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PINTURAS PARIETAIS: GALPÃO CEAGESP SANTOS/SP
Maria Inah Rangel Monteiro1
 
Histórico


“Deve ser inaugurado nos últimos dias do mez corrente, um novo cinema em Santos.

“É mais uma casa de diversões para o nosso público apreciador da arte cinematográfica, e que a Cine Theatral denominou Cinema Central”.



Foto extraída do Jornal “A Tribuna” de 7/09/1922.


Foi com esta frase que o Jornal “A Tribuna” iniciou a matéria publicada no dia 20 / 01 / 1921, onde informava que a Empresa arrendou os grandes armazéns do governo, situados à Rua Amador Bueno, seguido ao Colyseu, e neles instalou um amplo cinema, composto de dois salões de exibição, que funcionavam simultaneamente: o salão “vermelho” e o “verde.”

De acordo com o Jornal “A Tribuna”, foi assim descrito o cinema:
“No Central funcionarão dois amplos salões confortáveis, destinando-se um deles a entrada geral e outro a cadeiras, totalizando acomodações para 2.500 espectadores com todo conforto.”


“Bem ventilado, bem iluminado, elegantemente decorado, com um amplo salão de espera, as projeções são firmes e nítidas, e a posição da tela oferece muita facilidade ao espectador, que poderá apreciar a exibição dos filmes sem obstáculo.”


Uma orquestra, postada junto às telas, é aproveitada para tocar durante as sessões nos dois salões.

No salão reservado para o povo modesto (verde) a Empresa cercou o espectador de toda a comodidade.

Não havia arquibancada, mas estava equipado com cem bancadas de peroba polida e com encosto, espaçosas, podendo cada bancada acomodar doze pessoas, o que dá uma totalidade de 1.200 espectadores.

No salão principal (vermelho) comportava 1.250 cadeiras, instalado com elegância e bem iluminado. A ventilação era muito boa, pois o pé direito alto favorecia tal.

Para a inauguração dessa casa de diversões a Cine-Theatral reservou um filme de grande êxito: “Valente, jovial e turbulento”, um filme de 10 atos, interpretado pelo expoente supremo da arte muda Willian Farnum.



Foto do Jornal “A Tribuna” do dia 1º de fevereiro de 1921.



Porém como foi anunciada em “A Tribuna”, a inauguração foi adiada para o dia 09 / 02 / 1921, pois as pinturas decorativas do interior do cinema ainda não estavam concluídas.

O Cine Central funcionou durante alguns anos, pois com a chegada do cinema falado, o local se tornou impróprio, pôr não ter acústica adequada.

Estas pinturas, objeto do nosso trabalho, estiveram encobertas por várias camadas de tinta, pintadas ao longo de mais de 80 anos, pois após o fechamento do cinema, o espaço passou a ser usado como armazém CEAGESP.



Data da foto: 10/10/2006



Estas pinturas representam anúncios de estabelecimentos comerciais que existiam na cidade no início do século XX e foram realizados diretamente sobre as paredes, no interior do Cine Central, para fazer propaganda de casas comerciais da cidade.

Para se chegar à descoberta das pinturas, foi necessário fazer a decapagem, com o uso de lâminas de bisturi.

Inicialmente foram feitas prospecções, para se certificar da existência ou não das mesmas.

Embora o tipo de pintura seja a decorativa, onde algumas partes foram realizadas através do auxílio de máscaras ou estênceis, também há outros desenhos artísticos, em que predominam a criatividade do artista.

Há uma pintura de base e sobre ela foram aplicados os desenhos ou decoração, feitos pelo pintor decorador como era chamado na época.

Tentamos buscar informações sobre a identidade dos artistas que realizavam as pinturas, mas não foi possível, apenas temos a informação gravada na própria parede, da empresa de propaganda responsável pelos anúncios.



Empresa de anúncios e pinturas - Star






Metodologia

Os trabalhos de prospecções e decapagem das paredes consistiram na retirada mecânica (manual), através de bisturis cirúrgicos e espátulas, das várias camadas de tinta existentes sobre a pintura decorativa.

O método usado, de estratigrafia cromática de superfície, trata-se de um sistema de sondagem das superfícies parietais, não destrutivo das argamassas, que proporciona investigação minuciosa da qualidade e quantidade das modificações ornamentais de que são possíveis os interiores das arquiteturas ao longo dos anos.

O procedimento de remoção gradual das sobre pinturas oferece dados materiais que permitem muitas vezes, ir além da mera compreensão das decorações ornamentais, possibilitando o estabelecimento de periodizações aproximadas de eventuais alterações prediais ocorridas no passado, das quais muitas vezes não se tem registro documental convencional.

Para realizar o diagnóstico foram feitas inicialmente janelas estratigráficas, com a abertura de pequenos quadradinhos seqüenciais em ordem decrescente, indo da superfície de tinta visível, até a argamassa reboco, que serve de suporte à parede.

De acordo com metodologia específica de análise e investigação de superfícies parietais, considera-se a argamassa de revestimento como estrato zero (0), a seguir o primeiro estrato (1), considerado o “original” em uma seqüência de estratigrafia cromática e assim sucessivamente.

Após a identificação das pinturas, presentes no estrato 1, das amostras colhidas, procedemos a remoção gradativa (decapagem) das tintas, expondo assim trechos expressivos das pinturas artísticas e lisas, identificadas com as mais antigas.

Temos que considerar que as cores expostas nas áreas decapadas já sofreram no tempo oxidações e ou desbotamento.

Com amostras visuais limitadas e falta de condições de realizar exames e análises de laboratório necessárias para o reconhecimento da composição química de cada estrato pictórico, nos limitamos a uma análise visual das camadas.

A transformação do tempo sobre os materiais é um fator importante, devendo ser considerado se quisermos conhecer as diferentes paletas, pois ocorrem mudanças consideráveis causadas pela oxidação, envelhecimento natural, e as causadas por outros produtos que alteram completamente a cromia original, podendo interferir na leitura.

Com a pintura original exposta pudemos identificar as seguintes patologias:

Mofo: Tipo de fungo e ou colônia de seres vivos vegetais que se proliferam de preferência, em locais úmidos, quentes e abafados. Sua presença acaba por escurecer a superfície da pintura.
Desagregamento: Deslocamento da camada pictórica juntamente com partes do reboco, apresentando aparência esfarelada.
Lacuna: É uma perda de uma das partes da pintura desde os estratos da argamassa, ou seja, do reboco apresentando uma área esburacada na parede.
Material estranho: Cimento, massa, prego, fios, pequenos objetos e outras coisas coladas ou perfurando as camadas pictóricas e da argamassa.
Fissura: São trincas estreitas, rasas e sem continuidade, afetando geralmente só o estrato da pintura.
Rachadura: São trincas mais fundas, causadas por movimento.
Sujidade: Poeira seca ou gordurosa, poluição ou qualquer agente atmosférico ou físico, que não interfira profundamente na obra e possa ser removido com limpeza.
Outros: Qualquer outro elemento que prejudique a leitura e conservação de uma pintura e não se encaixe nas patologias já relacionadas.




Pintura a seco – a tempera

Mesmo não conhecendo a formulação exata das tintas aplicadas na pintura decorativa encontrada na prospecção podemos dizer que no Brasil os materiais empregados em trabalhos parietais decorativos eram óleo e a tempera, o primeiro para obras mais nobres e a segunda para decoração mais simples.

A tinta é composta de pigmento e aglutinante, cuja função é ligar os pigmentos entre si e ao suporte.

A tempera, historicamente, foi um processo muito empregado e hoje se entende por tempera as pinturas a base de emulsões diluídas com água, unidas a pigmentos empastados com água. Estas emulsões podem ser naturais (leite, colas, gomas, ovo etc.) e artificiais (soluções contendo colas, vernizes e caseiros) e saponificadas (óleo gordo, sabão, cera, emulsão alcalina).

A tempera concede alguma vantagem para a aplicação em grandes superfícies, seca rápido, tem aspecto fosco e permanece com grande vibração cromática por um tempo maior.

No que se refere à conservação, é uma tinta inalterável inexistindo umidade, mas se as condições não são ideais sua degradação é muito mais rápida que a apresentada pela tinta óleo.

Para as preparações a tempera usava-se cal, alvaiade e cola animal.

Qualquer que seja a técnica utilizada para a execução de uma pintura mural, esta é feita sobre uma base e com a orientação de um desenho preparatório.

São inúmeras as técnicas utilizadas pelos artesãos, mas a que presumimos ser a existente nas paredes do galpão, a partir de um exame visual, é a seguinte: Máscara: Permite a repetição da decoração por toda extensão a ser pintada.

O processo de confecção da máscara é muito simples:

1º - O desenho é decomposto segundo suas cores;
2º - As partes a serem pintadas são recortadas nas formas desejadas em material consistente e impermeável;
3º - A aplicação da tinta pode ser feita por vários processos, a aplicação pode ser por rolinho de espuma, pincéis e ou boneca.



Início dos trabalhos de decapagem das paredes do Galpão do CEAGESP (futuro Poupa-Tempo)

O grupo de trabalho de responsabilidade da SECULT, é formado pela conservadora e restauradora de pinturas Maria Inah Rangel Monteiro, pelo mestre de obras João Batista dos Santos, e pelos seguintes artífices: Fernanda Oliveira Damacena, Alex Sandro Bacci Gonçalves, Laura Salustino Benites, Ederson Rodrigues Miranda, Fabrício Ferreira Barboza, Márcio Otávio Vieira, Carla Renata Pinto Ribeiro, Juliane Gomes da Silva, Fabiano Monteiro Rocha, Elder Souza Nunes, Valmir Gouveia Justo, Wellington Francisco Nascimento.

Os trabalhos tiveram início em 15 de fevereiro de 2006.





Localização das pinturas no interior do Galpão




Vista de uma das paredes do galpão no início do trabalho. As pinturas antigas estavam encobertas com várias demãos de tinta nova.




Aparência durante os trabalhos de decapagem, onde já podem ser observadas as composições presentes na parede.






























Remoção parcial das camadas de tinta que foram sobrepostas aos desenhos.






Estado da pintura antiga após a remoção das camadas de tintas que estavam sobrepostas.




Intervenção na parede ocasionou perda de uma parte.




Reconstituição de parte da parede, que havia sofrido perda por alguma intervenção antiga.






Aparência da parede, após reconstituição da argamassa depreendida, usando o traço da massa com a composição que se assemelha à antiga.

Aspecto final:
Baixo – Casa América
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central sem desenho
















Aspecto final:
Baixo – Casa Castanho
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central – Casa Kauffmann.















Aspecto final:
Baixo – Casa das Cores
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central – Casa Pretzel.












Foto extraída do Jornal “A Tribuna de 3 de abril de 1922.



Aspecto final:
Baixo – O Relampago
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central – Casa Parisiense




Foto extraída do Jornal “A Tribuna” de 3 de abril de 1922.













Aspecto final:
Baixo – Garage Hudson
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central sem desenho.













Aspecto final:
Baixo – Casa Eugênio
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central –Poetella e Mattos











Em alguns pontos houve perda de material da parede, e para que esta retornasse ao seu estado original, foi necessário recompor o vão existente. O traço da argamassa utilizada foi composta de cal, areia, saibro e pequena quantidade de cimento.





































Aspecto final:
Baixo – Casa Pavão
Cima – moldura com arabescos de ornamentos / parte central – sem desenho













Aspecto geral do Galpão



 
1Especialista em Teoria e Prática da Preservação e Restauro do Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico, Graduada em Artes Plásticas. Conservadora e Restauradora de Obras de Arte. Artista Plástica. Professora de Educação Artística. Monitora de Oficinas de Desenho e Pintura.