Especialistas defendem a pedagogia dos rios como forma de conscientização sobre os recursos hídricos na região
1 de novembro 2023
O Comitê de Bacia Hidrográfica da Baixada Santista (CBH-BS) atua dando apoio a projetos que contemplam as metas e ações dos Planos de Bacias.
Por Daniel Rodrigues e Igor de Paiva – da Agência de Notícias da Água
A Baixada Santista tem uma quantidade abundante de rios, são cerca de 21 sub-bacias, destas, 18 são rios, que juntas somam 2.800 km2, o que equivale a mais de 10 vezes o tamanho do território da cidade de Santos. Eles passam por todas as cidades da região e servem para a subsistência da população.
Por essa importância, a pedagogia e educação dos rios deveria ser prioridade na matriz curricular do ensino básico e superior. Entretanto, na visão da educadora ambiental, Amélia Ponte, o ensino desse tema nas escolas e universidades é deficitário, já que os rios e seus problemas são discutidos pontualmente na época de enchentes. “Só podemos defender ou proteger algo quando o conhecemos. Moramos em uma região recortada por rios e pouco se sabe sobre eles. O mesmo acontece com os manguezais”, conta Amélia.
Nas escolas são estudadas as partes básicas do rio, como a nascente, o leito e a foz. Mas, também existem outros enfoques importantes sobre os cursos d’água como fonte de alimento, produtores de oxigênio (fitoplâncton), transporte, práticas esportivas, cultural, ocupação humana na região ribeirinha e econômica entre outros que poderiam ser mais aprofundados na educação.
“Trabalhar com projetos permite que os assuntos sejam discutidos sob diferentes olhares, como tema transversal as áreas da Biologia, Ciências, Física, Geografia, História, Matemática, Português, Química, Saúde Pública e, assim, o estudante independentemente do nível escolar teria uma visão completa e contextualizada do assunto”, explica Amélia.
Nas redes públicas de ensino de cada cidade da região, cada gestão tem um modo de como abordar o tema. No currículo municipal das escolas de Santos, a temática dos rios, é discutida explicitamente no componente curricular de Geografia, tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental.
Nas Ciências da Natureza, a preservação dos rios também é abordada quando se discute a importância da mata ciliar da Mata Atlântica, ou quando tratamos dos manguezais. Na Seduc Santos, tem ações permanentes com o tema da Cultura Oceânica, na toada da década do oceano anunciada pela ONU. Tratar mares, florestas e rios de modo sistêmico é fundamental.
Já a Prefeitura de São Vicente, informou que no currículo pedagógico é apresentada a temática dos rios da região a partir do quinto do ensino fundamental, nos componentes de Ciências e Geografia, tendo os seus saberes e especificidades aprofundados nos anos com o estudo dos ecossistemas costeiros, da conservação e degradação dos rios, qualidade ambiental, diferentes tipos de poluição, preservação do patrimônio histórico e ambiental e gestão pública da qualidade de vida na região, possibilitando que os alunos proponham iniciativas de soluções ambientais para a comunidade e cidade.
A rede municipal de Guarujá os rios com base nas propostas do Currículo Paulista, elaborado pelo Governo do Estado de São Paulo. O documento possui diretrizes voltadas à Educação Infantil e ao ensino fundamental. As questões geográficas da Baixada Santista são abordadas em sala de aula conforme a necessidade de contextualização dos professores.
O Comitê de Bacia Hidrográfica da Baixada Santista (CBH-BS) atua dando apoio a projetos que contemplam as metas e ações dos Planos de Bacias (da região e Estado), é o que conta o vice-presidente, Nelson Portero Júnior. “Nossa participação é principalmente nas demandas de recursos financeiros oriundos da “Cobrança (outorgas)” e da Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos (CFURH)” e, participando de projetos de educação ambiental, além de encontros regionais, estaduais e até federal. Temos como meta atualização profissional de seus representantes”.
O vice-presidente afirma ainda que todos os rios têm sua importância dentro da bacia, mas, pode-se mencionar um em particular que é o Rio Itapanhaú em Bertioga, que possui um Barco Escola em operação (FEHIDRO). Ele é um projeto fundado em 2013 da equipe de Educação Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Bertioga, visando proporcionar uma vivência sobre a importância das florestas presentes nas áreas de matas ciliares, fauna terrestre e aquática nativas do Município.
No primeiro ano de funcionamento, o Barco Escola servia como sala de aula para os estudantes da rede pública, no qual os alunos tiveram mais interação com as lições e conteúdos relacionados ao tema. No projeto, eles tiveram a chance de conhecer os manguezais, a Mata Atlântica, a fauna e flora da região. O barco é uma chalana em alumínio e tem 14 metros de comprimento e seis de largura, com 40 lugares disponíveis para as crianças.
Para entender a situação dos rios da nossa região, Portero diz que pode dividir ela em duas categorias: os rios que possuem o direito de outorga pelos seus usuários (qualidade, disponibilidade e quantidade) e os rios que recebem a carga orgânica (descarte) depois do tratamento de efluentes domésticos e industriais.
Ele explica que os municípios trabalham junto ao comitê fazendo parte da diretoria, câmaras técnicas e comissões especiais, com pessoas capacitadas em gestão de recursos hídricos. É importante estarem juntos, porque cada cidade possui características distintas e as atividades econômicas se diferenciam na região.
Portero ressalta que é preciso o monitoramento da qualidade desses recursos hídricos pois, são os principais fornecedores de água para abastecimento das cidades e de contato primário para o consumo humano, o lazer e turismo.
A educação ambiental sempre esteve presente nas escolas da região, é o que conta o vice-presidente do CBH-BS. Por conta da relevância do tema, há um capítulo no Plano de Bacia da Baixada Santista (PDC 8) que trata desse assunto e há uma Câmara Técnica de Educação Ambiental que analisa as propostas submissas a projetos FEHIDRO.
Tanto o Estado, Município e Sociedade Civil, pleiteiam e desenvolvem projetos FEHIDRO que contemplam ações e metas nas escolas públicas e particulares com o tema água.
Importância dos rios
As águas dos rios serviram de caminhos para o deslocamento em meio aquático e até, propiciaram plantios de subsistência, é o que explica a geóloga e geógrafa, Angela Frigerio. “Pode-se afirmar que os rios da Baixada Santista revelam fragmentos de um passado no presente e que oferecem múltiplas leituras, não só como palco de acontecimentos, mas guardam em si outras dimensões do momento da história, enquanto momento de vida”, conta .
Os principais rios da região, em seus trajetos, percorrem dois cenários diferentes. Angela conta que o primeiro está relacionado à Serra do Mar, onde são encontradas suas nascentes. Nesse ambiente, em meio ao imbricado de árvores da floresta tropical úmida da Mata Atlântica, os rios são encachoeirados, torrenciais e com águas que mudam de nível com frequência porque são alimentados, principalmente, pelas águas das chuvas que atingem a região. Nesse espaço, as águas revelam-se cristalinas, mais protegidas da ação humana.
No segundo cenário esses rios passam a percorrer as planícies costeiras onde o homem da Baixada Santista se instalou. Com fluxos mais calmos, ao encontrarem obstáculos, os rios passam a contorná-los, dando origem a curvas sinuosas, num emaranhado de canais que recebem inclusive, nas proximidades de cada desembocadura, a influência das marés. É a água salgada que avança silenciosamente pelo leito do rio, em sentido inverso e sob a água doce.
Dentre esses rios, a geóloga e geógrafa afirma merecem destaque as sub-bacias dos rios, como: Itaguaré, Guaratuba, Itatinga, Sertãozinho, Alhos e Itapanhaú, em Bertioga; Cabuçu, Quilombo e Jurubatuba, na área continental de Santos; Cubatão e Mogi, em Cubatão; Boturoca e Piaçabuçu, em Praia Grande; Preto, Branco e Itanhaém, em Itanhaém; Una, Perequê e Preto em Peruíbe. “Todos mantêm um vínculo especial com o ser humano, seja para o abastecimento de água para as cidades, a exemplo dos rios Cubatão e Jurubatuba, seja para a obtenção de energia, a exemplo do rio Itatinga que ainda fornece energia para o porto de Santos, ou ainda para o abastecimento das indústrias do polo de Cubatão, a exemplo do rio Mogi”, explica a geóloga e géografa. Porém, ela ainda ressalta que não se pode esquecer que os rios são também um meio de vida e abrigam ecossistema próprio onde se pode buscar o alimento que não pode faltar.
Os rios também são marcados por pressões quando suas águas passaram a servir para o descarte de efluentes industriais, de esgotos domésticos, de resíduos sólidos ou quando a política habitacional levou as pessoas a construírem moradias irregulares às margens deles sem qualquer infraestrutura. Como consequência, Angela conta que a qualidade de suas águas foi piorando rapidamente, trazendo prejuízos para o desenvolvimento da vida aquática e para o próprio consumo humano.
Para preservar os rios da região, é preciso a sensibilização da população, por isso, deve-se também priorizar o público infantil para que os rios venham a ser ressignificados e passem a ser componentes fundamentais de sua identidade. “É importante que haja a apropriação de como são os rios, seus dinamismos, de modo que as experiências educativas ganhem um sentido público de formação”, explica Angela.
Água subterrânea
Na região, existe um sistema integrado de abastecimento de água que inclui a captação de água a partir de 26 rios, que é tratada em estações de tratamento localizadas em vários municípios. Na visão do professor da UniSantos e geofísico, Oleg Bokhonok, mesmo com recursos insuficientes para abastecer com segurança toda a população, a Sabesp está investindo cerca de duzentos milhões de reais para melhorar a situação. “Apesar de todo o esforço e investimentos que estão sendo feitos pela Sabesp, um dos maiores desafios na Baixada Santista ainda é fornecer água potável para as comunidades isoladas, onde a falta deste recurso pode acarretar riscos para a saúde da população que reside nesses locais”.
Em alguns casos, por exemplo, a alternativa para abastecer essas comunidades é a instalação de poços para explorar água subterrânea. Na Baixada Santista, o professor e geofísico conta que existem dois sistemas de aquíferos: aquífero sedimentar litorâneo e aquífero pré-cambriano (cristalino). Porém, de acordo com Bokhonok, com o nível de caracterização desses aquíferos é impossível saber se em um determinado local (comunidade isolada) seria viável construir um poço para extrair água com potencial de ser potável após o tratamento.
A recomendação, de acordo com Bokhonok para evitar os riscos ambientais e econômicos na implementação de um projeto de perfuração de poços de água é efetuar como etapa anterior, a prospecção de recursos hídricos subterrâneos usando métodos geofísicos (elétricos, eletromagnéticos e sísmicos). “A presença de sedimentos saturados com água subterrânea salobra na nossa região realmente é um desafio, principalmente para os métodos elétricos e eletromagnéticos, pois a condutividade baixa do meio pode afetar, por exemplo, a profundidade de investigação”, explica Bokhonok. Para ele essa limitação vira vantagem quando o objetivo do estudo é justamente delimitar a intrusão salina nos aquíferos na nossa região, a maneira como a salinidade afeta os dados geofísicos permite entender se a água está contaminada com sal ou não.
Atualmente Bokhonok está coordenando dois projetos financiados pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) e Universidade Católica de Santos, que visam a caracterização geofísica dos aquíferos, com objetivo de entender à disponibilidade hídrica subterrânea e identificar os locais com maior probabilidade de presença de água subterrânea na Baixada Santista, com olhos voltados às comunidades mais isoladas.
Nos níveis mais rasos, como no do lençol freático de um a dois metros, é comum ela ter uma aparência turva e conter grande quantidade de substâncias. Nos aquíferos localizados em profundidades maiores também é possível encontrar água com esse aspecto, principalmente em lugares com a presença de intrusão salina. No entanto, existem as áreas na região onde a água subterrânea pode ter boa qualidade e ser uma boa alternativa para o uso residencial e industrial.
Limpeza de bacias e manguezais
Com o intuito de reduzir a quantidade de plástico nos manguezais e mares que rodeiam as cidades da Baixada Santista, o Instituto Ecofaxina tem atuado na limpeza e na recuperação de áreas degradadas. Ela é uma associação sem fins lucrativos, fundada em Santos, em 2008. O diretor-presidente do Ecofaxina, William Rodriguez Schepis, contou que ela foi criada a partir da percepção de grande quantidade de resíduos que o próprio mar depositava nas praias, não só de Santos, mas também de São Vicente, Guarujá e Praia Grande.
O foco principal do instituto é em regiões de mangue e em lugares como o Dique da Vila Gilda. O Ecofaxina também tem dialogado com o poder público em torno de um projeto para trabalhar juntos com as comunidades. “Nesse projeto a comunidade se torna protagonista das ações de limpeza, com a formalização de uma cooperativa. De lá para cá viemos conversando com a Prefeitura buscando viabilizar uma área que precisa ser na margem estuarina para fazer esse trabalho com embarcações e acessar o manguezal para que a gente pudesse implantar essa base operacional e começar a realizar esse trabalho diariamente e aí com a instalação de barreiras eco barreiras”, explica Schepis.
Há quase 12 anos, o Ecofaxina discute sobre a instalação de ecobarreiras como um equipamento necessário para fazer a contenção de resíduos sólidos flutuantes e trazer uma maior eficiência na retirada desses resíduos. “O projeto ele engloba essa formação de frente de trabalho de moradores de comunidade de palafita organizados de forma cooperativa, instalando essas ecobarreiras nas proximidades do Largo da Pombeba, onde a gente tem a intersecção de três municípios que possuem comunidades de palafita naquela região, que é Santos, São Vicente e Cubatão”, conta o Schepis. E esses agentes ambientes, eles moram na comunidade, orientam e fazem esse trabalho de educação ambiental, de conscientização a respeito da separação do resíduo e do descarte correto.
Segundo Schepis, o descarte nas comunidades de palafita é feito em grande parte por moradores que não têm como fazer o descarte de outra forma por não ter nenhuma opção correta de descarte. Por isso, o instituto vem buscando implementar uma educação ambiental para que eles possam exercer uma mudança de hábitos e começar a fazer a destinação correta do plástico.