Nome da cidade: São Sebastião
Número de habitantes: 56.000, segundo os dados já divulgados do censo de 2000. Há forte aumento nas temporadas de verão, ultrapassando em 100% ou mais a população permanente. Segundo o Plano Diretor, o crescimento anual médio da população permanente é de 6%. Mortalidade infantil: 14 por 1000.
Características especiais da cidade: o município se caracteriza pela presença das escarpas da Serra do Mar, que unem a planície costeira ao planalto paulista, com cerca de 800 metros de altura. Nas vertentes da Serra e em seu entorno há porções da vegetação de Mata Atlântica, floresta tropical úmida e ecossistemas associados, protegidos por um Parque Estadual que abrange cerca de 70% do território municipal. Nos quase 100 quilômetros de costa do município, sucedem-se avanços dos morros até o mar e recuos onde há praias e planície costeira, abrigando os bairros que se ligam entre si por uma única via de acesso, a estrada Rio-Santos. A sede administrativa e comercial está no núcleo urbano situado defronte ao Canal de São Sebastião, porto natural profundo protegido pela Ilha de São Sebastião, onde há o pequeno porto de cargas, com um berço de atracação, e o maior terminal de petróleo da América Latina, que em 1999 movimentou mais de 40 milhões de toneladas de petróleo e derivados. Durante os meses de férias de verão, janeiro e fevereiro, a população se multiplica, ultrapassando facilmente o dobro do número de moradores fixos.
Principais atores envolvidos na experiência de gestão ambiental:
A experiência de política ambiental institucionalizada em nível municipal, em São Sebastião, iniciou-se no governo 1989-1992. O país acabava de votar sua nova Constituição, marco do processo de redemocratização, em que o movimento ambientalista foi uma das lutas sociais mais presentes. Esta nova Lei Maior não apenas dedicava um capítulo à proteção do meio ambiente, mas reconhecia autonomia para os municípios e lhes dava competências em matéria ambiental.
A legislação ordinária relativa ao meio ambiente tivera grande expansão no país a partir da década de 70 e especialmente durante os anos 80. Reagindo por um lado aos novos requisitos internacionais, e por outro respondendo às críticas aos desastres ambientais ligados aos grandes projetos de desenvolvimento implantados pelo regime militar, as regras então desenvolvidas previam um sistema nacional de meio ambiente onde atuariam órgãos federais articulados pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), órgãos estaduais e municipais. Esta articulação sistêmica prevista na Lei do Meio Ambiente não tinha correspondência na atuação da burocracia federal, marcada por falta de entrosamento e visão geral integrada, superposição de atribuições e despolitização de seus programas de ação (Guimarães, 1986, Cunha, 1996). Na década de 80, foi impulsionada a organização de agências estaduais de meio ambiente por todo o país, seguindo exemplos de estados que já contavam com sistemas estruturados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. De forma geral, passou a caber aos estados o controle de poluição de acordo com normas e padrões federais. O controle de remoção de vegetação, bastante ineficiente, era compartilhado por ambos os níveis de burocracia, bem como o estabelecimento de unidades de conservação. A atuação municipal era rara, como na experiência pioneira de Porto Alegre.
Na região de São Sebastião, o litoral norte do estado de São Paulo, exerciam-se duas políticas com certo nível de articulação, desenvolvidas pela secretaria estadual de meio ambiente: o programa de gerenciamento costeiro e o programa de proteção à Mata Atlântica. O primeiro consiste basicamente em desenvolver um zoneamento ecológico-econômico que oriente o desenvolvimento regional; o segundo, está centrado na implantação de unidades de conservação que protejam este bioma. Ambos tinham, e têm, sérias limitações por falta de meios humanos e materiais e por falta de gerenciamento e priorização por parte do Governo estadual. Como resultado dessas limitações institucionais, a região vivia o contraste entre regras muito restritivas e falta de fiscalização. Uma situação de fato marcada por um processo de devastação e poluição, trazidas por ações clandestinas, e regras rígidas de difícil acesso para agentes econômicos que se dispusessem a atendê-las (Cunha, 1996).
Mais recentemente, desde 1998, organiza-se na região o Comitê de Bacias do Litoral Norte, desenvolvido nos marcos da política estadual de recursos hídricos. Destaque-se que não há uma única bacia que integre os municípios que participam do Comitê, inclusive um deles sendo composto exclusivamente por ilhas (Ilhabela). Aplica-se à região o formato padrão do sistema de recursos hídricos, que não corresponde à realidade geográfica local, já que os rios se estruturam em pequenas bacias que correm do alto da Serra para o mar. Só em São Sebastião, ocorrem 20 (vinte) bacias. O compartimento ecológico regional coincide com a unidade costeira, e talvez uma idéia interessante pudesse ser, futuramente, integrar a política de recursos hídricos aos trabalhos de gerenciamento costeiro. De qualquer forma, o papel positivo do Comitê neste início de trabalhos esteve ligado à disponibilização de recursos do Fundo estadual de Recursos Hídricos para projetos locais, como aqueles ligados a ações de saneamento.
Voltando ao nível municipal, até fim da década de 80 a estrutura de gestão em São Sebastião era precária, com leis de uso do solo de conceituação simples e equipes despreparadas e sem suporte técnico. A parte sul do município foi objeto no fim dos anos 80 de nova lei, mais restritiva, conceituada por agências estaduais e oferecida como subsídio ao município, que adotou-a sem maiores adaptações, o que tornou sua aplicação difícil. Assuntos como poluição por óleo no mar ou a proteção da floresta tropical eram simplesmente ignorados pela Prefeitura, que limitava-se a reclamar por ações dos outros poderes por ocasião dos acidentes ligados ao terminal.
Em meados dos anos 80, reagindo aos episódios de poluição, desmatamentos, expulsão de populações tradicionais pela especulação imobiliária e comprometimento dos bens históricos, moradores fundaram o Movimento de Preservação local, passando a protagonizar importantes conflitos com agentes econômicos e órgãos governamentais. Era um grupo que se caracterizava por mobilizar a opinião pública local para ações de protesto e denúncia, conseguindo articular-se a ONGs de fora da região, como a SOS Mata Atlântica, uma das maiores do país, e obtendo repercussão na grande imprensa (Cunha, 1996).
Os principais problemas ambientais de São Sebastião ligavam-se ao processo de desenvolvimento das décadas recentes, tendo como marcos centrais a construção do Porto de Cargas (fim dos anos 50), a implantação do Terminal de Petróleo da Petrobrás, na década de 60, e o asfaltamento da estrada Rio-Santos nos anos 80. Todos estes processos trouxeram situações de impacto ambiental e social, em especial:
No início do governo municipal 89-92, o trabalho de coleta seletiva de resíduos domésticos iniciado pelo grupo ambientalista foi incorporado pela Prefeitura, tornando-se uma política pública. Posteriormente, esta administração decidiu estabelecer uma política ambiental mais abrangente, contando com apoio especializado. O método de trabalho adotado implicou numa consulta ao Prefeito, inicialmente, e a interlocutores identificados em comum acordo com ele, basicamente os já apontados acima. Foi proposta uma estratégia que incluía a efetiva implantação de um Conselho de Meio Ambiente de composição paritária, ou seja mesmo número de membros governamentais e não governamentais; discussão neste Conselho de um plano de meio ambiente e desenvolvimento; desenvolvimento de legislação municipal de meio ambiente; desenvolvimento de planos municipais de turismo e pesca; desenvolvimento de plano diretor municipal; desenvolvimento de plano de saneamento ambiental. A discussão e negociação da lei ambiental municipal, em sua tramitação na Câmara de Vereadores, foi então liderada por um vereador que de 1997 a 2000 foi o Prefeito, tendo seu governo retomado a implantação da política ambiental local, depois de uma administração intermediária (1993-1996) em que não houve maior ênfase nestes trabalhos.
Na administração 1997–2000, as principais inovações foram:
O Conselho de Meio Ambiente e Urbanismo atuou neste período de governo de forma constante, sendo consultado de forma sistemática quanto às diretrizes da política. Foi alçado ao nível de conselho deliberativo para fins de diretrizes da política ambiental, uma das pré-condições para adoção dos ditames da Resolução 237.
No início desse mesmo período, uma forte mobilização da comunidade, sem participação do Governo local, desenvolveu um projeto de alteração da Lei Orgânica Municipal vetando um projeto da Petrobrás de estocagem subterrânea de gás, que fora aprovado pela agência ambiental estadual.
Em sua maior parte, os recursos para desenvolvimento dos trabalhos foram provenientes do orçamento municipal.
Desde meados da década de 90, há um percentual adicional do repasse de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, feito pelo Estado ao Município, relacionado à existência de grande espaço territorial protegido. É denominado “ICMS ecológico” e corresponde hoje a R$ 600.000,00 anuais, aproximadamente.
Na administração 97-2000, começou-se um trabalho de busca de parcerias e financiamentos, que permitiu trazer investimentos no Programa de Ecoturismo (recursos de empresas patrocinadoras), tendo sido mobilizados, para o período 1999–2001, recursos no montante de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) destinados a 4 veículos de fiscalização, folheteria turística, sinalização de trilhas, construção de um centro de visitantes e uma cartilha de educação ambiental.
Foi trazido para a cidade o curso de guarda parques ministrado pelo SENAC, programado com recursos na ordem de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) destinados ao Fundo Municipal de Meio Ambiente pela Promotoria/Curadoria de Meio Ambiente.
Um projeto da Prefeitura em conjunto com as Universidades de Taubaté e USP para desenvolver política de habitação popular, recebeu recursos da Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa, na modalidade “políticas públicas”, num montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para a primeira fase, podendo candidatar-se a mais R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
A evolução do programa de resíduos sólidos permitiu trazer uma parceria promissora com uma empresa especializada alemã, a Faabel-Hanbra, e a GTZ. A referida empresa, que optou por São Sebastião pelo histórico de investimento do município em uma gestão ambiental local, está instalando em São Sebastião uma experiência de tratamento mecânico-biológico dos resíduos, que diminuirá não apenas o volume dos resíduos dispostos no solo, mas também seu impacto ambiental, inertizando-os. A GTZ somou-se ao projeto avaliando possíveis impactos sociais sobre a atividade de catadores de lixo, concluindo por seus resultados positivos, associados ao fato da segregação ser efetuada ainda nas residências e da separação de sucata para venda ser feita em pátios organizados por membros de uma Associação que reunia no final da administração 40 trabalhadores que já recebiam cerca de dois salários mínimos de renda com as vendas para recicladores. A GTZ investiu na disponibilização de um técnico em cooperativismo que assessorou a organização da Associação como cooperativa
Aproveitando a lei federal de incentivo à cultura, que permite abatimento do imposto de renda, a Prefeitura trouxe a Petrobrás e a Volkswagen do Brasil para patrocinarem o restauro da Igreja Matriz, com o investimento de ambas somando R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), e a Prefeitura investindo em contrapartida R$ 100.000,00 (cem mil reais). Esta obra deverá estar concluída em junho de 2001.
1985- fundação do MOPRESS – Movimento de Preservação de São Sebastião
1989- início da coleta seletiva de resíduos domésticos
1992 – lei ambiental municipal
Dezembro de 1992 – primeiro licenciamento da Petrobrás pelo município, com discussão dos riscos do terminal no Conselho Municipal de Meio Ambiente.
1998- implantação do Programa de Ecoturismo; Debate público ao longo de todo o ano, do Plano Diretor, com coordenação do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
1999-votação do Plano Diretor, depois de campanha vitoriosa da comunidade contra a proposta de alguns vereadores de permitir prédios altos no município.
2000-divulgação da cartilha sobre riscos do terminal de petróleo e realização de gincana para promoção e popularização dos seus conteúdos, no primeiro “Dia do Alerta”.
.Questões da política (relação executivo/legislativo): são as questões ligadas à dinâmica político-eleitoral e aos interesses particulares representados, em setores do executivo e do legislativo. Sua superação depende bastante da democratização das informações e da mobilização dos diferentes atores para que exista pressão pública sobre os decisores políticos.
.Limitações na capacidade de atuação dos setores ambientalistas: são as debilidades organizacionais dos grupos de cidadãos, que contam com meios humanos e materiais muito restritos. Sua superação está ligada a mecanismos democráticos de participação, como os Conselhos, que facilitem o acesso às informações e respeitem o processo de consultas públicas.
.Mentalidade preservacionista: durante a primeira fase da experiência (administração 1989-1992), em especial, houve momentos em que propostas de desenvolvimento sustentável esbarravam em conceitos preservacionistas, bastante influentes historicamente na mentalidade dos grupos ambientalistas brasileiros. O processo de discussão do Plano Diretor permitiu avanços importantes no entendimento de que o uso adequado é uma boa alternativa à proposta de nenhum uso, para vários dos espaços do território municipal.
.Descontinuidade administrativa, típica do sistema político personalista brasileiro. Seu enfrentamento se liga à consolidação de órgãos de participação como o Conselho Municipal de Meio Ambiente e ao fortalecimento político das organizações da comunidade.
.Falta de financiamento para o desenvolvimento sustentável: no Brasil, tem sido extremamente difícil encontrar fontes de financiamento para experiências de desenvolvimento sustentável. No caso de São Sebastião, avançou-se bastante para um estágio de consciência sobre novas possibilidades de articulação entre a economia e a ecologia. Mas a velocidade de implantação de alternativas reais de desenvolvimento sustentável é muito baixa para a sustentação dessas propostas na comunidade, pela inexistência de uma política nacional de sustentabilidade que estimule, apóie, financie, divulgue, gere credibilidade, promova um novo padrão de experiências de desenvolvimento local.
.Inexistência de políticas de sustentabilidade em escala nacional e estadual, capazes de direcionar os investimentos setoriais destas esferas governamentais de forma inteligente e sinérgica. Um exemplo são as verbas de habitação, que se fossem bem planejadas poderiam eliminar um dos focos de problemas ambientais mais sérios da região do litoral.
.Resistência da burocracia federal e estadual a dividir poderes com a esfera local, ao contrário do discurso difuso sobre a necessidade de que os municípios assumam as questões ambientais. Falta um programa de fomento, assistência técnica e estabelecimento de ações conjuntas com as autoridades municipais, por parte das agências ambientais federais e estaduais. Em especial, falta uma visão de delegação de poderes de forma organizada.
A resposta das entidades de cidadãos ao processo participativo que tem o Conselho de Urbanismo e Meio Ambiente como foco articulador tem sido clara e positiva. Nem sempre o poder executivo consegue uma boa “animação” para o processo, subsidiando técnica e administrativamente o colegiado; e houve inclusive momentos em que a administração evitou reunir o Conselho, no período 93-96. Mas o hábito de ter acesso às informações e debater as iniciativas governamentais gera uma cobrança de continuidade deste trabalho. O fato de São Sebastião não contar com uma mídia local que cubra todos os bairros contribui para que as discussões no Conselho ou em reuniões em bairros, como no processo de debate do Plano Diretor, tenham papel irradiador importante, funcionando o contato pessoal e a comunicação verbal, pessoa a pessoa. A força da participação da comunidade é percebida por instituições como o Porto e a Petrobrás, que assumem ao longo dos últimos anos uma postura de abertura ao debate e ao fornecimento de informações. É um processo que articula diretamente as entidades, sem mediação de políticos ou partidos, dadas as características da política local: os partidos locais são pouco definidos enquanto posturas programáticas, e/ou têm pequena implantação e capacidade de mobilização. Os vereadores são eleitos por vínculos pessoais e atuam com pouca ligação com os movimentos de opinião na comunidade.
A composição do Conselho é de 8 representantes do governo municipal e de representantes das seguintes entidades: Ordem dos Advogados do Brasil, Sindicatos de Trabalhadores, Associação de Engenheiros e Arquitetos, Movimento de Preservação de São Sebastião, Federação das Sociedades de Amigos da Costa Sul, Federação de Sociedades de Amigos da parte norte, Fundação Mar (ONG de estudos sobre a vida marinha), Associação Comercial e Industrial. Órgãos estaduais, bem como as gerências da Petrobrás e do Porto de cargas, têm assento, mas não votam.
A permanência do Conselho como fórum importante de articulação está ligada a sua composição e forma de decidir. Sendo paritário, e cabendo o voto de desempate ao governo, há um estímulo ao consenso. Esta dinâmica obedeceu à comprensão de que um fórum como este deve ter como papéis básicos a democratização das informações e a articulação horizontal dos diferentes setores de governo, não se pretendendo dar predominância nas decisões aos setores não governamentais. Na realidade brasileira, há experiências em que se dá o poder de votos majoritários a instituições não governamentais, e isso resulta em esvaziamento e/ou manipulação por parte do governo, que se vê “sitiado” no colegiado (Cunha, 1996).
Um elemento novo, por sua recente criação, é o Fundo Municipal de Meio Ambiente, vinculado ao Conselho. Seu potencial na transformação dos papéis do Conselho ainda não foi explorado.
A estratégia de discussão e negociação no COMDURB pode ser ilustrada através do relato sucinto de três episódios.
Para desenvolver a lei ambiental municipal, o consultor de política ambiental e o consultor jurídico se reuniram com o Conselho para ouvir aquilo que seus membros visualizavam como temas importantes. Foi elaborada uma minuta e apresentada ao Conselho para discussão. Com base nos resultados, o Executivo definiu seu projeto de lei. O relator da lei na Câmara convocou uma audiência pública, muito concorrida, em que houve debate e negociação de pontos específicos, como os prazos para licenciamentos do Porto e da Petrobrás. Depois da audiência, as entidades ofereceram emendas, sendo aproveitadas cerca de 50 delas. O texto final foi aprovado por unanimidade na Câmara, em parte graças à divulgação e participação ampla durante o processo.
No primeiro licenciamento da Petrobrás pelo município, a Prefeitura contratou consultoria especializada, paga pela Petrobrás, conforme prevê a lei municipal. Foi elaborado um primeiro estudo, apresentado ao COMDURB conjuntamente com as análises da agência estadual de controle de poluição, a CETESB. Houve discussão das exigências e respectivos prazos, com participação inclusive do sindicato dos petroleiros. Os termos da autorização foram estabelecidos consensualmente no Conselho. Foi a primeira ocasião (em dezembro de 1992) em que os riscos do terminal foram apresentados publicamente.
No caso do Plano Diretor, durante um ano (1998) uma comissão da Prefeitura e do Conselho (COMDURB) promoveu audiências públicas em que os conteúdos do Plano eram explicados, com auxílio de mapas e gráficos. Cópias do trabalho eram franqueadas aos interessados. As escolas receberam cartilhas simplificadas sobre os conteúdos do Plano. A Comissão se reunia periodicamente para aprofundar temas específicos. Todas as propostas surgidas foram sistematizadas e debatidas ao final do processo no COMDURB. Houve negociações em torno de temas específicos, envolvendo sociedades de amigos de bairros, ambientalistas, profissionais envolvidos com projetos imobiliários. O texto final foi aprovado por unanimidade no COMDURB e só então tornou-se um projeto de lei enviado à Câmara. Quando se iniciou o debate na Câmara, já em 1999, um grupo de vereadores anunciou sua intenção de permitir prédios altos. Uma forte campanha de opinião pública, promovida pela Prefeitura e por iniciativas próprias de sociedades de amigos de bairros e grupos de cidadãos (ambientalistas e outros), usando inclusive a Internet e repercutindo fortemente na Imprensa, conseguiu levar os vereadores a um recuo neste tema. Esta dinâmica de negociação foi mais amplamente descrita em artigo específico (Cunha, 1999).
É importante registrar que há vários outros Conselhos associados a políticas setoriais da Administração pública municipal, não ocorrendo uma maior articulação entre eles, de forma sistemática. A articulação inter-setorial , quando ocorre,se dá em cada Conselho.
Foi desenvolvida, no contexto do trabalho de pesquisa, uma discussão sobre estes quatro pontos – pontos fortes, fragilidades, oportunidades e ameaças - com diferentes membros da comunidade, que permitiu reunir pontos reconhecidos hoje como definidores do estágio em que se encontra a experiência de São Sebastião em direção a uma gestão local capaz de bem equacionar as questões ambientais.
Foram convidados a participar das duas mesas de discussão organizadas representantes da administração ambiental municipal, do parque estadual, de setores empresariais ligados à atividade imobiliária, dos movimentos ambientalista e de preservação do patrimônio histórico.
Aspectos positivos (pontos fortes) que se destacam na visão destes atores são os atributos ambientais e culturais e seu potencial turístico. Institucionalmente, destaca-se o fato desses atributos serem hoje conhecidos e inventariados, e a institucionalização já alcançada na área ambiental, inclusive com legislação própria e um Conselho consolidado. O mesmo vale para os avanços em planejamento ecológico-econômico (plano diretor e geoprocessamento). A política de resíduos, em especial o trabalho de coleta seletiva, bem como a capacitação associada ao novo tratamento de resíduos e à cooperativa de separadores de sucata, são pontos também destacados como bastante positivos. A experiência do ecoturismo é importante como aproveitamento econômico de novo tipo. A proibição de prédios altos e os trabalhos de gerenciamento costeiro são pontos fortes. É fundamental a mobilização e organização da sociedade civil, com geração de massa crítica local; bem como os avanços já obtidos em termos de negociação entre os diferentes setores da comunidade.
Fraquezas são a falta de infra-estrutura, em especial de saneamento. Fiscalização ainda pouco eficiente, e institucionalização ainda incipiente, como por exemplo, a falta de cargos concursados para os técnicos de nível superior do sistema ambiental. Falta maior capacitação das equipes de licenciamento e fiscalização. A desinformação e a falta de legislação específica sobre patrimônio cultural, inclusive contendo incentivos para os investimentos nesta área de particulares, contribui para a degradação de bens culturais. A incoerência e a desarticulação das burocracias ambientais dos diferentes níveis de governo, a que se soma o distanciamento do Ministério Público, cuja atuação não se articula com a política ambiental. As facilidades para a corrupção. A falta de políticas gerais de sustentabilidade e as limitações orçamentárias. O baixo nível de alguns políticos. A migração constante preocupa, assim como o trabalho ainda pouco articulado junto à reserva indígena. A falta de uma nova lei de uso do solo coerente com o novo plano diretor (planejamento em escala micro), e a falta de uma política de habitação popular. O licenciamento lento e que dificulta novos empreendimentos, com destaque para marinas. A sazonalidade traz dificuldades ligadas ao volume de população e à variação da economia.
Oportunidades são identificadas no mercado turístico, que inclusive busca ofertas diferenciadas em termos de qualidade dos atrativos, o que pode ser aproveitado por um lugar que vai afirmando uma identidade. As leis de incentivo à cultura e o intercâmbio com cidades históricas. Os fundos de meio ambiente e as parcerias, para quem tem política ambiental e legislação, vanguardismo. O fato de vários setores buscarem hoje atividades sustentáveis. O plano diretor permite um desenvolvimento mais adequado. A população flutuante tem formadores de opinião que podem se engajar em boas propostas.
Ameaças são a falta de investimento em saneamento por parte do governo estadual. Faltam incentivos para a conservação de bens culturais e os órgãos de patrimônio estão enfraquecidos. A crise econômica e política nacional, com crescimento desordenado. A divulgação das belezas da região atrai “inchaço” e migração. As notícias de “sucateamento” do terminal de Petróleo preocupam. O desconhecimento do Ministério Público sobre a política ambiental local gera desencontros. A precariedade de acessos, inclusive aéreos, limitando o turismo. A política centralizadora e a lentidão das burocracias ambientais federais e estaduais.
A experiência tem sido divulgada, e modelos jurídicos de intervenção, como a própria lei Ambiental municipal, são periodicamente solicitados por grupos ou autoridades de outras localidades. O consultor jurídico para elaboração da Lei, Dr. Paulo Affonso Leme Machado, um dos principais nomes do Direito Ambiental brasileiro, incorporou a experiência em seus livros de doutrina.
O projeto de tratamento de resíduos sólidos já gerou “imitações” positivas: o vizinho município de Ilhabela, a partir do Seminário sobre o projeto feito em São Sebastião, abriu cooperação com os mesmos parceiros alemães e pretende adotar o mesmo modelo de cooperativa de separadores de sucata.
A replicabilidade da experiência deve ser considerada a partir de alguns pontos:
Este projeto de pesquisa dedicou-se ao tratamento da realidade ambiental de São Sebastião com o propósito de investigar a dinâmica do conflito regional. Identificando uma tendência de ampliação da economia do turismo, trabalhou-se com a hipótese de que o crescimento do turismo ocasionaria a ampliação dos interesses em prol de um novo padrão de qualidade ambiental, auxiliando a redefinir as relações de forças a favor da construção de um projeto de sustentabilidade.
As limitações orçamentárias enfrentadas pela administração local no período 97-2000 não permitiram que investimentos mais amplos fossem feitos no desenvolvimento da indústria turística. Na medida em que este projeto de pesquisa procurou acompanhar justamente os desdobramentos desta política local de desenvolvimento, tais limitações vieram dificultar a construção de um quadro mais maduro a respeito de uma nova constelação de interesses, associada a uma dinâmica econômica que pudesse representar a concretização de uma nova filosofia de desenvolvimento. Isso não impede, contudo, que se faça uma discussão sobre os resultados concretos encontrados no acompanhamento da política ambiental local.
As limitações da administração ambiental desenvolvida pelo estado e pela União Cotidianamente, a atuação das agências ambientais estaduais e federais se pauta por ações de tipo normativo, que buscam controlar efeitos negativos das atividades econômicas através de mecanismos administrativos de licenciamento e fiscalização, acompanhados de alguns monitoramentos. Não houve evolução notável neste campo, desde o início da experiência de política ambiental municipal de São Sebastião (Cunha, 1996). Continua a existir um trabalho de controle temático – poluição, desmatamento - sem visão de política geral integrada e sem diálogo com a dinâmica real de usos e ocupação do território. É uma política que não incorpora a questão dos conflitos e não está voltada para mudanças de atitude ou de correlações de forças, a não ser pelo papel educativo – questionável – das multas e dos enormes prazos para licenciamento de novas atividades. Ocorre em nível local, assim, o padrão de política pública ambiental cujos limites têm sido apontados por diferentes analistas (Neder, 1999; Leis, 1999).
A iniciativa que propõe um novo padrão de intervenção, abrangente por integrar os temas da política ambiental e a própria dinâmica da realidade regional, é o zoneamento costeiro. Aqui há uma tentativa de articulação com os atores regionais, através dos colegiados de discussão do zoneamento. Os limites deste programa estão situados não na metodologia dos trabalhos, mas nos meios disponibilizados para as equipes técnicas por parte do governo estadual.
A experiência de política local de meio ambiente procurou uma sinergia com estes novos potenciais abertos pela proposta do gerenciamento costeiro. Destaque-se nesse sentido a adequação do Plano Diretor municipal ao zoneamento costeiro; e a articulação de uma dinâmica de discussão do zoneamento costeiro, em São Sebastião, que apresentou positivamente para o conjunto de atores mobilizados no Conselho Municipal de Meio Ambiente a iniciativa do zoneamento costeiro estadual. Esta visão positiva se apoiava em dois aspectos complementares: o zoneamento estadual respeita propostas do Plano Diretor e vai definir diretrizes de licenciamento mais inteligentes, por serem integradas; e incentivará a autonomia de decisões municipais desde que o município respeite as diretrizes gerais do zoneamento estadual. A representação de São Sebastião no colegiado regional do gerenciamento costeiro, combinando representantes do governo local e da sociedade civil, ajudou assim a deslocar o tipo de discussão desenvolvida, criando bases de sustentação para o trabalho de zoneamento proposto pela equipe estadual.
Um episódio que demonstra bem a diferenciação de tratamento em relação aos outros municípios, foi a adoção dos critérios da resolução 237 do CONAMA. Esta resolução, entre outras iniciativas, define que haverá um único licenciamento ambiental, e reserva para o licenciamento exclusivo dos municípios as atividades que possam causar impacto local – sem, no entanto, definir o que seja impacto local. Em São Sebastião, o Conselho de Meio Ambiente estabeleceu como de impacto local os projetos contidos nas zonas reservadas à urbanização pelo Plano Diretor, e incorporou como critério para licenciar a remoção de vegetação, nestes casos, o texto da resolução estadual sobre o zoneamento costeiro que foi aprovado em discussão do colegiado do litoral norte. Esta resolução, até hoje, só vigora no território de São Sebastião. Não foi ainda oficializada por decreto estadual, como previsto; mas foi estabelecida como regra municipal por decreto do Prefeito, a partir da resolução unânime do Conselho Municipal de Meio Ambiente. Está criada assim uma situação inusitada, cujos desdobramentos dependerão agora da política adotada pela nova administração municipal e dos seus entendimentos com as burocracias estaduais.
Em artigo dedicado à descrição e discussão do processo de estabelecimento do Plano diretor municipal (Cunha, 1999) a dinâmica dos debates e seus temas foram expostos com maior grau de detalhamento. Importa aqui resgatar o sentido geral do processo que então ocorreu.
A operação empreendida pelo governo municipal, naquele momento, consistiu basicamente em colocar a adoção de novos padrões de qualidade como elemento de convivência harmônica entre os diferentes ramos de atividade econômica, complementado por critérios de distribuição das atividades no espaço.
O território do Parque Estadual foi amplamente legitimado no processo de discussão, promovendo-se o reconhecimento de seu papel na renovação do estoque de recursos hídricos disponíveis para consumo humano e do potencial da floresta para o ecoturismo.
A qualidade de vida e a paisagem foram erigidos em valores da cidadania, com o combate em torno da questão da verticalização, e a vitória do “contra-lobby” que neutralizou a articulação a favor da liberação de prédios altos.
A negociação em torno da reserva de espaços para o turismo representou um avanço real de aproximação entre as visões de setores mais preocupados com a dinamização da economia e outros que fazem da preservação da qualidade ambiental sua prioridade.
Também objeto de artigo específico mais detalhado, o programa de ecoturismo consolidou a visão do Parque como um patrimônio não só ambiental, mas também gerador de oportunidades econômicas. Somando-se hoje os postos de guias de ecoturismo, guias culturais, guardas ambientais municipais, técnicos em licenciamento e planejamento do município, pessoal que trabalha na obra de restauro da Igreja Matriz, separadores de sucata e jardineiros preparados no projeto Jovem Viveirista, tem-se em torno de 200 vagas de trabalho geradas por atividades ambientais, às quais se somam as expectativas dos alunos do curso de guarda parques. É um número considerável de vagas, mesmo quando comparado aos 230 empregos diretos gerados pela Petrobrás no município.
No caso do programa de ecoturismo, este ensejou boa visibilidade e promoção turística para o município através de reportagens especiais, estimulando alguns empresários locais do turismo a inovações, como agência receptiva. A fiscalização contra a ocupação irregular de áreas fronteiriças do parque, muitas vezes resultado de crime organizado, ganhou novo impulso, com o município de São Sebastião saltando à frente dos demais da região no que se refere a volume de fiscalizações integradas, conforme documentado no artigo citado.
Um importante desdobramento do Programa, o Selo de Qualidade, chegou até a etapa de desenvolvimento de conceito e proposta de implantação. Basicamente, a proposta consiste em conceder um selo de qualidade a estabelecimentos que atendam a requisitos de natureza turística, sanitária e ambiental. A marca visual proposta é o Peixe da Whitbread, uma obra de arte que foi doada ao Fundo Social de Solidariedade do município por ocasião da etapa brasileira da Regata Volta ao Mundo em 1998, que aportou em São Sebastião. Esta marca transformou-se num símbolo turístico do município, e seu uso para implantação do selo de qualidade foi autorizado ao Fundo Municipal de Meio Ambiente.
Na estratégia do Programa, esta iniciativa tem o papel de gerar uma dinâmica de irradiação espontânea de melhorias na qualidade dos serviços e instalações, combinando critérios turísticos e ambientais, visando ampliar as oportunidades de mercado aos empreendimentos que venham a aderir ao uso do selo. É um exemplo importante de passo concreto da política de turismo cuja não implantação no período estudado frustrou, em parte, o objetivo de pesquisa estabelecido, já que provavelmente ocasionaria uma dinâmica de agregação de novos interesses cuja observação seria relevante. É bom que se registre, de qualquer forma, que a discussão pública dos critérios propostos para definição do Selo de Qualidade atraiu um número importante de empresários do turismo, guias e entidades que integram o Conselho de Meio Ambiente, revelando um importante potencial de adesão e participação.
O uso turístico do mar costeiro foi objeto, no período acompanhado, de interessantes movimentos de interesse e articulações.
A faixa de mar costeiro do município, incluindo as várias ilhas, foi incluída pela Lei Ambiental municipal numa unidade de conservação, a Área de Proteção Ambiental dos Alcatrazes, destinada a proteger o desenvolvimento do turismo, da pesca artesanal e da aqüicultura, e a proteção dos ecossistemas. No início da gestão 97-2000, a Prefeitura estabeleceu um primeiro zoneamento desta APA, baseado em estudo preliminar anteriormente desenvolvido. Basicamente, este zoneamento dividia a APA em três grandes categorias: a zona de Canal, onde há usos diversificados, adequada por isso mesmo a novos usos mais intensivos, como os de infra-estruturas turísticas; uma outra zona destinada a preservação, pesca artesanal e visitas de contemplação; e uma terceira, abrangendo o arquipélago dos Alcatrazes, cuja regulamentação foi deixada para depois, ma medida em que o município tivesse sucesso em sua estratégia de buscar uma negociação em relação ao conflito de Alcatrazes, que reúne em seus pólos a Marinha e o movimento ambientalista, disputando a respeito da continuidade dos exercícios de tiro desenvolvidos pela Armada numa das ilhas do arquipélago (Cunha, 1996).
Durante o processo de discussão pública do Plano Diretor municipal, um grupo numeroso de empresários turísticos da costa sul do município organizou uma discussão específica com a Prefeitura sobre o zoneamento da APA marinha. A reivindicação era alterar o regulamento da mesma, porque não contemplava a possibilidade de desenvolver estruturas de apoio ao turismo náutico na região, que conta com alguns pontos em que este negócio se desenvolve, como é o caso de Barra do Una, onde há atividades de marina e iate clube, ou As Ilhas, utilizadas como atracadouro de abrigo por suas características naturais. A Prefeitura acatou a proposta, comprometendo-se a desenvolver estudos técnicos mais detalhados para avaliar estas possibilidades; e este foi um dos pontos em que não apenas houve negociação com os outros atores reunidos no Conselho de Meio Ambiente, mas esta negociação contribuiu para estabelecer a aprovação unânime do projeto no interior do Conselho, fator decisivo para que depois o mesmo fosse sustentado pela opinião pública em sua tramitação legislativa (Cunha, 1999).
Durante 2000, uma parceria com a equipe estadual de gerenciamento costeiro e com pesquisador do Instituto Oceanográfico permitiu o início do trabalho de revisão e detalhamento do zoneamento marinho. Reuniões foram organizadas com o oceanógrafo responsável, discutindo-se com pescadores e depois com donos de marinas e clubes náuticos a idéia de colocação de recifes artificiais destinados a proteger espaços de pesca artesanal dos grandes barcos de arrasto, bem como a escolha de locais vocacionados, por suas características ambientais, para receber estruturas de apoio à atracação de barcos de passeio, já que São Sebastião, com cerca de 100 quilômetros de costa, não possui um único píer que possa ser usado para facilitar o turismo náutico.
A Prefeitura propôs aos representantes do setor de marinas uma política conjunta em relação ao licenciamento de marinas pela Secretaria estadual de Meio Ambiente, cuja revisão fora anunciada recentemente por aquele órgão ambiental. A negociação proposta – e aceita – foi tentar trazer para o município que contasse com estrutura de gerenciamento ambiental a atribuição exclusiva de licenciar estruturas de pequeno e médio porte (até 100 barcos) desde que atendendo a zoneamento estabelecido de comum acordo pelo município e o estado.
As atitudes dos representantes de estabelecimentos de guarda de barcos foram absolutamente favoráveis a este tipo de disciplinamento, inclusive com aceitação da contrapartida proposta então pelos técnicos presentes: desenvolver conjuntamente regulamentos relativos a controle ambiental dos barcos de passeio, tais como coleta do lixo de bordo e dos esgotos, cuidados com óleo e combustível, etc. Outra evolução interessante foi o caso de uma marina em fase de ampliação, que interessou-se em buscar apoio para seus projetos no conhecimento técnico acumulado sobre tecnologias alternativas para redução de ondas com menor impacto ambiental, a partir das idéias apresentadas pelo oceanógrafo. Enfim, aflorou claramente o espaço de evolução de um setor de atividades que conta com mercado potencial para expansão, como já há alguns anos indicado pelo Plano Municipal de Turismo (CTI, 1991), mas comprimido pelo estágio incipiente dos estudos de zoneamento ecológico econômico do litoral, até então. A continuidade da política negociada nestas reuniões depende, agora, dos novos administradores municipais e das agências estaduais.
Diferentes autores interessados na evolução da política ambiental brasileira e seu desempenho como alavanca para a sustentabilidade, como Ricardo Neder e Hector Leis, destacam os limites de uma política pública ambiental regulatória, carente de mecanismos eficazes de incorporação da participação dos diferentes atores e de negociação dos conflitos associados. Neder constata que as agências ambientais públicas brasileiras não conseguem ultrapassar o tratamento fiscalizatório, já que modelos gerenciais inovadores não são implementados justamente por não caminhar-se para um patamar mais avançado de projetos demonstrativos na direção da sustentabilidade (Neder, 1999). A falta de atores envolvidos com a sustentabilidade, para Leis, está ligada à falta de compreensão de que o tratamento técnico e burocrático da questão ambiental não incorpora o fato de que a política ambiental deve assumir-se como conflitiva, condição para trabalhar um novo cenário de soluções cooperativas. Técnicos de governo e ambientalistas descuidam-se, diz Leis, justamente do papel estratégico da negociação ambiental, contribuindo para isso vários fatores que vão de vícios de concepção ao radicalismo das atitudes. Para este autor, a ação central hoje deveria ser a constituição de espaços para que esta negociação ocorra, criando-se condições para uma ação comunicativa, propícia à geração de entendimentos e à coordenação de planos através de consensos (Leis, 1999). Como destaca Trindade, a participação e o diálogo entre atores fundamentais (stakeholders) é recomendação estratégica para o desenvolvimento da Agenda 21 (Trindade, 1999).
Os movimentos dos atores governamentais, não governamentais e empresariais em São Sebastião, no período objeto de estudo, permitem visualizar claramente as limitações da política ambiental meramente regulatória, muitas vezes geradora de novos conflitos, bem como os resultados de uma estratégia de negociação de conflitos associada ao desenvolvimento de uma política ambiental, visando a sustentabilidade.
Os novos usos turísticos da área de Parque permitiram desenvolver uma estrutura e uma ação efetiva de combate à ocupação irregular dos terrenos desta Unidade de Conservação e no seu entorno imediato. Embora hoje o movimento ambientalista local mais tradicional esteja vivendo um período de refluxo em sua capacidade de mobilização e influência, os interesses engajados na defesa do Parque estadual se diversificaram e ampliaram, incluindo-se aí novos tipos de profissionais do turismo e empresários do ramo.
A idéia de disciplinar o uso do mar costeiro, ao mesmo tempo “descongelando” suas possibilidades de uso turístico, foi legitimada pelos atores envolvidos diretamente nesta atividade incipiente, mas de real potencial de expansão econômica.
A visão geral do município propiciada pela apresentação, debate e negociação em torno dos conteúdos do Plano Diretor fortaleceu a idéia do turismo como campo potencial de ampliação dos negócios e do emprego no município, sem um choque frontal com as demais atividades de peso na economia local. A via da qualidade progressiva para empresas e serviços, proposta como fator de equilíbrio entre os diferentes ramos econômicos, foi incorporada pelos atores centrais do campo da política ambiental municipal.
O movimento desenvolvido pela equipe da Prefeitura, combinando a discussão e negociação do zoneamento costeiro estadual, o Plano Diretor, e a proposta de agilização dos procedimentos de licenciamento, demonstra em seus resultados este amadurecimento dos atores. Os elementos básicos deste acordo foram a legitimação do zoneamento ecológico-econômico como instrumento de acomodação e negociação dos diferentes potenciais de uso; a agilização do licenciamento como possibilidade associada à consagração destes parâmetros de uso devidamente estudados e negociados; uma maior autonomia municipal para decidir sobre as licenças ambientais, a partir de um padrão negociado entre os atores locais e as agências estaduais e federais. Os atores governamentais e não governamentais de São Sebastião não apenas sustentaram o programa estadual de gerenciamento costeiro no contexto do colegiado regional de discussão deste programa, mas avançaram para tornar regra oficial os regulamentos do gerenciamento costeiro antes que as autoridades estaduais o façam. Justamente porque o zoneamento permite avançar para um licenciamento menos temático e compartimentado, e por isso lento e nem sempre lógico, como é hoje aquele praticado pelas agências estaduais e federais. Todo o arco de atores reunidos no Conselho municipal de meio ambiente, dos ambientalistas aos empresários, aprovou por unanimidade a colocação em prática dos ditames da Resolução 237 do CONAMA, graças aos acordos anteriormente feitos sobre o Plano Diretor e o zoneamento costeiro estadual.
No mesmo Conselho, a diretriz de revitalização urbana do Centro ancorada no restauro e valorização turística dos bens históricos tombados teve suporte unânime. São, todos estes, fenômenos que conformam um trabalho de articulação de diversificados interesses, negociando-se parâmetros para a atividade econômica e inclusive dosando as medidas de controle do risco ambiental, relacionadas a atividades de alto grau de conflito associado a fenômenos de poluição, como as do terminal petrolífero.
Destaque-se, por outro lado, a falta de uma ação demonstrativa, capaz de cristalizar num movimento econômico polarizador este conjunto de acordos e entendimentos consensuais. Por suas limitações orçamentárias, a Prefeitura não pôde avançar para um grande projeto, ou conjunto de projetos, que configurasse na prática e na consciência dos atores locais a mudança de padrão de aproveitamento dos recursos ambientais da região. Um plano de expansão do turismo náutico, apoiado eventualmente na obra da marina turística no Canal; ou um projeto amplo de maricultura; ou a implantação completa do plano de ecoturismo, abrangendo inclusive o mar costeiro e política do selo de qualidade; ou um plano ambicioso de habitação popular; enfim, várias possibilidades de projetos de desenvolvimento estão contidas no Plano Diretor, que poderiam cristalizar uma nova idéia de progresso e impulsionar para novos avanços o processo de construção de consensos, sobre padrões de sustentabilidade, cujos primeiros passos foram dados.
A participação e o acompanhamento dos debates e negociações desta experiência sustentam a convicção de que a construção de um horizonte econômico alternativo, como aquele representado pelo desenvolvimento do turismo na costa com padrões ambientalmente adequados, é fator essencial para a consertação de atitudes e a construção de um clima cooperativo em relação a planos de desenvolvimento. A vivência e o debate dos potenciais de negócios, de empregos, dos riscos, das oportunidades, das ameaças, é altamente educativo para os diferentes setores da comunidade, desde que suportados adequadamente por parâmetros técnicos trabalhados de forma didática. A incorporação da necessidade de negociar por parte dos técnicos e burocratas a serviço das agências governamentais é a contraparte necessária, como evolução cultural. A proteção ambiental como valor aceito unanimemente, e a sustentabilidade como idéia ainda abstrata para muitos, mas facilmente trabalhável, não dão lugar a novos comportamentos econômicos, urbanos, de consumo, de uso dos recursos enfim, se não se transformarem em propostas concretas em que as pessoas possam se reconhecer, satisfazendo suas necessidades. A negociação é uma estratégia central para viabilizar esta nova dinâmica social, dados os limites das ações meramente regulatórias de um Estado que, como ressalta Neder, não completou uma alteração de rumos entre o tradicional impulso ao uso predatório do território nacional e seus recursos, e um novo padrão de política de desenvolvimento, sustentável. A política ambiental deve avançar para a negociação; e a negociação carece do complemento de novas iniciativas de desenvolvimento, empreendimentos que ocasionem novas cadeias econômicas indutoras de novas lógicas de aproveitamento dos recursos. Uma inércia predatória está instalada, com a força de uma tradição cultural. O questionamento destes valores tem hoje campo aberto, mas é conveniente criar efeitos demonstração do novo padrão econômico que se busca. Florestas precisam sustentar as pessoas antes sustentadas pelo desmatamento. Mar limpo deve sustentar pessoas antes sustentadas pelo mar sujo. Cidades com a memória preservada precisam sustentar as pessoas antes sustentadas pela especulação imobiliária...
A experiência de São Sebastião demonstra, a nosso ver, que a iniciativa local pode ter um papel fundamental no avanço da política ambiental para a sustentabilidade, criando espaços de negociação e incorporando novos atores favoráveis ao desenvolvimento com respeito à qualidade ambiental, bem como trazendo para consensos parciais em torno de planos de desenvolvimento sustentável atores tradicionalmente associados a práticas predatórias. Tais estratégias podem ser meios da maior importância para conter e neutralizar o poder de fogo dos interesses tradicionais, que se somam à inércia no campo das políticas públicas para protelar a abertura de novos horizontes e novas esperanças de oportunidades para a população brasileira.
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Considerando a existência da resolução CONAMA nº. 237, que estabelece o conceito de atividades de impacto ambiental local, que serão aquelas licenciadas exclusivamente na esfera municipal;
Considerando os estudos técnicos acumulados na esfera do programa estadual de gerenciamento costeiro, agora já em fase de estabelecimento de zoneamento ecológico econômico, estudos estes sobejamente debatidos na comunidade e que embasam adequadamente as futuras posturas no licenciamento de atividades modificadoras das condições ambientais;
Considerando a Lei do Plano Diretor Municipal, que delimita as macro zonas de usos no território municipal, resguardando os espaços que por suas peculiaridades devem ter requisitos específicos de utilização a fim de garantir-se a manutenção dos processos ecológicos essenciais, a conservação dos bens culturais e a salubridade ambiental;
Considerando as leis gerais que estabelecem áreas de preservação permanente, áreas protegidas e regulamentos de qualidade;
Considerando as necessidades de avançar-se para um novo padrão de desenvolvimento, pautado pela sustentabilidade ecológica, social e econômica.
1. O conceito de atividades de impacto local será aplicado aos projetos propostos nos termos da lei, passíveis de autorização ambiental municipal, nos seguintes casos:
2. O licenciamento ambiental respeitará o disposto na legislação e nos conteúdos até esta data já estabelecidos por consenso, nas discussões públicas, em relação aos critérios de usos nas macro zonas do zoneamento ecológico econômico proposto pelo programa estadual de gerenciamento costeiro. Estes conteúdos, em anexo, integram esta resolução.