A Agenda Portos do Governo Federal, coordenada pela Casa Civil, elenca 11 portos brasileiros como prioritários para receber investimentos. Destes, poucos apresentam conformidade ambiental. A Agenda Ambiental Portuária é a política que busca enquadrar os portos brasileiros em requisitos ambientais, sendo desenvolvida na perspectiva de uma gestão negociada, evoluindo neste momento para promover as Agendas Locais de cada porto.
O capítulo discute esta política, aproveitando em maior profundidade dados da situação do Porto de Santos para examinar as características dos conflitos ambientais das atividades portuárias e discutir estratégias de gestão do ponto de vista da resolução de conflitos, utilizando a abordagem dos ganhos mútuos. Sistemas de Gestão Ambiental de portos estrangeiros são utilizados como referência para analisar possibilidades oferecidas por plataformas de gestão com maior amplitude enquanto incorporação de propostas de sustentabilidade.
São aproveitados resultados da primeira etapa de projeto na modalidade Políticas Públicas da FAPESP, que conta com a agência ambiental paulista e a Autoridade Portuária de Santos como parceiros para desenvolver um exercício de negociação visando o desenho de uma agenda ambiental local.
As dificuldades que cercam o licenciamento ambiental da dragagem de interesse dos portos de Santos e da Cosipa, ambos localizados no estuário de Santos e São Vicente, são parte de um panorama bem mais amplo de conflitos ambientais. Trata-se de situação de efetiva complexidade, que envolve os interesses da qualidade ambiental e de atividades econômicas estratégicas para a região e para o país.
O que limita as intervenções de dragagem é a poluição ambiental acumulada no estuário. Esta poluição é de responsabilidade de diferentes fontes, atuantes hoje e também fontes pretéritas, passivos ambientais acumulados, destacando-se entre as possíveis maiores contribuições os efluentes do parque industrial de Cubatão em anos anteriores.
A região combina ecossistemas frágeis e protegidos por diferentes legislações nacionais e internacionais. A lei nacional não oferecia, até recentemente, todos os parâmetros necessários às decisões de licenciamento.
O estágio de implantação dos instrumentos de gestão no Brasil ainda não oferece às autoridades ambientais mecanismos suficientes de apoio e facilitação para soluções negociadas entre diferentes segmentos da sociedade.
A diversidade de interesses já mobilizados em torno do tema, bem como daqueles que ainda poderão se mobilizar em função das decisões futuras, e as atitudes dos diferentes setores envolvidos até aqui, compõem um quadro bastante tenso, caracterizado pela defesa dos interesses particulares, pontuais e imediatos.
O grande risco para a agência ambiental do governo e para os próprios segmentos econômicos é que as decisões que venham a ser adotadas não obtenham compreensão e respaldo no conjunto da sociedade, gerando não apenas desgastes de imagem, mas acarretando novos conflitos e desdobramentos negativos, tais como iniciativas judiciais em que as decisões escapem da alçada das políticas ambientais e seus responsáveis.
Um projeto de pesquisa em fase inicial de desenvolvimento, com parceria entre Universidade, agência ambiental governamental e autoridade portuária, propõe-se a desenvolver facilidades para construção de consensos, com base no conhecimento das propostas estratégicas dos atores do conflito e na sua capacitação para a negociação. Um cenário de concertação de esforços poderá aproximar a equação econômica das atividades portuárias, a melhoria da qualidade ambiental do estuário e o atendimento aos interesses imediatos e direitos de outros setores da população, inclusive os aspectos de saúde pública já evidenciados pelos trabalhos de monitoramento ambiental desenvolvidos pela CETESB.
Os levantamentos desenvolvidos na etapa preliminar do projeto permitem desenhar uma pauta inicial dos fenômenos de conflito ambiental que cercam as atividades portuárias em Santos, gerando desafios para avançar para metas de qualidade e conformidade.
As atividades portuárias estão na origem de amplas transformações dos ambientes regionais, e carregam constantemente vasto potencial de impactos. As dragagens e a disposição dos materiais dragados somam-se neste rol a acidentes ambientais com derramamento de produtos; geração de resíduos sólidos; contaminações por lavagens de embarcações e drenagens de instalações; introdução de organismos exóticos nocivos embarcados em outras partes do Planeta, nas águas de lastro dos navios; lançamento de efluentes líquidos e gasosos. Projetos de expansão de instalações portuárias acarretam alterações na dinâmica costeira, induzindo processos erosivos e alterações na linha de costa; supressão de manguezais e outros ecossistemas costeiros; aterros, dragagens, alterações na paisagem, comprometimento de outros usos dos recursos ambientais, como turismo, pesca, transporte local (CIRM, 1998; Porto e Teixeira, 2002).
O papel dos portos na dinâmica territorial vai mais além. Os portos são infra-estruturas estruturantes, como assinala Barragan (1995): por seu papel de elos entre circuitos econômicos desenrolados no interior do território e fluxos comerciais externos concretizados através do transporte marítimo, determinam a (re) configuração de malhas territoriais, articulando-se a outros modais de transporte e regiões produtivas. Em áreas portuárias, os usos das águas estão na base da dinâmica territorial, assumindo papel central na vida das cidades portuárias, desafiadas pelas mudanças produtivas e tecnológicas dos portos a redesenharem-se e reinventarem-se como paisagem, espaço urbano, meio de sobrevivência e socialização, lugar com identidade própria na rede global (Ferreira e Castro, 1999; Meyer, 1999). Historicamente, as cidades portuárias alternam ciclos de maior e menor integração com seus portos, ora deles vivendo, ora sobrevivendo a eles.
A relação do porto com o meio físico também muda na história. Espaços de águas calmas e abrigadas, em certas eras ideais para abrigar as estruturas de carga e descarga, podem tornar-se limitados para os novos navios de grande calado.
A política ambiental brasileira tardou em reconhecer a importância dos portos como fenômenos de modificação dos ambientes regionais. A agenda ambiental portuária data de 1998, articulando as áreas de meio ambiente e transportes através das políticas de Gerenciamento Costeiro e de modernização dos portos (CIRM, 1998). Esta Agenda propõe o desenvolvimento de um modelo de gestão ambiental portuária pautado nas políticas de meio ambiente, recursos do mar e recursos hídricos, orientando-se ainda pelas convenções internacionais e pelo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. As propostas de ampliação dos portos devem compatibilizar-se com o zoneamento ecológico-econômico da costa, e os Planos de Desenvolvimento e Zoneamento devem ser concebidos de acordo com os Planos Diretores municipais e propostas de revitalização de áreas portuárias.
Na Baixada Santista, além das atividades portuárias reunidas no Porto de Santos, ocorrem ainda aquelas que utilizam o chamado Porto da Cosipa, nos terminais desta empresa e da Ultrafértil, em Cubatão. A unidade ambiental diretamente impactada por estas atividades portuárias é o sistema estuarino santista, um complexo de manguezais, canais, rios, alagados e bancos de lodo limitados ao norte pelo município de Bertioga (bacia do rio Itapanhaú) e ao sul por Praia Grande e São Vicente (bacias dos rios Branco, Mariana e Piabaçu). Embora fortemente alterada, em especial pela poluição oriunda de Cubatão em anos anteriores, a região é uma área importante do ponto de vista da biodiversidade, principalmente nas porções melhor conservadas nas proximidades de Bertioga. Ali, a ocorrência de grande número de espécies de avifauna leva os estudiosos a classificar a Baixada Santista como um ponto de importância singular para as aves migratórias no sudeste brasileiro (Olmos, Silva e Martuscelli, 1996; Miranda, 1996; Rodrigues et al., 1996).
O grande aporte de sedimentos nos Canais do estuário demanda dos portos uma atividade periódica de dragagem de manutenção. O monitoramento ambiental feito ao longo dos anos, embora demonstrando melhoria em vários aspectos da poluição do estuário, indicou, em finais da década de 90, contaminação no material dragado, levando a CETESB a medidas de controle ambiental em relação à atividade de dragagem. As restrições são mais severas em relação à bacia de evolução da COSIPA, onde os sedimentos apresentam presença de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, metais pesados e compostos fenólicos (CETESB, 2001).
A situação desafia empresas e agências ambientais a um equacionamento que combine respeito aos parâmetros ambientais e expansão das atividades econômicas. Evidenciaram-se nestes episódios limitações no campo da gestão ambiental pública, como a falta de padrões ambientais nacionais para sedimentos, que só em 2004 seriam estabelecidos por nova Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA); e também no campo da gestão empresarial, onde afloram as dificuldades do setor portuário em lidar com o (novo) campo dos regulamentos de meio ambiente, tradicionalmente ignorado (Cunha e Mossini, 2002). É uma situação com forte componente de conflito.
O desafio que se coloca para ambos os lados é a construção de procedimentos sobre novas bases sustentáveis. A sustentabilidade, como propõe Sachs, vai além da dimensão ambiental. Deve apoiar-se na sustentabilidade social, a própria finalidade do desenvolvimento; ter como corolário uma sustentabilidade cultural; uma distribuição territorial equilibrada das atividades humanas; e contemplar a necessidade da sustentabilidade econômica (Sachs, 2002). Desenvolvimento sustentável, ou ecodesenvolvimento, para este autor é um caminho mais próximo se for possível construir uma gestão negociada e contratual dos recursos, capaz de equacionar os conflitos que surgem.
Os conflitos sócio-ambientais podem ser entendidos como disputas entre grupos sociais derivadas dos distintos tipos de relações por eles mantidas com seu meio natural. Há três dimensões básicas a serem consideradas no entendimento e na análise destes conflitos: o mundo biofísico e os ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento dinâmico, interdependente, entre estes dois mundos. Ocorrem conflitos pelo controle dos recursos naturais, conflitos derivados dos impactos ambientais e sociais decorrentes de determinados usos, e também aqueles ligados aos usos e apropriações dos conhecimentos ambientais (Little, 2001).
A importância do campo de conflitos ambientais para as atividades empresariais é reconhecida na visão da empresa pela teoria dos stakeholders. Estratégias ambientais empresariais são analisadas pelo prisma da negociação com diferentes grupos de interesses, que sofrem a influência e por sua vez podem influenciar o campo de atividades das empresas, questionando ou contribuindo para consolidar sua legitimidade (Andrade, 2000).
São freqüentes as abordagens que reconhecem o conflito ambiental como algo a ser encarado como prioridade pela política ambiental brasileira, um campo onde é fundamental avançar para um estágio de gestão negociada (Leis, 1999).
A negociação é apontada justamente como via para operacionalizar o conceito de desenvolvimento sustentável, através da construção de consensos em torno de planos que incorporem progressivamente os requisitos ambientais, na proposta do Programa Internacional de Gerenciamento da Sustentabilidade, da Sustainability Challenge Foundation. Para trabalhar o obstáculo da falta de habilidades de negociação, este Programa traz a abordagem dos ganhos mútuos, ancorada na experiência do Consensus Building Institute, mantido pelo Massachussets Institute of Technology e pela Harvard Law School.
A abordagem dos ganhos mútuos propõe construir jogos em que todos podem ganhar, o que se torna possível desde que cada ator desenvolva a capacidade de colocar-se no lugar do outro, entendendo suas motivações e necessidades. Um primeiro passo neste processo de facilitação é a identificação de todos os atores que devem participar das negociações, evitando-se deixar de fora do processo interesses de peso. A observação dos diversos atores que integram o campo dos conflitos deve permitir a construção de uma matriz com os resultados ideais e os mínimos aceitáveis para cada um, de forma a permitir a antevisão de possíveis pautas de entendimento. A dinâmica de construção de consensos pode ser facilitada por articulações entre os jogadores, compondo blocos de interesses em torno de conjuntos de metas comuns. Nessa construção, deve-se evitar a contraposição de diferentes valores pessoais, deslocando-se sempre as discussões para o campo das questões práticas. Nesse sentido, o mediador ou facilitador deve ter habilidades específicas, incluindo-se a organização de uma pauta de debates que promova consensos parciais, gerando atitudes mais confiantes e menos agressivas, de forma a permitir que as grandes questões de fundo possam então ser enfrentadas, de forma cooperativa (Susskind & Field, 1997; Susskind et al., 2000).
Quando aborda a negociação para construir o ecodesenvolvimento, Sachs (2002) lembra da importância de aproveitar os sistemas tradicionais de gestão dos recursos. Nesta mesma linha, Ostrom e MacKean (2001) vão buscar nas sociedades tradicionais exemplos de mecanismos de decisão sobre recursos de uso comum, ou recursos de propriedade compartilhada, conjuntos de cuja indivisibilidade dependem os serviços por eles prestados às sociedades humanas, como florestas que recarregam mananciais, ou mares cujas condições de qualidade permitem a renovação de cardumes essenciais ao sustento de certos grupos humanos.
Para estas autoras, as sociedades modernas deveriam reconhecer que a propriedade privada de determinados bens, longe de se contrapor a regras de prudência ecológica que representam limites ao uso de certos recursos, encontra complementaridade na existência de recursos de propriedade compartilhada, em relação aos quais o único uso racional é aquele definido coletivamente, com parâmetros que mantêm a integridade do patrimônio comum. Um zoneamento urbano é um exemplo de gestão em que procedimentos modernos se aproximam desta racionalidade tradicional, exercida de forma social e negociada entre membros de uma comunidade ou região.
O estuário de Santos e São Vicente é palco do choque de diferentes racionalidades, na forma típica de águas que abrigam portos, que são a um só tempo infra-estruturas técnicas de navegação, paisagens para as populações urbanas, espaços naturais produtores de organismos capturados por pescadores, conjuntos de atrativos turísticos (Barragan, 1995). A visão do estuário como um recurso compartilhado pode vir a auxiliar na construção de uma perspectiva abrangente, em que os atores com suas diferentes demandas respeitem os limites de uma proposta de usos múltiplos, vindo a superar o presente patamar de mútua exclusão.
Nesse sentido, uma concertação de esforços para o desenvolvimento sustentável pode vir a ser construída, incorporando inclusive o crescente papel do terceiro setor como protagonista de novas soluções de inclusão econômica e social.
A pesquisa em curso insere-se na modalidade Políticas Públicas de auxílios pesquisa da agência paulista de fomento à pesquisa, FAPESP. A dinâmica proposta para os trabalhos visa subsidiar a incorporação de negociação de conflitos no processo de gestão ambiental. A adequação da abordagem dos ganhos mútuos para negociação ambiental em nossa realidade, o levantamento e análise das políticas ambientais incidentes na região, os comportamentos dos diferentes atores, são temas cujo estudo se fará mediante observação participante, em especial nas dinâmicas de oficinas de sustentabilidade e oficinas de capacitação em negociação ambiental, com utilização de jogos de simulação de conflitos. Levantamentos complementares utilizam entrevistas com pessoal de agências governamentais de meio ambiente, segmentos com responsabilidade gerencial na atividade portuária, setores da comunidade, autoridades locais; bem como estudo de documentos e relatórios técnicos, e acompanhamento de imprensa regional. A fim de balizar e fornecer subsídios aos atores locais, serão pesquisadas experiências de gestão ambiental em outros portos brasileiros naquilo que diz respeito à implantação de agendas ambientais locais.
Os resultados apresentados neste artigo representam fase exploratória da pesquisa, e resultam de registros obtidos com observação participante em atividades de discussão com diferentes atores, promovidas pela equipe de pesquisa em colaboração com a autoridade portuária de Santos.
A construção de mecanismos adequados de gestão ambiental em relação às atividades portuárias no Brasil é uma meta que se enquadra no conceito mais amplo de transporte ambientalmente sustentável, ou seja... “transporte que não coloque em risco a saúde pública ou ecossistemas e que atenda às necessidades de mobilidade de forma consistente com (a) o uso de recursos renováveis em níveis abaixo de suas taxas de regeneração e (b) o uso de recursos não renováveis em níveis abaixo do desenvolvimento de substitutos renováveis” (Política Ambiental do Ministério dos Transportes, adotando definição da OCDE).
Nessa perspectiva, o objetivo geral de adequar o subsetor portuário aos novos parâmetros ambientais vigentes no país se desdobra em objetivos específicos:
A idéia de uma política sustentável de transportes, com seus desdobramentos para a área portuária, representa a aproximação deste setor com a nova perspectiva de gestão em que a incorporação das questões ambientais é entendida como uma necessidade para o mundo dos negócios, e como um horizonte para construção de vantagens competitivas diante de novos ambientes caracterizados pela ascensão deste tema.
A modernização dos portos brasileiros traz a realidade da competição para este campo de atividade econômica, redefinindo sua articulação com os demais elos das cadeias logísticas. Num contexto de crescente integração das economias e processos produtivos, e conseqüente aumento dos volumes e velocidades dos fluxos de bens entre diferentes lugares, a qualidade ambiental, desafio posto de forma definitiva para o campo empresarial, torna-se tema essencial também para os portos.
Para o Diretor do Sindicato de empresas operadoras portuárias de Santos, Carlos Magano, há três grandes conveniências em implantar um sistema de gestão ambiental: não ficar suscetível a processos de Responsabilidade Civil; conseguir facilidades em órgãos de desenvolvimento; e conseguir atender a regulamentações cada vez mais rígidas (Magano, 2004). Adicionalmente, a empresa obtém redução de custos através da prevenção e análise de ameaças de origem ambiental; da economia de recursos utilizados; e pela minimização da geração e disposição de resíduos. Em relação ao mercado, a empresa se beneficia com a certificação ambiental, com a melhoria de sua imagem institucional e com a redução de riscos de envolvimento com passivos ambientais (Pompéia, 2004).
A implantação de sistemas de gestão ambiental e a busca da certificação são iniciativas voluntárias das empresas, que atendem a normas desenvolvidas com a participação das mesmas, através dos comitês nacionais e internacionais. No caso dos portos brasileiros, a Agenda Ambiental Portuária estabeleceu a certificação das operadoras como um objetivo a ser promovido pelas unidades de gestão ambiental das autoridades portuárias.
Como é bem sabido, a conformidade legal é um requisito básico do sistema de gestão ambiental, que será verificado a cada rodada periódica de auditoria do processo. Trata-se de uma condição necessária, ainda que não suficiente ao longo do tempo, quando a evolução do processo de melhoria contínua estabelecerá metas que podem vir a ultrapassar o estrito atendimento a normas e padrões da legislação ambiental.
Assim, embora escapando do universo dos regulamentos fundados na legislação ambiental, as normas do processo de certificação ambiental geram a demanda pela conformidade com estes mesmos regulamentos. As atividades portuárias, para obterem certificação, devem estar regularizadas junto aos órgãos ambientais governamentais.
Embora as certificações de cada empresa se relacionem aos seus próprios sistemas de gestão, estes guardam interfaces com a situação geral de cada porto, inclusive em relação a possíveis soluções conjuntas para determinados temas, como a disposição de resíduos, ou o gerenciamento de riscos. Da mesma forma, investimentos em infra-estrutura, de interesse geral, como obras de dragagem ou novos acessos, dependem da aprovação por parte dos órgãos ambientais.
A preocupação do Governo Federal com a ampliação das exportações brasileiras levou à priorização de 11 portos elegidos para receberem investimentos em algum tipo de infra-estrutura. Este plano recebeu a denominação de Agenda Portos.
Analisando as interações entre a Agenda Portos e a Área Ambiental (cf. registro de março de 2005), dos 11 portos priorizados, 9 estão em situação de não conformidade em relação à segurança ambiental (licenciamento ambiental e planos de emergência). Quanto à gestão de resíduos (dragagem e passivos ambientais), 10 destes portos estão em situação de não conformidade.
As dificuldades de regularização das atividades portuárias em relação aos parâmetros ambientais são conseqüência não apenas da ausência histórica das preocupações ambientais por parte de gestores e operadores destas atividades. Devem ser igualmente reconhecidas e postas em pauta as limitações da política ambiental pública em seu atual estágio de evolução no país, limitações estas tanto mais relevantes quanto se trata de administrar situações e atividades pré-existentes, que não passaram por licenciamentos prévios. Estas dificuldades se ampliam quando é o caso, típico dos portos, de administrar transformações múltiplas e complexas em ambientes regionais naturais e construídos, diversificados, o que esbarra geralmente na ausência de políticas ambientais integradas e abrangentes em escalas regionais.
Nestes casos, o enquadramento ambiental das práticas produtivas apresenta impasses que representam dificuldades gerenciais pelo lado dos órgãos ambientais e pelo lado dos empreendedores econômicos, sendo interesse de ambas as partes encontrar vias para operacionalizar este enquadramento que em geral só poderá se dar de forma gradual e progressiva.
A ameaça que surge para agentes econômicos e pessoal dos órgãos ambientais é o contexto de conflito ambiental, em que diferentes segmentos das sociedades regionais têm interesses legítimos relacionados à busca de melhor qualidade ambiental, pressionando por soluções nesse sentido. Num ambiente marcado pela diretriz legal do acesso à informação e à participação nos processos decisórios em aspectos ambientais, mas também pela falta de mecanismos e de uma cultura de construção de entendimentos em situações de conflitos entre múltiplos atores, as decisões refugiam-se na letra da lei, cuja concepção, embora abrangente, não esgota as possibilidades dos desafios à gestão de situações de fato, relacionadas a ações transformadoras do ambiente forjadas em período histórico em que as prudências ambientais eram fator alheio à racionalidade econômica que norteava os projetos de desenvolvimento.
Recentemente, a discussão dentro do Conselho Estadual de Meio Ambiente do pedido de licenciamento para a dragagem do Canal de Piaçagüera, acesso para o porto da Cosipa, foi barrada por medida judicial de iniciativa do Ministério Público, cujos representantes não estavam satisfeitos com os procedimentos relativos à obtenção da licença prévia. Um fato como esse ilustra o contexto que aqui se busca desenhar.
O ambiente de conflito, ensejando o temor em relação a movimentos que deságüem em ações judiciais e de responsabilidade, leva os decisores a guiarem-se pelos parâmetros estritos da lei. O que deve ser examinado em profundidade é: por que o estrito cumprimento da lei ambiental não resolve por si só estas situações de fato?
A política ambiental brasileira já não vive o tempo do comando e controle exercido por órgãos governamentais, puramente. Pelo lado das empresas, há uma enorme multiplicação de modelos de gestão pró-ativos, em que a certificação ambiental é apenas o passo inicial. O terceiro pólo das decisões, o conjunto das entidades da sociedade civil, dispõe de vários canais de influência, podendo no limite contar com o respaldo do Ministério Público sempre que se suponha que direitos não tenham sido garantidos. Essa configuração leva à idéia de que hoje, quem dá as licenças ambientais no Brasil é a sociedade (Almeida, 2002).
Em relação às atividades portuárias, podem ser destacados alguns aspectos centrais para analisar a dinâmica de conflitos ambientais, alguns deles comuns a outros ramos de atividades.
Boa parte destes fatores de conflito se relacionam ao desempenho das agências ambientais, sendo o mais visível, hoje, o relativo aos licenciamentos ambientais e seu tempo de tramitação.
Reconhecidamente, a burocracia brasileira de meio ambiente vem sendo construída pela instituição de sucessivas burocracias especializadas, por vezes superpostas em seu campo de competências legais. A meta de uma atuação integrada vem sendo perseguida, tendo como marcos centrais a constituição do IBAMA, do Ministério do Meio Ambiente, a lei do SNUC – sistema nacional de unidades de conservação, ou a Resolução 237. Entre União e estados, são diversos órgãos com histórias, filiações institucionais e culturas técnicas muito diferentes. Mas é forçoso reconhecer que de forma geral não há uma política ambiental integrada, em que os instrumentos de gestão disponíveis em nossa ordem jurídica sejam utilizados articuladamente. A desarticulação é o padrão geral entre diferentes agências; mesmo dentro das agências, entre seus diferentes setores, é raro encontrar, por exemplo, ações de controle sendo direcionadas e executadas tendo como orientação o planejamento ambiental; utilizando como instrumento auxiliar a educação ambiental, e recebendo o feed back do monitoramento.
Dos instrumentos de gestão disponíveis, o mais utilizado e mais visível é o controle. É também o mais conflitivo. O planejamento ambiental parte de uma dada realidade e propõe metas; nesse sentido, incorpora a não conformidade e coloca a perspectiva de seu enquadramento. O controle trata de enquadrar as atividades nas normas e padrões existentes, podendo recorrer, como já comentado, a TACs, com os limites deste instrumento.
Portos lidam no dia a dia com grande número de agências de controle. Controles de poluição, controles de desmatamento, controles de usos de recursos naturais, unidades de conservação terrestres e eventualmente marinhas, bens culturais protegidos, sistemas de recursos hídricos, vigilância sanitária, e cada ramo por vezes unindo (?) esferas federal, estadual e municipal. Sendo a gestão ambiental portuária um novo campo de atuação, à perplexidade dos atores econômicos se soma a perplexidade dos agentes encarregados de controles para os quais as agências e as equipes estão despreparadas e não equipadas.
As diferenças gerenciais entre as agências ambientais de controle, quando ocorrem entre diferentes estados brasileiros, podem inclusive tornar-se fator de competição perversa, na possibilidade de prática de tarifas mais vantajosas por parte de portos dos quais não é exigido o mesmo padrão de controle de outra região.
Dificuldades que já eram sentidas em outros tipos de empreendimentos tornam-se mais agudas no licenciamento de atividades portuárias. Um EIA-RIMA de ampliação portuária em região de conurbação localizada em espaço de estuário é um bom exemplo. De um lado, a área de avaliação de impactos do órgão licenciador se ressente da dificuldade em avaliar caso a caso as propostas de ampliação, cada novo terminal proposto, pois é óbvio que se desenha um conjunto de impactos na articulação do novo conjunto de empreendimentos, que supera em muito o impacto específico de cada terminal. Do lado dos empreendedores, e da autoridade portuária, sente-se falta de um planejamento territorial prévio por parte da agência ambiental, que estabeleça as possibilidades de expansão dentro das quais o porto orientará os projetos específicos. Diretrizes! Clama um lado. Diretrizes! Clama o outro lado.
Passivos ambientais acumulados no tempo, que muitas vezes não são da exclusiva ou principal responsabilidade dos portos, são focos para impasses decisórios. São custos herdados do passado, externalidades que agora desafiam à sua internalização e para tanto demandam investimentos que fazem falta para a expansão dos negócios.
O terceiro pólo decisório, o leque de entidades da sociedade civil, encontra suas próprias dificuldades em participar desse processo e acompanhar as decisões do licenciamento. Dos vários fatores a considerar, para enxergar a dinâmica das atitudes neste campo, deve-se destacar a influência ainda recorrente da mentalidade preservacionista, os ideais de manutenção da natureza intocada que tanta influência tiveram na primeira fase do ambientalismo brasileiro e que ainda têm ressonância não só entre estes atores mas nas formas de trabalhar a questão ambiental de diversos setores, como a mídia. No senso comum, a palavra mais usada quando se fala em meio ambiente é preservar. Num tempo em que a palavra de ordem em relação aos ambientes brasileiros, via de regra – infelizmente – deve ser transformar: transformar para melhor, face a seu estágio de devastação, poluição, insalubridade.
Em verdade, o campo da sociedade civil é um leque de interesses diversos, aparecendo, por exemplo, grupos cujo conflito com a atividade portuária refere-se à disputa por recursos ou espaços, como no caso de pescadores ou moradores de áreas próximas, cuja dificuldade é fazerem-se ouvir ou mesmo ter acesso aos momentos de decisão sobre empreendimentos que depois afetarão fortemente suas vidas. Sempre que sejam grupos pequenos, ou de baixa renda, sua situação gerará o sentimento de injustiça, dando lugar a ações agressivas, que fogem ao campo do diálogo.
Outro aspecto relevante é a dificuldade de lidar em cada situação com os condicionantes ambientais regionais. Portos, como o de Santos, instalaram-se ou ampliaram-se no interior de conjuntos naturais singulares em sua importância e, por isso, hoje enquadrados em políticas de proteção como espaços absolutamente prioritários. O porto pode estar fora das Unidades de Conservação, mas seus acessos de carga enfrentarão este condicionamento – no caso, a travessia da Mata Atlântica. O mesmo vale para conjuntos históricos tombados no perímetro urbano, onde portos antigos foram a origem das cidades coloniais cujos remanescentes agora condicionam as estratégias de expansão das atividades dos portos que explicam a existência das cidades... Trata-se de condicionantes que simplesmente não podem ser ignorados, por seus valores concretos e simbólicos, desafiando à sofisticação técnica e a custos de empreendimentos diferenciados para sua superação; além de, novamente, colocar em pauta os limites da gestão ambiental governamental, já que afloram as precariedades dos trabalhos de implantação das UCs, das políticas de patrimônio histórico, de gestão urbana, etc..
Os fatores de conflito selecionados por sua importância dentre um conjunto muito mais amplo ilustram aqui uma situação em que o processo decisório está emperrado pela dificuldade de estabelecer decisões legitimadas pela sociedade, num contexto de complexidade em que a desejada velocidade para promover o desenvolvimento mediante o incremento do movimento dos portos esbarra na busca da conformidade ambiental. É imprescindível focar a política ambiental como um processo de resolução desses conflitos.
Uma favela encravada dentro da área do porto organizado de Santos se chama Vietnam, e mantém uma disputa pelo acesso às águas do estuário, na margem esquerda, num espaço nobre do ponto de vista de possíveis ampliações das áreas de atracação de navios. O nome se presta a simbolizar uma tensão que cerca as relações da atividade portuária com os outros usos dos espaços regionais.
A Baixada Santista mantém com a Grande São Paulo um grande fluxo de passageiros, diariamente. Muita gente mora na região e trabalha fora. Há também forte movimento de pessoas que vêm à Baixada para executar serviços profissionais, além do público que visita a região para passear. Para este numeroso público, as épocas em que se intensifica o escoamento das safras são períodos em que a chegada a Santos se complica com grandes congestionamentos na Via Anchieta, iniciando-se na entrada do acesso ao porto na altura do terminal da Alemôa. Um enorme número de caminhões carregados fica paralisado, já que não há capacidade da estrutura viária para permitir seu fluxo nem áreas de estacionamento suficientes.
A repetição destes transtornos provocou a discussão de soluções para estacionamento dos caminhões. A implantação de uma nova e grande área para este fim, nas proximidades da estrada, dentro dos limites do município de Cubatão, foi anunciada. Imediatamente, um movimento de moradores do Jardim Casqueiro, o bairro cogitado, surgiu, com a clara disposição de evitar esta nova vizinhança. As razões do movimento se ligam ao receio de fenômenos que poderiam vir associados ao pátio de caminhões: explosão do tráfego viário, atração de prostituição e de bares para atender à nova clientela, efluentes da lavagem de contêineres.
A paralisia do tráfego na área da Alemôa é um complicador dos mais sérios para uma outra equação ambiental: o gerenciamento de riscos de acidentes. No terminal de produtos químicos da Alemôa, estão reunidas várias instalações perigosas, que recebem e armazenam substâncias que podem dar lugar a vazamentos, que eventualmente podem evoluir para casos de intoxicações, incêndios, ou outras formas de conseqüências negativas para o ambiente e a população. Estão sendo construídos planos de ação de emergência que têm como componente básico medidas que facilitem o tráfego para sair com extrema rapidez da região, de forma a reduzir a exposição do público aos riscos. Num desses dias em que tudo fica paralisado na estrada e nas vias da cidade, esta aparenta ser uma missão impossível, para quem não tenha uma forte confiança na capacidade dos engenheiros de tráfego e nos gestores da moderna logística.
Em outra extremidade do porto, no Corredor de Exportações situado junto à Ponta da Praia, área que se tornou um bairro nobre de Santos, registraram-se repetidos episódios de conflito causados pelo mau cheiro de polpa de cítricos, cujas emanações geraram mal estar para moradores das vizinhanças. A CETESB, agência de controle ambiental, e o Ministério Público, foram chamados a intervir.
A nova administração municipal sinalizou com uma atitude de maior interesse pelo desenvolvimento do Porto, o que gerou expectativas positivas para a evolução das tensões entre as instalações portuárias e os projetos de revitalização urbana na área central de Santos. Usos de antigos armazéns e configurações das vias de tráfego são exemplos de pontos de discussão, num contexto em que a cidade vem se propondo a valorizar sua parte histórica, sua configuração de cidade que cresceu justamente em função da vitalidade do porto do café de outras quadras históricas, tentando reverter o sucateamento do velho centro.
Este tipo de política faz parte do esforço das autoridades locais para desenvolver novas alternativas econômicas, como o incremento do turismo, para fazer frente à crise do emprego. Na década de 90, o Porto de Santos ampliou seu movimento em 50%, enquanto a massa salarial associada à atividade decresceu na mesma ordem de grandeza, no mesmo período. A sociedade local ainda vive a perplexidade já passada por outros lugares, como as cidades que abrigam parques industriais automobilísticos, diante dos fenômenos de automação e mudanças gerenciais que acarretam a extinção massiva de vagas de trabalho. Ampliando seu movimento na era do contêiner, o Porto ocupa vorazmente os espaços numa região estuarina, substituindo por estruturas e espaços para depósitos de cargas os ambientes de mangue, essenciais à manutenção da pesca. O conflito territorial, que se manifesta em diferentes locais e mobilizando atores diversos, expressa a disputa pela base de recursos ambientais para suportar as diferentes estratégias de sobrevivência.
A política do Ministério do Meio Ambiente para promover as Agendas Ambientais Locais tem como eixo a diretriz de que os portos devem desenvolver este plano de ação estabelecendo pactuação, entendimentos claros em torno de conteúdos e prazos, com as agências ambientais e com os principais atores em cada realidade. O primeiro passo para este trabalho é acordar um Roteiro da Agenda Ambiental Portuária: os temas que a integrarão, os atores que serão convidados a participar, e os mecanismos adotados para sua validação.
Tomando como base a abordagem dos ganhos mútuos para resolução de conflitos (Susskind e Field, 1997), desenvolvida nos trabalhos do Consensus Building Institute (M.I.T./Harvard Law School) e adotada como linha de apoio pela Sustainability Challenge Foundation em seu programa internacional de gerenciamento da sustentabilidade, podem-se destacar alguns pontos de referência para discutir alternativas de gestão cujo instrumento central seja o desenvolvimento da Agenda Ambiental Portuária.
Identificar os interlocutores; conhecer suas necessidades, medos e interesses; colocar-se no lugar do outro, para entender seu ponto de vista; procurar organizar propostas em que existam possibilidades de ganhos mútuos; desarmar a agressividade das atitudes iniciais, construindo um clima respeitoso em que os diferentes aceitem-se mutuamente como partes legítimas do debate; organizar pautas de discussão amplas, que facilitem convergências e estabeleçam a possibilidade de ganhos progressivos, com o avançar do tempo. Estas são algumas das recomendações básicas para a negociação, nessa perspectiva.
Desenvolver agendas ambientais pactuadas supõe organizar processos democráticos de discussão, nos quais devem participar todos os atores relevantes em cada situação. A identificação dos interlocutores importantes e sua incorporação no processo é sinal de respeito a seus direitos e ao mesmo tempo a base para que as decisões que venham a ser adotadas sejam efetivamente levadas a cabo, pois reconhecidas como legítimas. Setores deixados de fora das decisões tenderão a buscar seus direitos na justiça ou por outras formas não dialogadas.
Entendimentos têm maior chance de se desenvolverem se a pauta das discussões não se limitar aos pontos mais polêmicos, aqueles que polarizam as posições e trazem os debates para o campo das fortes emoções, quando é difícil para os interlocutores dialogarem calmamente. Organizar pautas amplas, com horizontes temáticos e de tempo mais dilatados, é essencial para facilitar a convergência de posições. Se os interlocutores convergem para os objetivos mais amplos e para metas que possam ser alcançadas progressivamente, então é tempo de trabalhar os aspectos mais polêmicos, pois os interlocutores terão superado a animosidade inicial.
Estas linhas de comportamento, selecionadas de um leque mais amplo de técnicas de negociação cujo exame exaustivo não é objeto deste trabalho, conduzem a algumas idéias básicas para a discussão da melhor estratégia para desenvolver uma agenda ambiental portuária que possa efetivamente amadurecer mediante concertação.
Conforme a perspectiva de quem analise, a regularização de uma atividade dando-se um prazo para atendimento de certos parâmetros pode ser a perpetuação de um processo que se arrasta ao longo do tempo, pautado pelo descaso com os limites ambientais; ou pode ser um passo para um gradual aperfeiçoamento do desempenho ambiental da atividade. É a inserção deste ponto num conjunto mais amplo de compromissos e decisões que confere um sentido ao processo, que possa ser reconhecido e legitimado pelos mais diferentes atores.
Preservar ou não preservar um trecho de mangue ou um casarão histórico; construir uma via de acesso com um determinado traçado específico, são decisões pontuais, absolutas. Manter e recuperar a vitalidade de um sistema estuarino, revitalizar um centro histórico, ampliar as condições de acesso de carga, são propostas mais amplas e adaptáveis em suas conformações localizadas. Aceitam flexibilidade ponto a ponto e distribuição no tempo, sem necessariamente comprometer seu alcance. Pode ser mais fácil construir consenso no segundo caso que no primeiro.
Para facilitar a visualização desta idéia, vejamos o exemplo da política ambiental do porto de Sydney, recuperada no trabalho sobre “Modelos internacionais de gestão ambiental portuária” (MMA, 2005).
A gestão ambiental da Corporação Portuária de Sydney é realizada através de um sistema de gestão ambiental (SGA) baseado na norma ISO 14001. As principais atividades estabelecidas têm como tema: qualidade da água; qualidade do ar; ruído; biodiversidade; erosão costeira; contaminação do solo e remediação; substâncias perigosas; uso de recursos; outras atividades em que estão inseridas o cuidado com as áreas de importância histórica, o paisagismo e a educação ambiental dos funcionários, o apoio a eventos comunitários (exposições, museus, festivais,campeonatos,regatas, etc.). Além destas atividades do SGA, a Corporação Portuária de Sydney reconhece os interesses distintos dos diversos usuários do estuário de Sydney. Dessa forma, a CPS apóia a proposta do Departamento Estadual de Planejamento, que elaborou uma política de gestão integrada para esse estuário. Nessa política, o cenário futuro desejado para o estuário de Sydney envolve quatro aspectos centrais: um estuário com ecossistemas e biodiversidade preservada (componente natural), um estuário que é cercado pela maior cidade do país (componente urbano), um estuário que seja de fácil acesso às pessoas (componente humano) e um estuário que deve continuar sendo um foco gerador de oportunidades de trabalho (componente econômico). Assim, entende-se a indústria marítimo-portuária como sendo um dos diversos usos legítimos desse corpo d’água, uso esse que tem papel vital para o crescimento econômico e de melhoria de vida dos australianos. Dentro dessa perspectiva, o planejamento integrado do estuário prevê a garantia do espaço para a ampliação da infra-estrutura portuária, garantindo condições para que esta seja moderna, de alta qualidade e competitiva, sem deixar de reconhecer e atender aos anseios de outros setores da sociedade”.
Em seu conjunto, esta política ambiental cumpre dois papéis básicos em relação à dinâmica de conflito ambiental.
As responsabilidades da atividade por afetar negativamente a qualidade ambiental são assumidas, mediante vários tópicos específicos.
A visão de sustentabilidade, respeitando os conjuntos de recursos de uso comum e reconhecendo que outras economias devem ser suportadas pelos mesmos, completa e dá sentido aos resultados específicos das ações da categoria anterior.
Ainda que num momento inicial haja um volume muito maior de ações detalhadas no SGA, voltadas a corrigir, atenuar e prevenir problemas negativos pontuais (responsabilidade e compromisso da atividade com os próprios impactos), o claro enunciado de participação e apoio à plataforma para o estuário e a região demonstra respeito pelos demais atores sociais e econômicos, e estabelece o horizonte de tempo que passa a orientar as expectativas de desempenho, além de comunicar o compromisso maior com a melhoria geral das condições ambientais.
O porto assume sua responsabilidade como ator econômico de grande peso na dinâmica territorial. Além disso, incorpora na pauta de discussões o conjunto de intervenções da sociedade no ambiente, o que ademais situa cada participante do debate como um dos sujeitos no campo dos problemas e no campo das soluções.
Em suma, o que se coloca como aspecto estratégico para uma pactuação em torno de uma agenda ambiental é como conquistar a possibilidade de que o porto se torne um dos participantes de uma aliança a favor da sustentabilidade em escala regional. Nessa operação, que só se torna possível se o porto efetivamente assumir esta diretriz de gestão, criam-se condições para que os avanços pontuais sejam legitimados como parte de progressos gradativos rumo à melhoria da qualidade ambiental e ampliação das oportunidades de desenvolvimento e inclusão. Os ganhos de competitividade da atividade, que envolvem inclusive as mudanças tecnológicas que redefinem o perfil e o número das vagas de trabalho, e a expansão destes negócios – que são os benefícios esperados e almejados pelos segmentos que vivem da economia portuária - deixam de ser ameaças reais ou imaginadas para os demais ramos da economia efetiva ou potencial da região, e seus protagonistas, e para a conquista de melhores condições ambientais e de qualidade de vida em geral. A economia portuária precisa agora ser dinamizada para poder cumprir o papel que lhe cabe no financiamento da melhoria ambiental da região, modernizando-se, arcando com seus passivos e colaborando para que os demais potenciais econômicos se desenvolvam.
Estas são algumas das questões a serem colocadas para a discussão da Agenda Ambiental para o porto de Santos, processo que se inicia, e permitirá que se acompanhe como as estratégias dos diferentes atores serão mais ou menos facilitadoras para a construção de entendimentos, sem dúvida um desafio central para a equação do desenvolvimento regional.
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* (artigo apresentado no VIII ENGEMA e publicado em seus anais, Rio de Janeiro, 2005, v.1, p.12-12)