciona as possíveis contribuições para a sustentabilidade através do artesanato e do turismo no município. Palavras-chave: cultura – turismo - artesanato - criatividade.
Abstract: This work has as objective to relat between literature, handicraft and flow touristic in Itabuna (BA), identifying the use of the imaginary of regional literature in works of handicraftman as strategies to attract the interest of the tourist for the local culture. It shows the difficulties in leaving a cacaueira economy to adopt a creative economy. Finally, it relates the possibilities of contribution for the sustentability through handicraft and of the tourism in the city. Keywords: culture - tourism – handicraft - creativity.
Introdução
Se, na literatura dos anos 30 a 80, a monocultura do cacau movimentava a economia Sul-baiana, no início do século XXI, a região procura tornar-se pólo comercial, tecnológico e turístico. Assim, os mercados urbanos impuseram novas exigências ao campo profissional em virtude de novas demandas e da necessidade de conquistar outros nichos de mercado.
Entendendo o artesanato como indústria criativa, este trabalho analisa a representação de signos da tradição cacaueira grapiúna no artesanato, visando relacionar a cultura com o turismo. A partir dos Estudos Culturais, são identificados aspectos do imaginário da identidade local enfatizando a queda da monocultura do cacau e possíveis estratégias para a sustentabilidade através do marketing cultural e da economia criativa (DEHEIZELIN, 2005; REIS, 2003) junto à produção simbólica artesanal.
A localidade da cultura grapiúna: literatura e artesanato
Com apenas 96 anos de emancipação política, Itabuna tem sua história confundida com a da região cacaueira. O desbravamento, o plantio do cacau, os costumes e gentes que fundaram o imaginário da identidade local estabelecem uma relação intertextual entre ficção e memória histórica, encerrando signos de grapiunidade em diversas obras literárias regionais de Jorge Amado, Cyro de Matos, Adonias Filho, Hélio Pólvora, somente citando alguns.
Como coloca Simões, a literatura re-cria a realidade (1996, p. 156). Se esta se compõe a partir de elementos sociais, históricos, filosóficos e culturais, a ficção, por sua vez, funciona como microestrutura que alimenta a macro, a significação (ibid.), estando ambas inter-relacionadas. Para a autora, o leitor-turista é aquele sujeito que lê um determinado texto, visualiza o espaço descrito, se identifica com o cenário descrito e realiza uma viagem imaginária. O turista-leitor é o sujeito que, motivado pela leitura, visita o local adaptado pelo autor para narrar a história.
A autora explora a questão do imaginário e da desterritorialização como agentes que promovem a cultura local e contribuem para o aumento do turismo em cidades palco de ficções, por apresentarem, na literatura, um alto grau de visibilidade da região. No ato de visitação, o turista-leitor se sente convidado a realizar uma releitura da cidade a partir da obra, na qual busca interagir com a comunidade e seu legado cultural, o que também ocorre através do consumo de artesanato.
Considerado como tradição, elemento folclórico ou artefato tangibilizador da memória de comunidades, o artesanato compõe ainda uma alternativa de renda. Contudo, sua inclusão no ramo de atividades econômicas levou a um processo de industrialização do produto artesanal, voltado para o consumo turístico também de massa. Esse fenômeno originou o termo industrianato (PINHO, 2002), em que o artesanato é feito em larga escala e distribuído para além do território de origem, desvinculando-se de uma localidade, tradição ou comunidade específica, entre outras características.
Ocorre que, em relação ao turismo, a diferença constitui-se em núcleo do produto (WAINBERG, 2003) e coloca em lugar privilegiado o artesanato que pode funcionar enquanto ferramenta facilitadora da compreensão do destino, atuar junto à memória e como alternativa sustentável para o desenvolvimento.
Em visita ao Shopping do Artesanato Grapiúna, foram realizadas entrevistas com os quatro artesãos de maior articulação política junto a esta classe no município. Três deles enfatizaram a preocupação em abordar a temática local. José de Souza, José Fernandes e Adonias Borges se apropriam do imaginário da cultura cacaueira visando atrair o público de outras regiões que visitam Itabuna, seja por conta de seu comércio variado, pelo shopping center ou mesmo pela localização do município no eixo rodoviário que permite acesso a várias cidades turísticas.
Os três artesãos se inspiram na infância vivida nas fazendas, reportando-se aos signos emanantes do sentimento de grapiunidade. Souza e Adonias representam em suas esculturas referências ao cotidiano, hábitos de vida das comunidades rurais, os saberes sobre o manuseio de ferramentas e o trato das amêndoas, a divisão do trabalho. Destacam a figura humana, o cacaueiro e o fruto dourado. Fernandes aplica o conhecimento sobre ervas medicinais em sabonetes caseiros.
FIG 01: Mãe grapiúna. Escultura de Fabrício Küster.
FIG 02: Cocos de cacau feitos em cerâmica. Adonias Borges.
FIG 03: escultura em papel reciclado de José de Souza.
Fonte: Aline de Caldas
Outro escultor que se inspira na cultura local é Fabrício Küster. Embora não seja natural da região Sul-baiana, vive há cinco anos num sítio próximo a Itabuna, onde interage com personalidades marcadas pelo trabalho na lavoura cacaueira. Suas obras referem figuras femininas maternais, com traços étnicos típicos.
Ao tomarem traços de grapiunidade para suas obras, os artesãos ressignificam as identidades culturais em função do novo momento histórico, no qual as comunidades populares tentam retomar sua cultura enquanto recurso para a melhoria sociopolítica e econômica (YÚDICE, 2004, p. 25), para a sustentabilidade em tempos de globalização.
Economia cacaueira x Economia criativa
A década de 90 evidenciou a fragilidade da economia cacaueira. Foram registrados focos de pragas, baixas cotações sucessivas e o empobrecimento da classe agricultora. Os constantes investimentos em patrimônio estrangeiro, a busca do ter, do poder (SIMOES, 1998, p. 120) enfraqueceram a economia local, onde pouco circulava em capital. A região que conviveu com a ventura do cacau viu-se mergulhada em dificuldades profundas.
Como a recuperação da lavoura cacaueira é prevista só a médio e longo prazo, restou à comunidade menos favorecida buscar oportunidades de trabalho na cidade. Itabuna sofreu inchaço populacional e formação de bolsões de pobreza. Aos gestores competia a urgência em criar empregos e diversificar a economia local. Chegaram indústrias e empresas, um shopping center. A infra-estrutura implantada nesse período atraiu mais pessoas de municípios periféricos e a cidade tornou-se referência regional em comércio, atendimento médico e educação.
A tentativa de implementação do turismo em Itabuna aconteceu em 2002, quando a cidade passou a integrar a Costa do Cacau, junto a outros cinco destinos turísticos. Contudo, a cidade não possui um inventário de seus atrativos, tampouco políticas para a sustentabilidade cultural e econômica através do turismo.
O Shopping do Artesanato Grapiúna é um dos pontos de referência para os turistas. Contudo, a diversidade da produção artesanal em Itabuna ainda é pouco explorada. Como bem coloca Deheizelin, estamos fazendo canja com galinha de ovos de ouro cada vez que deixamos ao abandono o capital cultural de nosso país e trabalhamos com base em ações (que não merecem o nome de políticas culturais, por que não o são) que estão focadas em eventos isolados e não em processos (2005, p. 1).
Faltam políticas de incentivo que possam ir além de simples espaços para exposição, projetos de marketing cultural que permitam a visibilidade dessa produção no âmbito do turismo nacional e internacional visando fortalecer a economia e a cultura locais.
O objetivo de gerar desenvolvimento econômico e social através da cultura, tendo o turismo como um dos pontos fortes, tornou-se um debate mundial sobre as chamadas Indústrias Criativas, isto é, setores de produção cultural que envolvem criatividade e conhecimento e podem resultar em propriedade intelectual.
A diferenciação, frente ao mercado globalizado, desses bens simbólicos acontece por meio da retomada de traços identitários de cada local. As Indústrias Criativas ultrapassam a dimensão cultural e inserem a identidade num sistema internacional de comércio. O turismo também figura como item a ser potencializado, pois permite a formação de público consumidor e possibilidades de articulações para exportação de novos produtos.
Os obstáculos para caminhar rumo à Economia Criativa estão em captar recursos. Para os financiadores, é difícil mensurar o risco e a oportunidade oferecidos por uma Indústria Criativa. As perspectivas de geração de patentes ou propriedade intelectual soam intangíveis para os agentes de fomento, que esperam resultados mais consistentes quando apóiam um novo negócio (REIS, 2006).
As dificuldades observadas nesse âmbito em Itabuna correspondem às de outros destinos de vanguarda: governos, empresas privadas e instituições financeiras precisariam criar rotinas de planejamento, modelos de financiamento ou articulações para tal. Também é inevitável investir na formação dos produtores criativos, viabilizar o conhecimento necessário para que estes possam solicitar créditos e dirigir finanças, criar projetos para impulsionar as exportações, gerenciar a qualidade dos produtos e multiplicar resultados junto à comunidade.
Mas existem exemplos de caminhos promissores. A França criou em 1983 o Institut pour le Financement du Cinéma et des Industries Culturelles. O IFCIC atua facilitando o diálogo para o financiamento a Indústrias Criativas, além de garantir de 50 a 70% do valor financiado às agências de fomento, em caso de falência (REIS, 2006). A China adotou uma estratégia de indústria criativa que oferece suporte estrutural através de capacitação e planejamento a longo prazo, o que evita que as pequenas empresas sofram as conseqüências típicas das mudanças de governos. A Inglaterra criou o Ministério das Indústrias Criativas, primeiro país do mundo a implementar um órgão específico na área. Seguindo os passos britânicos, a Argentina e o Chile fundaram um Setor de Indústrias Criativas em seus Ministérios da Cultura, objetivo que a Ásia também está tentando alcançar.
O Centro Transdisciplinar de Economia Criativa, com previsão de inauguração para 2006, em Salvador, atuará na proteção da diversidade cultural e na potencialização dos aspectos positivos da relação entre o produtor independente, o comércio e a produção de bens simbólicos. A proposta do CITEC é desenvolver estruturas de apoio, modelos de políticas públicas e de distribuição alternativa; sistemas de proteção à distribuição nacional e auxílio às negociações internacionais (JAGUARIBE, 2006).
O fato de Salvador estar geograficamente próxima e também buscar passar de uma fase de carências para uma etapa de inovação pela criatividade e pelo turismo constitui uma esperança para a comunidade itabunense de artesãos, ainda que o acesso à informação seja isolado.
Conclusão
Sair de um ciclo de atraso para um ciclo de renovação. Eis o desafio para a região que sobrevive às parcas heranças da instabilidade da economia cacaueira. Com base no comércio e no vasto legado cultural, especialmente o literário, surgem tentativas de fomentar o turismo. Entretanto, em grande parte dessas investidas, a cultura encontra-se subordinada a um turismo massificador, o qual ignora políticas para o aproveitamento do potencial simbólico local.
O que foi observado em Itabuna, e os líderes da comunidade de artesãos já sentem, é a necessidade de aliar a vivência de sua cultura ao desenvolvimento econômico. Mais que isso, trabalham em solidariedade aos que se interessam em se aprimorar tecnicamente, difundindo o conhecimento e a região. Contudo, falta-lhes o conhecimento necessário para catalisarem recursos, apoio governamental, e projetos que os coloquem à luz da lógica global de comércio.