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Atlântico Hotel: preservação e modernização, desafios para sua sobrevivência
Jany Eliete Rabelo dos Santos1
 
Introdução
Pesquisar algo sobre o passado é sempre gratificante, pois descobrimos fatos inéditos que enriquecem nosso conhecimento.

A idéia principal desse artigo é mostrar que a harmonia entre o antigo e o novo é possível. Várias adaptações podem ser feitas sem descaracterizar o patrimônio. E, que a tecnologia é indispensável em determinados ambientes. A reutilização de espaços e, atividades culturais, adormecidas podem ser recuperadas e, utilizados como um “diferencial”, para atrair turistas.

Todavia, a despeito das constantes modificações ocorridas ao longo do tempo no Bairro do Gonzaga, ele possui bens patrimoniais interessantíssimos da história de Santos que, nem a especulação imobiliária conseguiu apagar.

Gonzaga “Magia e Glamour”

Um bairro tão conhecido como a própria cidade de Santos, centro do turismo santista. Tradicionalmente o Gonzaga é um ponto característico, que concentra um centro comercial dinâmico mesmo depois de todas as mudanças físicas e econômicas ocorridas ao longo dos anos.

Geograficamente, o Gonzaga é um bairro pequeno, limitado entre a praia, a “linha do trem” (Francisco Glicério) e os canais 2 e 3. Ele é delimitado por quatro principais avenidas: Bernardino de Campos e Washington Luís que correspondem aos dois canais citados respectivamente; Presidente Wilson avenida da Orla em direção a São Vicente e Francisco Glicério.

Antônio Luís Gonzaga nunca poderia imaginar que, a partir da instalação do seu botequim e, da inauguração de uma linha de bonde – ligando o centro ao núcleo nascente – Isto é, no longínquo ano de 1889, estivesse fincando as raízes daquele que viria a ser um dos mais tradicionais e importantes bairros santista. E em sua homenagem, com o seu sobrenome, o bairro foi batizado2.

No fim do século XVIII, não era comum às pessoas freqüentarem a praia e, a Orla, ou a Barra, como se dizia então, era ocupada por chácaras. Mas com a inauguração da linha do bonde, o senhor Gonzaga, foi o primeiro a explorar comercialmente, dotando de alguma infra-estrutura, o lazer da orla santista. Além do botequim, ele instalou quartinhos para banhistas. Naquela época o que atraía as pessoas à praia era o banho de mar, tido como detentor de propriedades medicinais. A facilidade de acesso, devido ao novo meio de transporte, foi decisiva para a utilização incipiente, sem método e, quase ao acaso, dos banhos de mar.

O início do prestígio das águas para a saúde e dos banhos de mar no Brasil começou com a própria vinda da Família Real e, ao que parece, foram seus membros os maiores propagandistas, na medida em que, por exemplo, outros integrantes do Palácio e a população em geral, se dispuseram a tomar águas minerais e banhos salgados. D. João, de hábitos caseiros e comodistas em Portugal – dizem que passou um ano sem sair do Palácio de Mafra – aqui se tornou um andante, vivendo de um lado para outro, a pretexto de tomar banhos de mar, ou indo ao jardim Botânico, de que gostava muito. Quando se achava em São Cristóvão, tomava seus banhos no Caju3.

Apesar do modismo mundial de banho de mar e dos benefícios da água para a saúde, as condições de higiene em Santos naquela época ainda eram bastante precárias. Problema de muitas décadas e só resolvido no contexto de inícios do século XX com a comissão sanitária de saneamento, sob o comando do Engenheiro Saturnino de Brito.

Com intenso número de adeptos ao banho de mar, e o progresso da economia cafeeira, surgem os primeiros embriões da hotelaria praiana, onde o lazer era inicialmente privilégio da elite. Mais tarde, com a disseminação das características da Revolução Industrial surge a conquista social do período de férias, a partir da terceira década do século XX, Ocorrem mudanças de hábito do uso da praia para o lazer e o turismo, devido ao tempo livre adquirido pela nova sociedade urbana e, o bairro do Gonzaga transforma-se nesse período de transição em um grande centro de entretenimento e de prestação de serviços.

No fim de um dia proveitoso a fina flor da economia cafeeira – corretores, exportadores, financista - iam gastar seus lucros nos elegantes hotéis da orla praiana: Palace Hotel, Atlântico, Avenida Palace e o mais luxuoso de todos, o Parque Balneário. Neles, encontravam-se não apenas cassinos para excitantes apostas na roleta e no bacará, mas também restaurantes, orquestras, bailes e muito mármore, cristais, porcelanas4.

O luxo e o requinte dessa época glamorosa era privilégio de poucos, apenas a elite usufruía o conforto das opções de lazer oferecidos nesses meios de hospedagem. Em contrapartida a praia estava ao alcance de todos. Afinal, bondes para qualquer lado é que não faltavam.

Em 30 de abril de 1946 o presidente Eurico Gaspar Dutra proíbe o jogo no Brasil. Em Santos a notícia cai como uma bomba, pois a rede hoteleira da cidade fora quase toda montada para receber as multidões de jogadores endinheirados que desciam a serra em busca dos cassinos locais. Sem hóspedes jogadores, um a um, os grandes hotéis da orla vão sendo fechados e demolidos.

No lugar dos hotéis, arranha-céus residenciais: ao longo dos anos 50 e 60 inicia-se o rápido processo de verticalização da orla praiana santista. Os edifícios (mansões, pequenos e grandes hotéis, chácaras elegantes) são demolidos para dar lugar a modernos “prédios de apartamentos”, muitos deles ocupados pelo novo tipo de turista que procura a cidade: O veranista, interessado no sol, no mar e na vida relaxada do litoral. Esse veranista, que prefere o apartamento “de temporada” ao luxo antigo dos hotéis, é também um usuário do automóvel, cada vez mais difundido nos anos 50. A inauguração da via Anchieta em 1947 e um incentivo a mais para uma viagem mais rápida a Santos5.

Com a decadência do café, e a proibição dos jogos de cassinos. O Gonzaga mudou complemente a sua estrutura física, sócio-econômica e principalmente as diversas formas de lazer. Dos suntuosos hotéis e chácaras de veraneio restaram algumas recordações que estão retratadas nas fotos desse período histórico da cidade de Santos. Permanecem, porém, em meio às demolições, dois hotéis que vem fazendo história e testemunhando esse passado. São eles: O Atlântico Hotel e o Avenida Palace Hotel, ambos localizados na orla da praia.

Atlântico Hotel: ultrapassando gerações

Quem viveu a época do “Gonzaga Glamouroso”, sabe que as mudanças foram muitas, mas o resgate da memória, possibilita voltar ao tempo e relembrar momentos e situações inesquecíveis.

O Atlântico Hotel está localizado na avenida Presidente Wilson, n°1, esquina com a avenida Ana Costa, em frente a praia do Gonzaga. É um dos marcos mais importante do bairro, porque ainda preserva sua arquitetura externa original, desde sua construção no início do século XX. Ele resistiu ao tempo e à especulação imobiliária e vem fazendo história e desenvolvendo a mesma atividade econômica desde a sua inauguração. Sem dúvida ele é um orgulho para a população santista, pois simboliza um momento do passado histórico da cidade. Quem passa pelo bairro percebe a beleza arquitetônica, tanto do Atlântico, como a do Avenida Palace Hotel, pois ambos, marcam a paisagem da Orla em seu ponto mais sensível sob o ponto de vista urbanístico e, sendo remanescentes de época, devem ser preservados.

O Atlântico Hotel teve sua fachada tombada pelo Condephaat, órgão estadual responsável pelo patrimônio cultural paulista. Ele mantém as janelas de cristal europeu e os batentes e porta giratória do hall de entrada de madeira de lei6.

O senhor Edivaldo Evangelista dos Santos viveu sua juventude na época dourada do Gonzaga. Hoje, como supervisor geral de um dos hotéis mais tradicionais de Santos, ele fala do início de sua fundação: “O Atlântico Hotel começou a ser construído em 1908 e foi inaugurado em 1922, naquela época tudo era feito manual. Logo quando abriu vieram pessoas ricas, os barões do café. O restaurante era muito grande, pegava a área que é hoje a loja C&A na parte térrea do hotel e sempre vivia cheio, as pessoas ficavam esperando mesa, mesmo com todo aquele tamanho. Nessa época, o jogo era legal e então tinha cassino, boate, cinemas, salões de bailes, aqueles lustres, enfim um lindo hotel”.

Talvez, por manter sempre um padrão altíssimo de serviços e não possuirmos consumidores suficientes, não tenhamos mais hoje em nossa cidade o tradicionalismo e o bom gosto do restaurante Atlântico que será, entretanto, sempre lembrado como uma referência santista de outrora.

A recepção foi reduzida, e boa parte foi transformada em um pequeno restaurante com capacidade para acomodar cinqüenta pessoas, com serviços muito simples comparados ao passado. Todavia, o ambiente aconchegante proporciona ao cliente uma boa visibilidade da avenida Ana Costa.

A hotelaria daquela época pautava-se pelo luxo: o atendimento refinado com funcionários treinados. Atendimento de classe porque os hóspedes eram pessoas de um poder aquisitivo muito grande. Existia até mesmo uma ala maior reservada só para os empregados dessa gente. Imagine: 130 apartamentos, e 180 funcionários7.

Apesar das diversas modificações desde sua inauguração, atualmente o Atlântico possui 114 apartamentos com capacidade para hospedar 330 pessoas, salão de beleza, salão de jogos e TV, sala de café da manhã, salas para reuniões e ainda, um pequeno restaurante. Um fato interessante é que os administradores tiveram a idéia de preservar um apartamento de casal no 2º andar com os mesmos móveis e decoração da época e que normalmente é solicitado pelos clientes. Os apartamentos que possuem janelas de frente para o mar proporcionam aos hóspedes uma boa visibilidade de toda baía de Santos, tendo como cenário, o maior jardim do mundo, e o mar azul com navios que trafegam em direção ao porto, ou dele partem.

A área de entretenimento do hotel foi reduzida, comparada ao requinte dos “tempos de glória”. Considerado padrão três estrelas, ele atende outro perfil de hóspede. Durante uma visita ao estabelecimento foi possível observar, que as salas de jogos deixam a desejar, contendo apenas uma mesa de sinuca e uma de pingue-pongue; o salão de beleza não funciona aos domingos e os corredores que dão acesso aos apartamentos não possuem qualquer decoração. Assim como as salas de entretenimento, a parte operacional também apresenta problemas visíveis, os elevadores, por exemplo, não funcionavam e os hóspedes estavam utilizando as escadas. Isso num hotel com cinco andares! Essa disfunção é constrangedora.

Segundo Edivaldo, a tradição do Hotel Atlântico ultrapassa gerações: “Nossos hóspedes são tradicionais. Há pessoas que vieram para cá quando eram crianças, e hoje trazem seus netos. Um ponto interessante é a alta freqüência de hóspedes da terceira idade. O ambiente considerado familiar traz lembranças de infância para as pessoas que hoje são avós. Cerca de 50% dos nossos hóspedes são de terceira idade. São avós que trazem seus netos para conhecer um pedacinho da infância que tiveram muitos anos atrás. Eu tenho certeza que esses netos serão nossos futuros hóspedes, dando continuidade à tradição do Hotel”.

Considerações finais

O Atlântico Hotel é um destaque entre os hotéis mais antigos da cidade, talvez pela sua boa hospitalidade, ou localização privilegiada de frente à praia. Mas será que esses fatores são essenciais para garantir seu funcionamento por mais algumas décadas? A deficiência da sua estrutura física e organizacional está explicita, e o ideal seria usar sua arquitetura e seus detalhes como filão, em prol do seu melhor aproveitamento. Além da localização, os hotéis precisam aprimorar sua parte operacional em serviços e instalações, porquê distante do passado da fundação, atualmente a concorrência está cada vez mais acirrada, e para permanecer no mercado o administrador precisa pensar em atualizar-se, modernizar seus equipamentos e ir de encontro às necessidades atuais de uma clientela mais diversificada. Os hóspedes tradicionais não são suficientes para manter o Hotel. Tudo isso só é possível com um planejamento adequado desses que foram, historicamente empreendimentos de vanguarda, proporcionando assim, a valorização do patrimônio e a sobrevivência da empresa por mais tempo, sem descaracterizar o uso do imóvel.

Um exemplo de hotel histórico no Brasil e que se adequou ao desenvolvimento tecnológico e às novas demandas sociais é o Copacabana Palace, salvo da demolição pelo tombamento na década de 70. Hotel fundado em 1923, esse edifício elegante e imponente, continua a ser um marco no Rio de Janeiro. Passados oitenta anos, ele continua com o mesmo glamour. Passou por um extenso programa de reformas com o objetivo de manter e realçar a sua posição de um dos melhores estabelecimentos hoteleiros da América do Sul. Dessa forma, percebemos que a modernização de hotéis históricos é possível, mantendo a eficiência sem modificar ou descaracterizar o estilo do edifício.

A modernização de áreas úmidas como cozinhas e banheiros; redes hidráulicas e elétricas e o mobiliário dos quartos são imprescindíveis, devido ao desgaste ou, à inadequação contemporânea dos materiais e aos altos custos de manutenção de equipamentos obsoletos. Qualidade, conforto e segurança dos estabelecimentos dessa categoria, destinados à exploração comercial, não são incompatíveis com os conceitos de bens patrimoniais e, são necessários.

Portanto a estratégia, não é descaracterizar e sim, conservar ou restaurar e reabilitar. Conciliar o processo das novas tecnologias com o estilo e os detalhes de época, transformando-os em espaços confortáveis, buscando um apelo visual como estratégia de marketing, oferecendo ao hóspede a qualidade do ambiente e serviços, adaptando o passado ao presente.
 
1Bel. em turismo e hotelaria pelo Centro Universitário Monte Serrat- Unimonte SP. Atualmente Cursando Pós-graduação em Cidade história: Meio ambiente lazer e turismo - Unisantos SP. Instrutura de cursos profissionalizantes na área de hotelária no SENAC em Montes Claros- MG. (2002). Recepcionista do Hotel Independência em Santos- SP(2003-2004).
2Jornal A Tribuna 03/06/90
3Pires, J. Mário. Raízes do Turismo No Brasil. São Paulo: Editora Manole Ltda. 2002. P.56.
4Pimenta, M. Aurelius. Caminhos do Mar: Memórias do Comércio da Baixada Santista. São Paulo: Museu da pessoa,2002.p.76.
5Pimenta, M. Aurelius. Caminhos do Mar: Memórias do Comércio da Baixada Santista. São Paulo: Museu da pessoa,2002.p.58.
6Pereira, Viviane. Memórias da hotelaria santista. São Paulo: Páginas & Letras Editora e Gráfica, 1997. p.31.
7Pimenta, M. Aurelius. Caminhos do Mar: Memórias do Comércio da Baixada Santista. São Paulo: Museu da pessoa,2002.p.43.