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Costa da Mata Atlântica: implicações culturais e mercadológicas da marca turística da Baixada Santista
Gil Nuno Vaz1
 
Resumo
Para fins de divulgação turística, a Região Metropolitana da Baixada Santista adotou o nome de fantasia Costa da Mata Atlântica. Uma indagação emerge naturalmente do fato: a marca despertará, no morador da região, o mesmo sentimento de identidade que a denominação oficial detém? A questão é relevante, pois a familiaridade dos habitantes com os símbolos de sua localidade, entre os quais o nome tem especial importância, apresenta repercussões no relacionamento com os visitantes. Este artigo esboça algumas reflexões a respeito, em que o patrimônio da região – natural e cultural – é abordado a partir de uma ótica técnica e mercadológica. Finaliza tecendo considerações sobre a opção política que a decisão implica, ao privilegiar o atrativo natural como referência dominante.

Abstract
For the purpose of tourism promotion, the Baixada Santista Metropolitan Region intends to be known as the Atlantic Forest Coast, which raises a question on the regional identity its inhabitants will feel about the new name. That is a relevant issue, once the acquaintance of the people to their local symbols may bring consequences to the relationship between residents and visitors. This article sketches some thoughts on the subject, with a technical and marketing approach to the natural and cultural assets of the region. Finally it outlines the political option the choice implies, by pointing out the natural attractions as a dominant reference.

Introdução
Um dos princípios básicos do turismo de qualidade diz que uma localidade só é boa para o visitante se também o é para o morador. Se o residente não se orgulha do seu habitat, isso se reflete numa atitude de baixa receptividade, que desfavorece o turismo. Entre os inúmeros fatores que constroem a familiaridade de uma pessoa com o seu entorno está a toponímia, o conjunto de nomes atribuídos aos espaços geográficos, naturais e urbanos. As referências nominais comuns e usuais que os habitantes usam para se referir aos lugares que lhes são próximos. Ou seja, Tal como acontece com as pessoas; as ruas; estradas; caminhos; veredas e lugares são identificados com nomes. Umas vezes, a atribuição desse nome teve por base homenagem a uma pessoa, outras, celebram um acontecimento e outras, ainda, referências particulares neles existentes, suficientemente importantes para as identificar, como uma fonte, um acidente orográfico, uma pessoa, uma planta, uma edificação, etc1.

Com a profissionalização crescente do turismo, os topônimos passaram a ganhar importância mercadológica e o estatuto estratégico de marcas, principalmente os nomes que já gozam de popularidade e/ ou prestígio mercadológico por força de repercussão intensa ocorrida ao longo de anos, séculos e milênios. Por exemplo, Algarve (...) é uma marca importante, em nível europeu (sobretudo na Alemanha e no Reino Unido) no contexto do produto sol e mar. Lisboa é uma marca importante para os produtos city breaks e turismo de negócios. Fátima é uma marca importante para o produto turismo religioso. (MARTINS 2003)2

A presença prolongada na memória coletiva faz com que as pessoas já associem aos nomes certos valores, impressões e referências, gerando aquilo que tecnicamente denominamos “imagem de marca”, ou “conceito de marca”. Se uma marca turística e sua imagem mercadológica são positivas, o esforço de marketing poderá iniciar diretamente pela intensificação dos apelos publicitários e ações promocionais.

Em alguns casos, entretanto, torna-se necessário criar um novo nome, como aconteceu com a marca Costa do Descobrimento, que surgiu em 2000 pela pressão de várias localidades do sul da Bahia, buscando sua inclusão no cenário das comemorações dos 500 anos do Brasil, cuja programação vinha sendo concentrada em Porto Seguro. Para conciliar os interesses, a adoção de uma espécie de marca guarda-chuva3 tornou-se recomendável, política e mercadologicamente.

Isso pode acontecer também quando o nome tradicional de um lugar recebe avaliação desfavorável por parte de profissionais, empresários e gerenciadores de marketing turístico, quanto à sua adequação mercadológica. A marca turística Costa da Mata Atlântica foi criada, entre outras motivações, por uma aludida inadequação do nome Baixada Santista.

De Baixada Santista para Costa da Mata Atlântica
A expressão “Baixada Santista” – conquanto fosse utilizada, muito provavelmente, antes da década de 60 do século passado – começou a ser referência comum após a publicação do estudo A Baixada Santista - Aspectos geográficos, um conjunto de quatro tomos elaborados por uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo – USP, sob coordenação geral do professor Aroldo de Azevedo, e lançado pela editora daquela Universidade em 1965.

No referido estudo, a Baixada Santista é uma região integrada pelos municípios de Santos (à época incluindo Bertioga, como distrito) Guarujá, São Vicente (à época incluindo o distrito de Praia Grande) e Mongaguá. O embasamento central para a delimitação da Baixada Santista como região específica é colocado logo ao início do estudo, nos seguintes termos:

A Baixada Santista constitui, sem a menor dúvida, uma subunidade das mais bem definidas do Litoral Paulista. Representa o traço de união entre duas sub-regiões:
a) o chamado Litoral Norte, que melhor seria se fosse designado pelo nome de Litoral Nordeste, bem marcado pela proximidade das escarpas do Planalto Paulista correspondentes à Serra do mar, em cuja orla litorânea elevam-se as cidades de São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba, e a cujo conjunto pertence a grande ilha de São Sebastião, onde se situa Ilhabela;

b) o chamado Litoral Sul, que melhor seria se fosse designado pelo nome de Litoral Sudoeste, bem distinto do antecedente, sobretudo porque as escarpas estão cada vez se afastando do Atlântico, à proporção em que se caminha para o sul, onde se abrem a Baixada de Itanhaém4 e, particularmente, a vasta Baixada da Ribeira de Iguape, e no qual se erguem veneradas cidades – como Itanhaém, Iguape e Cananéia, a par de outras, localizadas mais para o interior, como é o caso de Registro.

Nesse conjunto perfeitamente individualizado, fachada atlântica do Estado de São Paulo, aqui balizada por Mongaguá e Bertioga, a Baixada Santista ocupa posição ímpar. Difere das outras subunidades pela presença de duas importantes ilhas – a de São Vicente e a de Santo Amaro, estreitamente ligadas ao continente, a ponto de mal se notar sua presença. Difere ainda pela existência de largas formações vegetais halófilas – os manguezais, assentados sobre intrincada rede de drenagem (AZEVEDO et alii, 1965).

A denominação ganhou popularidade nas décadas seguintes, sendo hoje utilizada com grande naturalidade pela população local, que normalmente se refere a ela apenas como “a Baixada”. Essa realidade taxionômica pode ser constatada pelo emprego também comum da expressão nos diversos veículos de comunicação: jornais, rádios, emissoras de televisão.5

Por outro lado, o nome gerou insatisfações em alguns setores da sociedade, principalmente devido a três fatores. Primeiro, porque conferia privilégio ao município de Santos como elemento identificador da região, gerando certa animosidade nas demais cidades. Segundo, pela associação cada vez mais forte, principalmente ao longo da década de 80, da palavra Baixada à violência urbana, em razão de acontecimentos ocorridos na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. E terceiro, por uma provável associação semântica de “Baixada” com “baixaria”, numa percepção de algo inferior, de nível menor.6

Reações a essa denominação, em várias ocasiões, procuraram induzir ou sensibilizar a opinião pública para a necessidade da mudança do nome da região7, que não lograram êxito. Apesar de alguns usos alternativos, como a expressão “Baixada Paulista” utilizada principalmente pela Rádio Bandeirantes, “Baixada Santista” continuou predominando como denominação natural da população.

Mas, as tentativas continuaram e, em abril de 2003, foi adotada, pelos nove municípios da região – Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente – e o Santos e Região Convention and Visitors Bureau, organização de fomento ao turismo de negócios formado pelo poder público e pela iniciativa privada, a marca Costa da Mata Atlântica.

Esse nome não substitui a expressão oficial, Região Metropolitana da Baixada Santista.8 É um nome de fantasia, a ser utilizado especificamente para fins turísticos. Mais ou menos como se um nome fosse usado para o público interno (Baixada Santista) e outro (Costa da Mata Atlântica) para o público externo, os turistas. O que é questionável, pois, se o povo não adotar o nome Costa da Mata Atlântica, a sua eficácia como marca turística poderá ser comprometida. Não se constituirá em realidade viva, cultural, mas apenas rótulo mercadológico. Mais do que usos contextualizados de Baixada Santista “e” Costa da Mata Atlântica, o que está em jogo é a viabilidade da transição de Baixada Santista “para” Costa da Mata Atlântica.

Permanece, portanto, um problema potencial que tem a ver com aquele princípio básico da receptividade turística: a identidade da população com as suas referências. Por outro lado, não há como avaliar em profundidade o sentimento de identidade dos moradores em relação ao nome proposto. Não é algo que ocorra de imediato, e que uma pesquisa de opinião pública possa decidir. Assim, o método mais prudente para refletir a respeito é uma abordagem técnica, mercadológica, tendo como pano de fundo os fatores sociais e culturais que permeiam o turismo.

Mas, essa abordagem requer considerar outros dois fatores, pelo menos, além da identificação do povo com a marca. O segundo fator é o diferencial competitivo da marca turística e da sua imagem mercadológica. O quão único e singular apresenta-se o produto turístico da localidade, em relação aos destinos turísticos concorrentes. O terceiro tem a ver com a projeção mercadológica, atual e potencial, da marca e da imagem, em termos de extensão territorial (regional, nacional, internacional) e da quantidade de pessoas que atinge.

Marca turística, imagem mercadológica e identidade: aspectos referenciais.Marca é um nome, termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação destes, que pretenda identificar os produtos de um vendedor e diferenciá-los dos produtos da concorrência. marca é possibilitar o pronto reconhecimento, pelo consumidor, de um determinado produto ou Segundo essa definição tradicional da American Marketing Association (AMA), a finalidade da instituição. Esse reconhecimento resulta de um processo de identificação que ocorre pela conjugação de diversos componentes físicos e formais da marca. Entre eles está o nome da marca (componente verbal), tanto em representação gráfica (logotipos padronizados) como sonora. O componente imagético (representação pictórica, figurativa ou abstrata) é outro forte fator de reconhecimento.

BOONE e KURTZ (1998: 285) entendem que o reconhecimento é apenas o primeiro estágio da marca, que tem ainda a finalidade de obter a preferência e insistência do consumidor. SEMENIK e BAMOSSY (1995: 314) ressaltam que a marca “pode tornar-se uma representação da satisfação que vai influenciar o consumidor a optar repetidamente por um produto específico em detrimento dos outros produtos concorrentes”. Para realizar essas duas outras funções, é necessário que certos valores e referências sejam associados à marca, construindo a já referida “imagem de marca”. O processo que permite agregar valores à marca opera uma aproximação dos componentes físicos e formais da marca com componentes abstratos e factuais, associando o nome de um produto ou instituição com situações, necessidades e crenças determinadas.

Nas marcas turísticas, o nome de uma localidade já possui uma carga semântica, pelo seu passado, história e cultura. Mesmo quando uma localidade ainda não conquistou espaço mercadológico próprio no turismo, a sua “imagem de marca” já existe latente. Em muitos casos, o próprio topônimo já direciona a imagem, como em Porto Alegre, Minas Gerais e Ilha do Bananal. Mas há também situações em que o topônimo não estabelece uma associação natural, simples e direta da marca com suas referências principais9.

Com seus Aspectos Referenciais, para usar terminologia técnica. O Aspecto Referencial é um elemento físico ou abstrato que representa uma localidade, ao evidenciar uma ou muitas características reconhecidas como típicas e essenciais dessa localidade. Ferramenta de formação de imagem mercadológica, o Aspecto Referencial trabalha com elementos individualizáveis, específicos da localidade e ao mesmo tempo diferenciais em relação a localidades concorrentes. Ao oferecer uma alusão direta – seja por meio de um elemento concreto ou conceitual – com grande força de síntese, o Aspecto Referencial pode provocar o pronto reconhecimento da localidade e, ao mesmo tempo, criar inúmeras associações semânticas (VAZ 1999: 101).

Existem aspectos referenciais de variada natureza, mas é possível reuni-los em onze categorias. As mais evidentes, pela presença física, são as Características Geográficas (o Monte Fuji para o Japão), as Construções Arquitetônicas e Configurações Urbanas (a Torre Eiffel para Paris), e as Características Demográficas (a comunidade alemã em Blumenau). Outras categorias envolvem aspectos referenciais ligados a Fatos Históricos (a proclamação da Independência do Brasil em São Paulo), Personalidades (Monteiro Lobato para Taubaté), Grupos ou Movimentos (o mangue-beat para Recife); Eventos ou Manifestações (Carnaval para o Rio de Janeiro), ou ainda Pontos de Encontro ou Atividades (o Clube do Choro, em Brasília). Formas e Criações Artísticas e Lúdicas compõem outra categoria de aspectos referenciais, como o tango para Buenos Aires. E outros tipos de produção, cultural, industrial, científica, que denominamos categoria de Concepções e Confecções, podem também desempenhar esse papel, como o pato no tucupi para Belém. Uma última categoria é a Posição Destacada, como no conceito de que São Paulo é a capital do turismo de negócios, significando que a cidade está posicionada no topo da lista de localidades que operam nesse segmento.

A marca Costa da Mata Atlântica coloca a Característica Geográfica em primeiro plano, enfatizando a fauna e a flora. Utiliza, ainda, essa referência como Posição Destacada, ao ressaltar a concentração da diversidade e, em alguns casos, da exclusividade de certos exemplares. Em segundo plano, ou complementarmente, inclui a história e o esporte, pretendendo abranger desde o turismo tradicional (lazer) ao de negócios. Segundo o Santos & Região Convention and Visitors Bureau, a Costa da Mata Atlântica é um novo rótulo que:

“... reúne e vende o que a região tem estruturalmente como um produto turístico único, diferenciado pela grande área de Mata Atlântica preservada. Presente nos 161 km de praias da região, ela abriga a maior diversidade de animais e vegetais do mundo. Muitas dessas espécies são endêmicas: não são encontradas em nenhuma outra parte do planeta. Com o objetivo de expressar graficamente os diferenciais turísticos da região, a Logomarca da Costa da Mata Atlântica possui uma dimensão espaço-semântica, representada pelas cores verde: costa/ cidade; amarela: praia; e azul: mar. Dessa forma, enaltecem as belezas naturais da região. Além disso, ela se apropria, propositalmente, das cores da Bandeira Nacional. Mostra, de forma sutil, a importância da região da Mata Atlântica no contexto do Litoral Brasileiro. Agregando as belezas da Mata Atlântica e das praias aos outros diferenciais da região, como o Turismo Histórico e o Turismo Esportivo, a Costa da Mata Atlântica amplia a oferta de produtos turísticos temáticos e fortalece o turismo de lazer e de negócios.10

A reflexão sobre a identidade da marca turística e da imagem mercadológica passa pela averiguação da representatividade regional do Aspecto Referencial. São três as possibilidades dessa representatividade. A primeira seria aquela em que o Aspecto Referencial caracteriza e é específico de uma parte da região apenas (um ou alguns municípios). Normalmente traz problemas de identidade regional.11 Na segunda, o Aspecto Referencial caracteriza e é específico da região como um todo, sendo identificado como algo comum a todos os municípios. É a condição ideal de representatividade de um Aspecto Referencial, para efeito de identificação entre população e marca. Finalmente, o Aspecto Referencial pode caracterizar também outras regiões, ou municípios de outras regiões – que se tornam potenciais concorrentes – e, portanto, não é exclusivo da região. Esta é uma situação delicada, pois, além de implicar o enfraquecimento do diferencial mercadológico, é passível de ser interpretada como atitude desrespeitosa ou de desconsideração para com outras localidades.

A marca Costa da Mata Atlântica enquadra-se, quanto à identidade regional que pode suscitar, na terceira das possibilidades descritas. Embora o texto transcrito acima fale dos 161 km de praias da região, a Mata Atlântica, e conseqüentemente a sua costa, não se restringe àquele comprimento, pois se estende de extremo sul a norte do litoral brasileiro. Pois, A Mata Atlântica está presente tanto na região litorânea como nos planaltos e serras do interior, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Ao longo de toda a costa brasileira a sua largura varia entre pequenas faixas e grandes extensões, atingindo em média 200 km de largura.12

Assim, o significado implícito na marca Costa da Mata Atlântica não é exclusivo da Baixada Santista. Embora a intenção seja de caracterizar especificamente o conjunto dos nove municípios da região, a abrangência geográfica que a expressão implica não oferece a condição semântica pretendida para estabelecer a identificação.

Diferencial competitivo e posicionamento mercadológico.
O segundo fator a ser analisado diz respeito ao diferencial competitivo da marca, à sua capacidade de criar um forte posicionamento de mercado. A técnica do posicionamento mercadológico recomenda estabelecer um elemento diferencial que coloque a localidade em posição privilegiada e estratégica na percepção do consumidor em relação ao conjunto de ofertas turísticas concorrentes. A importância do posicionamento13 como técnica de marketing decorre de uma realidade mercadológica cada vez mais competitiva, em praticamente todos os segmentos de mercado. Isso porque, quando em um mercado uma grande quantidade de marcas de produtos é oferecida para atender a uma determinada necessidade, o consumidor começa a ter dificuldades em absorver a variedade de informações que lhe é transmitida. A partir daí, passa a selecionar as mensagens, dirigindo sua atenção apenas àquelas que julga serem mais adequadas para a sua necessidade (TROUT e RIES, 1995: 5-6).

Para avaliar a condição diferencial da marca Costa da Mata Atlântica, é importante salientar que, embora o público-alvo implícito nos textos do Santos e Região Convention and Visitors Bureau seja bastante amplo (de lazer a negócios, com destaques para os segmentos Histórico e Esportivo), o apelo mais evidente é a sua implicação com o turismo ambiental, o chamado ecoturismo. O texto retro transcrito trata a Costa da Mata Atlântica como um produto ”diferenciado pela grande área de Mata Atlântica preservada”. Para melhor entender as decorrências dessa associação, convém detalharmos um pouco a natureza do Aspecto Referencial “Posição Destacada”, que é responsável pela diferenciação pretendida.

Essa posição de destaque pode ser Absoluta ou Relativa. Ela é Absoluta quando sua condição especial não pode ser disputada, pois é garantida por um fato ou dado inquestionável e imutável. Este é o caso típico do Pioneirismo, quando a localidade é a primeira, historicamente, em um Aspecto Referencial. Porto Seguro e a Bahia, em sentido amplo, popularizaram o slogan “O Brasil nasceu aqui” pelo fato histórico do descobrimento por Cabral. São Vicente tentou e vem tentando se apropriar do slogan, com a alegação de ser a cellula mater do país, mas não conseguiu conquistar essa posição absoluta, porque o registro histórico privilegia o descobrimento e não o início da colonização como metáfora de nascimento do país.

A posição é Relativa quando a condição especial pode ser alterada, disputada com e perdida para outras localidades. É o caso típico da Liderança que uma localidade exerce sobre outras, por exemplo, quando oferece como atrativo um equipamento diferenciado, como um parque de entretenimento, que mais cedo ou mais tarde uma outra localidade poderá oferecer, com maior atratividade. Entre as condições especiais da Liderança estão ser a única (condição de existência), a mais (condição de intensidade), a maior (condição de tamanho), ou a melhor (condição de qualidade, competência). Há ainda a possibilidade de ser a última, quando essa condição tem relevância por elementos remanescentes, como no caso de espécies em extinção, ou exemplos de arquitetura ou arte antiga. A primeira posição em um ranking pode, entretanto, ser ocupada por outra localidade, que venha a apresentar uma condição mais especial.

A Posição Destacada, tanto a Absoluta como a Relativa, pode ser Exclusiva ou Compartilhada. Ela é exclusiva quando a localidade aparece, sozinha, isolada dentro de um requisito de classificação. É compartilhada quando faz parte de um grupo de localidades que se apresentam como igualmente especiais em relação a um requisito importante de atratividade turística. Normalmente, a Posição Destacada compartilhada revela-se no uso de expressões como “uma das mais”, “uma das maiores”, “uma das poucas”, e “uma das últimas”.

Diante disso, percebe-se que o conceito mercadológico que domina a marca Costa da Mata Atlântica envolve um Aspecto Referencial de Liderança Compartilhada. É um dos últimos redutos de preservação ambiental da Mata Atlântica e divide com muitas outras regiões essa condição. Aliás, essa condição especial de preservação pode ser questionada, se levarmos em consideração que no Atlas dos Municípios da Mata Atlântica – 2004, estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica, os municípios da Baixada Santista que melhor se colocam, em um ranking de cem cidades brasileiras com maior área de remanescentes florestais, são Mongaguá e Bertioga, ocupando respectivamente o 17º e o 18º postos. Itanhaém aparece em 31º, e os próximos postos ocupados pela região saltam para 63º (Cubatão), 73º (Praia Grande), 75º (Santos) e 83º (São Vicente). Embora o Litoral Paulista seja apontado como a região que mais preserva, essa condição deve-se mais ao Litoral Norte e Litoral Sul do que à Baixada Santista, o que não contribui para a formação do conceito pretendido para a marca Costa da Mata Atlântica. Por outro lado, a indicação de Florianópolis (Santa Catarina), como a capital da Mata Atlântica, desfavorece ainda mais a imagem mercadológica da nova marca turística regional.14

Projeção mercadológica.
O terceiro fator de análise diz respeito à penetração da marca no público ao qual se destina o produto. Isso pode ser abordado por segmento, com aspectos referenciais específicos para fazer a associação necessária com o desejado conceito de marca. Pode ser feito ainda para o público em geral, indistintamente, envolvendo todos os segmentos possíveis do produto.

Dentro dessa abordagem geral, de acordo com o propósito da marca turística, o Aspecto Referencial a ser escolhido deve ser avaliado em função de sua popularidade, atual ou potencial, medida em termos de cobertura geográfica (de alcance regional, nacional ou internacional, por exemplo) e impacto demográfico (de conhecimento por pequenas, médias ou grandes populações). O Aspecto Referencial que obtiver o maior grau de popularidade seria, em princípio, a característica da localidade mais propícia a ser enfatizada na sua marca turística geral, não segmentada.

A escolha da marca turística não pode se ater, entretanto, apenas à projeção mercadológica. É importante estar vinculada e condicionada aos dois requisitos mencionados, pois nem sempre o aspecto de maior popularidade (ampla projeção geográfica e de apelo massivo) é o mais indicado. Os últimos dois termos funcionam como redutores. Pelé, certamente, é o Aspecto Referencial de maior popularidade da Baixada Santista. Está, contudo, vinculado estreitamente à cidade de Santos, e não se estende com a mesma força para os outros municípios.

A Mata Atlântica, devido à repercussão obtida a partir de sua importância como fator ambiental, é um Aspecto Referencial de grande projeção, por despertar atenção a nível mundial, nas campanhas pela preservação das florestas tropicais. Debatido inicialmente em circuitos e organizações de defesa ecológica, o assunto goza hoje de interesse popular geral. A marca Costa da Mata Atlântica tem, assim, boa condição atual e potencial de projeção, tanto geográfica como demograficamente.

Considerações finais.
A escolha da marca Costa da Mata Atlântica sinaliza para uma opção política que valoriza o patrimônio natural, a partir do Aspecto Referencial Característica Geográfica, e pode ser justificada pelo forte apelo que o tema da preservação ambiental detém. Coloca o patrimônio cultural e histórico em plano complementar, e operacionaliza o Aspecto Referencial eleito em termos de uma Posição Destacada que é compartilhada com outras regiões.

Percebe-se, pelos critérios técnicos e mercadológicos adotados como parâmetros destas reflexões, que a referida marca apresenta dois problemas. Um relacionado à capacidade de obter representatividade, afirmando-se como identidade regional. Outro, que diz respeito à capacidade de criar diferencial forte no mercado turístico, frente às localidades concorrentes, que também podem evocar o mesmo aspecto referencial. Em outras palavras, a população pode ter problemas em reconhecer, na marca, um contexto do qual faça parte, mas percebendo esse nome como uma referência que não a identifica adequadamente. E o posicionamento mercadológico pode ser comprometido pelo uso de um Aspecto Referencial que se confunde com outras regiões.

Contudo, a escolha de um nome, e a receptividade que pode granjear, não estão vinculadas apenas à argumentação técnica. Existem fatores de ordem estética, de hábitos lingüísticos e de padrões nominais, que também são importantes. Muitas vezes, uma denominação alcança o gosto popular, passa a ser reproduzida com naturalidade, embora possa não se justificar sob óticas específicas.

Assim, uma análise mais aprofundada do eventual acerto da marca exigiria ainda passar pela investigação de outros aspectos, com a ajuda de critérios e conceitos de outras disciplinas, além da necessidade de contar com outras possíveis denominações que tenham sido cogitadas, para estabelecer cenários comparativos, a partir de um conjunto de alternativas, e então sopesar os prós e contras de várias propostas.
 
1Gil Nuno Vaz é doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e professor da Universidade Católica de Santos, nos cursos de Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, do Centro de Ciências da Comunicação e Artes. É autor dos livros Marketing Institucional (Thomson 2003, 2ª Ed) e Marketing Turístico (Thomson 1999).
2MARTINS, Luís Paixão. Portugal Turismo S.A., in II Congresso de Turismo de Leiria, 08/05/2003. Disponível em http://www.luispaixaomartins.net/arquivo03portugalturismosa.htm, acesso em 24/07/2004.
3Marca Guarda-chuva é a marca que se aplica a “todas as linhas ou todos os produtos em uma ou mais linhas” (SOUZA e NEMER 1993: 18) de uma empresa, como Volkswagen para todas as marcas produzidas por essa empresa: Gol, Pólo, Fox etc.
4A Baixada de Itanhaém já havia sido objeto de estudo específico, realizado como tese de doutoramento do Prof. J. R. de Araujo Filho, publicado no Boletim n. 116, Geografia n.6, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1951.
5Essas informações permitem duas importantes observações. Primeiro que, embora a denominação “Baixada Santista” possa ter sua origem na própria comunidade, os indícios são de que a popularização da expressão ocorreu a partir desse estudo acadêmico, com a subseqüente adoção do nome, pelos veículos de comunicação, para se referir à região. Não se sabe, portanto, até que ponto se trata de uma expressão de uso espontâneo ou induzido. De qualquer forma, foi aceita com naturalidade pelos moradores da região. Esta observação é relevante como contrapeso a eventuais objeções sobre a representatividade de sugestões que partem de setores interessados da sociedade, buscando desqualificá-las ou ter o seu propósito desacreditado, uma vez que a adoção da atual expressão também ocorreu a partir de uma determinação de um grupo especial da coletividade, no caso de estudiosos.
Em segundo lugar, “Baixada Santista” não representava, no estudo referido, o contexto geográfico atualmente abrangido. O que hoje chamamos de “Baixada Santista” corresponde à junção de duas baixadas mencionadas no estudo: a Baixada Santista e a Baixada de Itanhaém. A inclusão da Baixada de Itanhaém na Baixada Santista deve-se provavelmente às divisões estabelecidas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, denominadas “microrregiões homogêneas”, em que a microrregião Baixada Santista compreendia a atual extensão. Uma observação adicional é que uma boa parte da população refere-se ao trecho da Baixada Santista que vai de Mongaguá a Peruíbe como “Litoral Sul” (às vezes inclui-se nessa denominação o município de Praia Grande).
6A alegação de conotações da palavra Baixada com “baixaria” e percepções assemelhadas não pode deixar de constituir fator de estranhamento. Embora não seja um argumento em defesa daquele termo, é razoável considerar que outros lugares de denominação semelhante (como os Países Baixos, a Baixa do Sapateiro em Salvador, a Beira Baixa em Lisboa) não geraram tais vinculações.
7Durante a elaboração do PDTur – Plano de Desenvolvimento Turístico da Região Metropolitana da Baixada Santista, estudo encomendado pela AGEM – Agência Metropolitana, braço executivo do CONDESB – Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista, foram solicitadas, durante reuniões com setores interessados e com a sociedade em geral, sugestões de uma nova denominação turística para a região.
8Embora a realidade metropolitana da Baixada Santista o seja de fato desde inícios da segunda metade do século passado, a RMBS (Região Metropolitana da Baixada Santista) só veio a ser institucionalizada em 1996.
9Costuma-se nesses casos usar o recurso de simbologia gráfica e imagética que remeta a referências típicas da localidade, como as figuras de sol e mar para localidades praianas, além da utilização de slogans e recursos diversos para gerar a necessária aproximação semântica. Esses expedientes também são praticados mesmo quando o topônimo é sugestivo, como é o caso da marca turística do Equador. Embora o nome do país já indique um dado importante de localização e, por conseqüência, de temperatura, ela vem acompanhada de vários apoios técnicos na divulgação turística. Tendo a letra “o” preenchida internamente em cor de abóbora (remissão ao sol), o nome é sublinhado pelo slogan La vida en estado puro (Life as its purest) e encimada por uma faixa azul ondulada, em cuja banda são inseridos desenhos do sol, de folhas, o iguana, a montanha, o colibri, de um peixe e uma cúpula. A simbologia pretendida com essas figuras, segundo declaração de autoridade do Turismo Equatoriano, é de associar o sol à costa e ao período pré-colombiano, as folhas à mega-diversidade da flora, o iguana às Ilhas Galápagos, a montanha aos Andes, o colibri à Amazônia, o peixe à mega-diversidade da fauna marinha, e a cúpula aos patrimônios culturais (Disponível em , acesso em 24/07/2004).
10Disponível em , acesso em 25/07/2004. Vale registrar a associação pretendida entre cor verde e cidade, na simbologia cromática declarada.
11 Uma ilustração dessa possibilidade é o Santos e Região Convention and Visitors Bureau, cuja denominação oficial privilegia um município e, no entanto, foi aceito como representativo da região e contou com a adesão do poder público dos demais municípios. Um convention bureau constituído anos antes, em 1988, a Fundação Pró-Turismo e Eventos do Litoral Santista, não gozou do mesmo reconhecimento porque as circunstâncias culturais e, especialmente, econômicas e políticas não eram favoráveis.
12Disponível em , acesso em 01/08/2004.
13A teoria do Posicionamento, desenvolvida por Jack Trout e Al Ries na década de 70, preconiza que é necessário entender como a mente do consumidor seleciona e organiza informações, para descobrir lacunas ainda não exploradas, ou inadequadamente enfocadas.
14A Tribuna. Mata Atlântica: Santos é a 75a no ranking de preservação, in jornal A Tribuna, Santos, SP, 27/05/2004, p. A-5.